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A categoria de eficiência da colostragem realmente reduz morbidade?

POR CRISTIANE TOMALUSKI

E CARLA MARIS MACHADO BITTAR

CARLA BITTAR

EM 27/11/2023

11 MIN DE LEITURA

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As discussões acerca da colostragem são antigas e muito já se esclareceu sobre esse tema. Sabe-se que o modelo placentário bovino impede a passagem de anticorpos da mãe para o feto durante a gestação, fazendo com que ao nascer os bezerros tenham baixíssimas concentrações de IgG e sejam dependentes do consumo de colostro para que ocorra a transferência de imunidade passiva (TIP). Essa dependência da colostragem para garantir a proteção imunológica, principalmente na fase inicial de desenvolvimento, faz com que a colostragem ocupe papel de destaque dentro da criação de bezerras.

Como as bezerras dependem do consumo de imunoglobulinas maternas, o fornecimento de colostro de alta qualidade em quantidade suficiente logo após o nascimento é necessário para que se obtenha alta taxa de absorção intestinal desses anticorpos, e assim, se eleve a chance de sucesso na TIP. Além disso, o colostro é uma importante fonte de nutrientes, energia e diversos outros compostos associados ao sistema imune, que não as imunoglobulinas, os quais podem afetar positivamente o metabolismo das bezerras, assim como seu desempenho produtivo quando adultas (Faber et al., 2005; Fischer-Tlustos et al., 2021).

Tendo em vista essa relevância, recentemente as recomendações de colostragem e avaliação da TIP foram revisadas e algumas alterações sugeridas. Uma delas, foi a criação de categorias (excelente, bom, regular, ruim; Lombard et al., 2020), onde os bezerros passaram a ser agrupados de acordo com o valor obtido na avaliação da TIP (Tabela 1). Essas alterações nas recomendações foram propostas com o intuito de reduzir a ocorrência de doenças em bezerros leiteiros.

Tabela 1. Categorias propostas de acordo com os níveis de imunoglobulina G, equivalente de proteína sérica total, equivalente para porcentagem de Brix, e porcentagem de bezerros recomendados em cada categoria

Categorias propostas de acordo com os níveis de imunoglobulina G, equivalente de proteína sérica total, equivalente para porcentagem de Brix, e porcentagem de bezerros recomendados em cada categoria
Adaptado de Lombard et al. (2020)

Buscando entender os efeitos dessa categorização, Sutter et al., (2022) realizaram um estudo observacional, comparando a saúde (risco de ficarem doentes e de morte) e o desempenho de bezerros da raça Holandês de acordo com essas categorias, durante os primeiros 90 dias de vida.

O estudo foi conduzido na Alemanha e compilou os dados de 3.434 bezerros. A colostragem foi realizada com o fornecimento de 4 litros de colostro de alta qualidade nos primeiros 30 minutos de vida e mais 2 litros de colostro entre 6 e 12 horas após a primeira refeição.  A avaliação da TIP ocorria entre os dias 2 e 7 de vida dos animais através da avaliação de Brix sérico. Depois disso, os bezerros foram todos manejados da mesma forma e avaliados até o final do período de aleitamento, que ocorreu aos 90 dias.

Como esperado, a categoria em que os animais se encaixaram afetou a morbidade e mortalidade dos bezerros. Em comparação com bezerros da categoria excelente, aqueles da categoria ruim apresentaram 1,99 vezes maior risco de ficarem doentes, 2 vezes maior risco de apresentarem quadro de pneumonia e 2,47 vezes maior chance de morrerem, além de uma tendência para maior risco de diarreia. Já os bezerros das categorias bom e razoável tiveram maior risco de ficarem doentes e apresentarem relato de pneumonia quando comparados com os da categoria excelente (Figura 1).

Figura 1. Análise de sobrevivência de Kaplan-Meier ilustrando a associação da categoria de transferência de imunidade passiva e tempo até pneumonia (A), morbidade geral (B) e mortalidade (C) durante os primeiros 90 dias de vida. Pneumonia foi definida como taquipneia visivelmente detectável com secreção nasal (serosa, mucosa ou purulenta). A morbidade incluiu as seguintes doenças: (1) diarreia neonatal, definida como fezes visivelmente soltas e de consistência diminuída, (2) onfalite, definida como sinais inflamatórios (vermelhidão, inchaço, secreção purulenta ou resposta dolorosa à palpação) do cordão umbilical, além de febre ou falta de apetite, e (3) pneumonia, que foi definida como taquipneia visivelmente detectável com secreção nasal (serosa, mucosa ou purulenta)

 Análise de sobrevivência de Kaplan-Meier ilustrando a associação da categoria de transferência de imunidade passiva e tempo

Estudos anteriores já vinham associando falhas na TIP (FTIP) com aumento no risco de ocorrência de doenças e mortalidade de bezerros, como no trabalho de Raboisson et al., (2016), no qual foi relatado aumento de 2,12 vezes no risco de mortalidade, 1,75 vezes no risco de apresentarem pneumonia, 1,51 vezes no risco de apresentarem quadros de diarreia e 1,91 vezes morbidade em geral.

