O desafio das políticas públicas para o leite no Brasil: afinal, o que queremos, como setor?
Veja o editorial de Marcelo Pereira de Carvalho a respeito do documento gerado na I Conferência Nacional do Leite.
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O cenário de mudança no ambiente econômico mundial também gera desafios para o Brasil e para as políticas públicas brasileiras. Aumento do custo de mão-de-obra e da terra, fortalecimento do Real, custos ambientais, tudo isso coloca o setor lácteo frente a uma nova e desafiadora realidade, exigindo instrumentos distintos dos vigentes no passado.
Nesse sentido, a Subcomissão Permanente da Produção de Leite da Câmara dos Deputados organizou em novembro a I Conferência Nacional do Leite, visando reunir sugestões para orientar o governo em relação às políticas públicas para leite. A iniciativa contou a participação do setor (CNA, OCB e Embrapa) e, sem dúvida, representou uma passo importante no sentido do setor se fazer ouvir junto ao legislativo e ao executvo.
Li e reli o documento que contem mais de 130 propostas, felizmente depuradas em 12 medidas prioritárias, que são evidentente mais manejáveis - talvez ainda em número excessivo se considerarmos que os recursos são escassos e os pedidos sempre numerosos.
Entre as medidas prioritárias, destacam-se a defesa comercial (restrição das importações), implementação da IN 62, infra-estrutura (energia elétrica, internet), programas sanitários, revisão dos marcos regulatórios (RIISPOA), crédito de PIS/COFINS para custeio, investimentos e capacitação de produtores, bem como modernização do porque industrial, políticas de apoio a comercialização, fundo para inovação tecnológica, assistência técnica, dados estatísticos, promoção do associativismo e cooperativismo e ações compensatórias aos produtores, devido aos custos ambientais.
O documento original é bastante abrangente em relação às pautas sugeridas, porém genérico, como ao propor “Dinamizar e desburocratizar os serviços de inspeção” - sem detalhar como isso poderia ser feito, o que talvez não fizesse mesmo parte dos objetivos do trabalho, ao menos nessa etapa.
Também, ainda no âmbito da forma e do conteúdo, o documento lista questões que refletem problemas gerais do país, indo muito além do leite, como é o caso da infra-estrutura de logística, junto a aspectos bastante específicos, como a questão da comercialização de queijo artesanal entre os estados.
Na verdade, entendo que o resultado dessa Conferência é muito mais uma listagem de (quase) todos os problemas do setor leiteiro do que uma orientação pragmática na direção de políticas públicas.
Porém, em nenhum destas observações reside o principal “problema” do documento, por assim dizer. A questão principal é o que, afinal, está em jogo quando se fala do leite no Brasil e que suscita a reunião de especialistas para discutir políticas públicas?
A resposta a essa questão é preponderante para orientar as ações futuras. O que se busca é o aumento/retomada da competitividade do leite nacional perante o leite importado? É a garantia de renda para 1,3 milhão de produtores, dos mais diversos portes e estágios tecnológicos, minimizando exclusão social? É a redução dos riscos sanitários e da competição desleal com produtos informais? É a maior agregação de valor na indústria, melhorando a chance de remuneração mais atrativa para todos os envolvidos?
Como o documento contém 135 propostas das mais variadas e muitas vezes potencialmente contraditórias até pela natureza do processo a que foi submetido (diversos elos do setor, políticos, etc), fica difícil entender qual é o objetivo principal e o que é secundário ou mesmo antagônico ao alcance desse objetivo. No documento, há propostas envolvendo todos os aspectos acima e mais alguns outros mais, como o aumento do mercado através de ações de marketing institucional.
Considerando que o principal item do texto é a defesa comercial (afinal, é a medida número 1 das 135!), concluo que o principal problema é a competitividade do leite perante o leite importado, o que faz sentido especialmente em um momento de elevação das importações: o real se valorizou muito nos últimos anos e essa valorização não foi compensada pelo aumento proporcional de produtividade, nem com a disponibilização de melhores serviços de infra-estrutura e logísticos.
Se é isso, temos de entender onde está a origem dessa falta de competitividade, deixando de lado os aspectos que não controlamos, como o câmbio. Supondo que nosso custo médio seja de, digamos, US$ 0,40/litro e o da Argentina US$ 0,30/litro, onde está a diferença? É possível recuperar a diferença? Como? Menor tributação? Melhoria da produtividade? Há exemplos de sucesso mesmo com o Real valorizado? Como fomentá-los? E os custos pós-fazenda, como se comparam entre indústrias de diversos países? E assim por diante.
Além da competitividade com o leite importado, é relevante pensarmos o leite como atividade concorrente de outras atividades agrícolas e mesmo urbanas. Como setor, pouco adianta sermos mais eficientes que outros países se o produtor abandonar a atividade para se dedicar a outra atividade.