Neste mesmo trabalho de Sutter et al., (2022), os autores buscaram correlacionar os valores de Brix da avaliação da TIP, com a ocorrência de doenças e mortalidade dos bezerros. Uma correlação linear foi encontrada entre o valor de Brix e as taxas de morbidade, casos de pneumonia e mortalidade, sendo observada uma correlação negativa entre essas medidas. Ou seja, quanto maior o valor de Brix, menor a probabilidade de os animais apresentarem esses eventos (Figura 2).

No entanto, essa mesma correlação linear não foi observada para ocorrência de diarreia. Entretanto, em outro trabalho publicado neste ano, os autores detectaram um aumento proporcional no risco de distúrbios digestivos em bezerros à medida que a eficiência da TIP diminui (Crannell e Abuelo, 2023).

Figura 2. (A) Probabilidade de pneumonia (%) durante os primeiros 90 dias de vida com base na concentração de sólidos totais (%Brix) para bezerras fêmeas da raça Holandês (n = 3.434) com idade entre 2 e 7 dias. Pneumonia foi definida como taquipneia visivelmente detectável com secreção nasal (serosa, mucosa ou purulenta). As estimativas foram derivadas do modelo GENLINMIXED, incluindo a concentração de sólidos totais em % Brix (P<0,01) como efeito fixo. (B) Probabilidade de mortalidade (%) durante os primeiros 90 dias de vida com base nos sólidos totais no soro (% Brix) para bezerras fêmeas da raça Holandês (n = 3.434) com idade entre 2 e 7 dias. As estimativas foram derivadas do modelo GENLINMIXED, incluindo a concentração de sólidos totais em % Brix (P= 0,07) como efeito fixo.

Estimativas pneumonia

Estes dados apontam que as novas recomendações de colostragem realmente têm o potencial de reduzir a ocorrência de doenças em bezerros durante a fase de aleitamento, o que é extremamente desejado. O aumento das taxas de morbidade está associado com prejuízos ao bem-estar animal, comprometimento do desempenho e aumento dos custos de criação e, consequentemente, redução no potencial de produção de leite futuro. Com isso, reduzir os índices de morbidade e mortalidade durante a fase de aleitamento possibilita a obtenção de fêmeas de reposição de melhor qualidade.

Além dos efeitos na saúde dos animais, o ganho médio diário (GMD) durante o período de aleitamento também foi positivamente influenciado pelas categorias em que os bezerros haviam se enquadrado. Estudos anteriores já reportaram resultados semelhantes, onde, foi observado aumento significativo do GMD em fêmeas com TIP adequada em comparação com aquelas que sofreram FTIP (Elsohaby et al., 2019).

Apesar da similaridade dos resultados, a justificativa apontada como causa desses efeitos ainda não é um consenso. Wittum e Perino (1995) ao observarem que animais com baixo TIP ganharam menos peso do que animais com TIP adequada, consideraram isso um efeito indireto do aumento da morbidade observada em animais com FTIP. Já Quigley et al. (1995), associaram as diferenças no GMD com as condições de manejo da fazenda e não com o status da TIP dos bezerros diretamente.

Apesar dessas variações, o GMD é uma medida importante para avaliar e monitorar a qualidade do manejo durante o período de aleitamento. Isso se deve, principalmente, ao fato de melhoras no GMD estarem associadas com redução do custo de criação e maior produção na primeira lactação (Soberon e Van Amburgh, 2013). Portanto essa é uma variável a qual devemos estar atentos.

Pensando no cenário nacional, no levantamento do Alta CRIA deste ano (Azevedo et al., 2023) foram feitos alguns comparativos entre as categorias de eficiência da colostragem para ocorrência de diarreia e doenças respiratórias, mortalidade, GMD e produção de leite corrigida na 1ª lactação (305 dias). Uma das informações que mais chama a atenção é o fato de que animais da categoria ruim apresentaram 2 vezes maior risco relativo de morte durante a fase de aleitamento do que bezerros com excelente eficiência de colostragem. Embora esses dados não mostrem de maneira clara os impactos na morbidade, com reduções nas % de bezerras com doenças respiratórias ou diarreias não muito expressivas, mas fica claro o impacto na mortalidade e na produção de leite futura com aumento de 536 L na primeira lactação.

Tabela 2. Morbidade, mortalidade e desempenho de fêmeas Holandês de acordo com a eficiência de colostragem

Morbidade, mortalidade e desempenho de fêmeas Holandês de acordo com a eficiência de colostragem
Adaptado de Azevedo et al. (2023)

Tendo em vista o impacto que TIP pode ter sobre a saúde e desempenho dos bezerros, é fundamental que se busque entender os fatores que podem favorecer ou comprometer esse processo. Sutter et al. (2022), observaram que a ocorrência de partos distócicos teve efeito significativo sobre a eficiência da TIP, de forma que bezerros que necessitaram de auxílio no parto tiveram menor porcentagem de Brix sérica. Essa redução pode ser associada a vitalidade dos bezerros, a qual é frequentemente comprometida em partos distócicos.