Esse trabalho fica bem mais robusto se, além da análise de momento, seja feito um exercício de futuro. Pode-se por exemplo traçar um cenário futuro desejável e um cenário tendencial, nesse caso projetando as variáveis atuais em um espaço definido de tempo. Em 2007, o MilkPoint realizou um trabalho inédito nesse sentido, chamado Cenários para o Leite em 2020, em conjunto com a Embrapa Gado de Leite e viabilizado pelo MDA, pelo Sebrae e pela OCB/CBCL. Esse trabalho poderia ser refeito, se necessário, sob a luz de uma série de mudanças que ocorreram nos últimos anos. Olhando criticamente para as tendências futuras, é possível agir hoje, fazendo com que o futuro desejado tenha mais chance de ocorrer.
Um exemplo de análise de variável futura orientando ações no presente: se considerarmos que o Brasil vai continuar crescendo (tirando esse ano do Pibinho da Dilma) e que o desemprego continuará em queda, puxado principalmente pelos serviços, será que o produtor de 100 litros/dia será sustentável no futuro? Muito provavelmente, não: ganhará mais em outra atividade e será um processo natural, se não dele, de seus filhos. As questões relevantes passam a ser duas: a) como fazer com que esse produtor passe a produzir 600, 700, 1000 litros/dia, caso queira permanecer na atividade? (isso envolve capital, gestão de pessoas, intensificação do sistema, gestão de riscos climáticos, gestão financeira, etc); e b) como atrair grandes produtores cuja atividade será mais economicamente sustentável?
Independentemente da metodologia, uma coisa é certa: não é possível resolver todos os problemas do setor a partir de um único documento, ou sob uma única política pública. Minha sugestão é enfocar inicialmente a questão da competitividade, separando as propostas em curto, médio e longo prazos, bem como medidas secundárias que devem acompanhar essas propostas.
Por fim, seria importante que fossem estabelecidas metas objetivas decorrentes da implantação de cada medida escolhida, bem como um estudo a respeito dos custos envolvidos e do impacto benéfico resultante de sua implantação.
Tudo somado, é importante ressaltar que as discussões em torno das políticas públicas são amplamente positivas e sinalizam um caminho futuro. E, reconhece-se, não é algo fácil de se fazer em um setor tão díspare como o lácteo, onde os interesses muitas vezes são inerentemente conflitantes. Desta maneira, estão de parabéns os deputados envolvidos e as entidades participantes – certamente a construção do futuro passa por ações dessa natureza.
Por fim, agradeço a todos que nos prestigiaram em 2012 e desejo aos nossos leitores, colaboradores, parceiros e patrocinadores um grande 2013!
Material escrito por:
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RECIFE - PERNAMBUCO - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 13/01/2013
Saulo Malta -Presidente do Sindicato dos Produtores de Leite de Pernambuco.
JUIZ DE FORA - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 08/01/2013
Enquanto permanecermos com pena dos que devem sair do mercado, por causa de seu amadorismo, e entendermos que o pequeno produtor pode ser ineficiente porque não tem condições de ser o contrário, estaremos sujeitos aos comandos de um mercado predatório que nos assassina cotidianamente.
O Brasil não precisa de quantidade de produtores, mas, sim, de qualidade dos mesmos. Hoje, temos milhões de produtores para volumes ridículos de produção, enquanto o certo seria alguns poucos, mas que tivessem expressão, qualidade e perspectivas.
Urge a adoção da pecuária leiteira profissional, com escala de produção e viabilidade econômico-financeira de sistemas. Não dá mais para produzir um "leitinho, com umas vaquinhas, numa fazendinha qualquer": precisamos produzir leite, com animais especializados e num sistema profissional, se quisermos, ainda, deixar de ser "colônia de republiquetas sulamericanas" que fazem o que querem e nos massacram, como atualmente tem lugar.
Precisamos deixar de brincadeiras e passar a encarar a atividade com a necessária seriedade ou fechar as nossas porteiras.
Um abraço,
GUILHERME ALVES DE MELLO FRANCO
FAZENDA SESMARIA - OLARIA - MG
=HÁ OITO ANOS PRODUZINDO QUALIDADE=
GUARACI - PARANÁ - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 07/01/2013
Parabéns pelo artigo! Sua analise é muito equilibrada. O documento com 135 propostas e 12 resumidas a meu ver deve ser apoiado para que as discussões continuem e quem sabem a classe dos produtores de leite possa responder a pergunta que você colocou, " afinal o que queremos como setor?".
Acho muito ruim que tudo isso tenha acontecido pela iniciativa e liderança de politicos, nosso setor não esta sabendo se organizar e no final a politica de satisfazer a todos e não resolver nada vai prevalecer. Os produtores de leite estão subordinados a entidades de classe estritamente POLITICAS, desde as Federações de Agricultura do Estados, CNA e OCB, cujas lideranças tem como prioridade manter seus cargos/empregos e não tem coragem de defender especificamente um setor de produtores como o do leite. Qual é o peso politico do nosso setor? Sera que esta sendo respeitada a equivalencia pelo nosso peso sócio/econômico, qual a atuação da ASSOCIAÇÂO BRASILEIRA DOS PRODUTORES DE LEITE? (Existe?)
Você escreveu muita coisa que nosso setor não tem coragem de defender, parabéns!