Em outros estudos, o baixo vigor também já foi associado a menor taxa de absorção de IgG (Furman Fratczak et al., 2011) e, portanto, a um maior risco de FTIP. Além disso, a avaliação da TIP foi influenciada pelo mês de nascimento e funcionário responsável pelo monitoramento do parto e cuidados com o recém-nascido. Assim, banco com colostro de alta qualidade imunológica e sanitária para disponibilidade durante todo o ano, além de treinamento de funcionários, são essenciais para a eficiência do protocolo de colostragem.

Neste mesmo estudo, os autores identificaram que a idade do bezerro no dia da coleta de sangue para avaliação da TIP também interferiu nos resultados, sendo que os maiores valores de Brix foram encontrados nas coletas realizadas com 48 horas de vida dos bezerros, com posterior queda. Isso indica que o número de animais em cada uma das categorias pode ser alterado de acordo com o protocolo de coletas estabelecido em cada propriedade.

Existem várias recomendações sobre idade máxima para essa avaliação, sendo muitas vezes de até 10 dias após o nascimento (Godden et al., 2019). Essa flexibilidade tem grande importância na adequação do calendário de manejos dentro das fazendas. Entretanto, é importante ressaltarmos que quanto mais cedo as amostras forem colhidas, mais precisamente os resultados refletirão a verdadeira absorção de IgG, uma vez que, reduz-se as influências externas a colostragem, tais como alimentação, distribuição das IgGs ou desidratação (Godden et al., 2019). Sugere-se que as coletas sejam feitas até no máximo 7 dias, atentando-se para o grau de desidratação da bezerra, para uma adequada avaliação e categorização das bezerras.

A discussão dos trabalhos citados aqui possibilita a identificação de alguns pontos que podem ser ajustados e melhorados no manejo de colostragem. Mas, o mais importante é estes dados reforçam as recomendações propostas por Lombard et al. (2020), para que se busque maiores valores de Brix, de forma a reduzir morbidade e mortalidade, resultando em aumento de desempenho e consequentemente, a eficiência produtiva das fazendas.

 

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Referências

AZEVEDO, R.A. de et al. Alta CRIA 2023. Uberaba: Alta Genetics. 1ª edição. 2023.

CRANNELL, P.; ABUELO, A. Comparison of calf morbidity, mortality, and future performance across categories of passive immunity: A retrospective cohort study in a dairy herd. Journal of Dairy Science, v. 106, n. 4, p. 2729-2738, 2023.

ELSOHABY, I. et al. Effect of passive transfer of immunity on growth performance of preweaned dairy calves. Canadian journal of veterinary research, v. 83, n. 2, p. 90-96, 2019.

FABER, S. N. et al. Case study: effects of colostrum ingestion on lactational performance 1. The professional animal scientist, v. 21, n. 5, p. 420-425, 2005.

FISCHER-TLUSTOS, A. J. et al. Effects of colostrum management on transfer of passive immunity and the potential role of colostral bioactive components on neonatal calf development and metabolism. Canadian Journal of Animal Science, v. 101, n. 3, p. 405-426, 2021.

FURMAN-FRATCZAK, K.; RZASA, A.; STEFANIAK, T. The influence of colostral immunoglobulin concentration in heifer calves’ serum on their health and growth. Journal of dairy science, v. 94, n. 11, p. 5536-5543, 2011.

GODDEN, Sandra M.; LOMBARD, Jason E.; WOOLUMS, Amelia R. Colostrum management for dairy calves. Veterinary Clinics: Food Animal Practice, v. 35, n. 3, p. 535-556, 2019.

LOMBARD, J. et al. Consensus recommendations on calf-and herd-level passive immunity in dairy calves in the United States. Journal of Dairy Science, v. 103, n. 8, p. 7611-7624, 2020.

QUIGLEY III, J. D. et al. Effects of housing and colostrum feeding on serum immunoglobulins, growth, and fecal scores of Jersey calves. Journal of Dairy Science, v. 78, n. 4, p. 893-901, 1995.

RABOISSON, D.; TRILLAT, P.; CAHUZAC, C. Failure of passive immune transfer in calves: A meta-analysis on the consequences and assessment of the economic impact. PloS one, v. 11, n. 3, p. e0150452, 2016.

SOBERON, F.; VAN AMBURGH, M. E. Lactation Biology Symposium: The effect of nutrient intake from milk or milk replacer of preweaned dairy calves on lactation milk yield as adults: A meta-analysis of current data. Journal of Animal Science, v. 91, n. 2, p. 706-712, 2013.

SUTTER, F. et al. Association between transfer of passive immunity, health, and performance of female dairy calves from birth to weaning. Journal of Dairy Science, v. 106, n. 10, p. 7043-7055, 2023.

WITTUM, T. E.; PERINO, L. J. Passive immune status at postpartum hour 24 and long-term health and performance of calves. American journal of veterinary research, v. 56, n. 9, p. 1149-1154, 1995.

 

CARLA MARIS MACHADO BITTAR

Prof. Do Depto. de Zootecnia, ESALQ/USP

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