LAVRAS - MINAS GERAIS - TRADER
EM 06/01/2013

BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
EM 03/01/2013
Como técnicos e vivenciando as várias situações e tentativas de solução frente aos desafios por que passa o setor lácteo ao longo de décadas e, portanto, como componentes neste processo, às vezes temos a impressão de que já nos sentamos nessa mesma cadeira, nessa mesma sala de projeção e já vimos este filme. Mais grave ainda, quando um amigo, na cadeira ao lado, comenta com você: " - Tudo em vão. O que prevalece são os interesses dos segmentos com maior poder de barganha." Mas é claro que embora não possamos ser ingênuos, não nos abatemos ou entregamos os pontos por comentários como estes. Somos da turma que ainda ousa em acreditar que podemos e vamos aprimorar todo este processo. E é pensando desta forma que acreditamos que o documento gerado, com suas 135 proposições, precisa, deve e merece ser aprimorado, conforme você mesmo coloca. Ou seja, apesar de todos os pesares - conhecidos de todos, temos um documento, que pode, numa primeira vista ser percebido tão somente como uma "lista de reivindicações", mas que na realidade deve ser entendido como mais uma grande oportunidade de convergência de interesses, legitimadas pelos segmentos representados, e que agora precisam, como você disse, de se estabelecer claramente foco e prioridade para cada ponto registrado e de forma determinante, partirmos para a AÇÃO, todos os segmentos, público e privado, numa comunhão de trabalho e de expectativa de resultados positivos. Se, de fato, a Subcomissão do Leite estiver convicta da importância do trabalho a ser feito, nele se envolvendo inteiramente, e do retorno que o mesmo pode proporcionar ao país, e com isso CONQUISTAR efetivamente a confiança e a credibilidade de todos os segmentos envolvidos (mesmo com os conflitos inerentes e próprios do sistema agroindustrial), certamente teremos um avanço consistente e um horizonte mais seguro e de melhores perspectivas para todos os envolvidos na atividade.

CAMPINAS - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 31/12/2012
Parabens pelo artigo.
De fato 135 propostas, algumas contraditórias, é um exagero e o estabelecimento de 12 medidas prioritárias melhora um pouco o documento.
Mas tenho as seguintes considerações a fazer:
1) para mim é estranho que não tenha sido colocado nas medidas prioritárias o combate à brucelose e tuberculose, sem o que preconiza a IN 62 em termos de leite livre de tuberculose e brucelose será implementado;
2) Mais importante do que estabelecer medidas prioritárias é criar os mecanismos que possibilitem parcerias público-privadas para que de fatu essas medidas sejam implementadas;
3) como você bem disse na sua colocação sobre meu comentário na matéria "Produtores farão protesto contra a importação", é preocupante movimentos setoriais organizados por políticos, que não tem todo o entendimento do cenário, sem uma participação muito ativa das lideranças e associações setoriais, o que parece que não vem acontecendo.
A pergunta "o que queremos para o setor leiteiro" tem duas respostas possíveis:
1) Um setor com muitos milhares de produtores, onde o aspecto social prevaleça sobre as produtividade e competitividade, que só será sustentável com pesados subsídios do Governo;
2) Um setor com um número de produtores relativamente pequeno, onde prevaleça a produtividade e a competividade.
É importante que o Governo e a cadeia produtiva, principalmente a indústria, dem a resposta a essa pergunta com transparência e honestidade, para que cada um de nós produtores possa decidir se deve continuar produzindo leite ou procurar outra atividade.
Seria muito bom se em 2013 os produtores de leite tivessem a resposta a essa pergunta.
Grande abraço
Marcello de Moura Campos Filho
Presidente da Leite São Paulo

PATOS DE MINAS - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 31/12/2012

TREZE TÍLIAS - SANTA CATARINA - ESTUDANTE
EM 30/12/2012
Valter Antonio Brandalise
Santa Catarina
Estão de parabéns os deputados Domingos Sávio e Celso Maldaner, que ergueram a bandeira do leite no Brasil, e deram voz e vez em Brasilia. A paticipação da indústria na redação deste documento foi muito importante, mesmo porque juntamente com os produtores vivem o dia-dia do leite, e sentem na pele os problemas do setor no Brasil. O documento apresentando talvez não seja o ideal, mas acreditamos ser o inicio de um processo de mudança. Sabemos também que falar e fácil, criticar também, mas resolver os problemas, apontando soluções viáveis, é que não é fácil em um país continente como o nosso.
Parabéns pela iniciativa.

CACONDE - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 30/12/2012

CASTRO - PARANÁ - PESQUISA/ENSINO
EM 28/12/2012