Há 8 anos escrevi um artigo com esse mesmo título, que por sua vez fora inspirado num outro artigo publicado na Hoard’s Dairyman em 2015. Vários aspectos abordados aqui foram “roubados” do artigo anterior, com algumas pitadas a mais.
Andar no meio das vacas e entender o que elas nos “falam” é fundamental para entender o que elas precisam para serem eficientes. E isso passa diretamente pelo conforto e bem-estar do rebanho.
Sempre devemos “escutar o que as vacas nos dizem”, e muitas vezes técnicos e produtores não dão ouvidos às vozes do rebanho.
Com o avanço da profissionalização da produção leiteira no Brasil, as fazendas vêm se preocupando cada vez mais com a adoção de novas tecnologias, e com o bem-estar animal. É crescente o número de produtores brasileiros que migram do sistema a pasto para os de confinamento, como Free-stall ou Compost Barn. Muito dessa transição vem da associação de conforto e bem-estar com a adoção dessas instalações. Porém instalações mal projetadas e mal construídas não permitem que se ofereça o máximo de bem estar aos animais, e podem inclusive impor desafios que o rebanho não tinha.
Hoje já é claro para profissionais e produtores que o bem-estar animal é fundamental para que rebanhos leiteiros sejam produtivos e eficientes, em qualquer sistema de produção. Naturalmente quando de coloca os animais num novo barracão (mesmo que seja uma adaptação) espera-se que haja um benefício consistente em conforto para as vacas, e normalmente leva pouco tempo para perceber como será o uso da instalação pelos animais. O comportamento das vacas nos diz claramente se está tudo bem ou se há problemas com sua “nova casa”.
Por exemplo, áreas inocupadas e/ou camas não utilizadas podem indicar infestações por moscas, muita incidência de luz solar ou ventilação ruim. Não necessariamente se trata apenas de preferência dos animais. Nesses casos é importante que os funcionários do dia a dia desenvolvam um olhar crítico ao se deparar com essas questões. Pode fazer uma grande diferença se eles questionarem: “por que as vacas não estão gostando daqui?”
Para saber se as coisas vão bem na fazenda, há uma série de aspectos que devem ser observados por quem trabalha com o manejo do rebanho. Segue uma lista de perguntas a fazer quando estiver andando no meio das vacas:
- De cada 10 vacas que estão na(s) cama(s), quantas estão ruminando?
- Há sinais de que as vacas estão selecionando a ração? O que está sendo selecionado?
- As vacas estão consumindo dejetos, terra ou areia? Estão consumindo minerais de forma exagerada?
- Os animais parecem saudáveis, com pelo brilhante?
- O escore médio de condição corporal é adequado para cada lote? Há muita variação no escore de condição corporal dentro dos lotes?
- Há muitas vacas com problemas de casco?
- Há bebedouros suficientes para as vacas? Eles estão estrategicamente dispostos, inclusive nos corredores?
- Os bebedouros estão limpos? A vazão da água é suficiente para atender todo o lote?
- Elas têm comida sempre disponível?
- A dieta no cocho está bem misturada? O tamanho médio de partículas está adequado? A ração está quente? Há sinais de mofo?
- Há espaço suficiente nos cochos de alimentação?
- As vacas têm alimento fresco à disposição depois das ordenhas?
- O piso é confortável e seguro? As vacas conseguem se deslocar pelo barracão de forma tranquila?
Ao seguir na ideia de que as vacas nos dirão qual o problema, machucados e proeminências na nuca dos animais, e cordoalhas da linha de cocho frequentemente arrebentadas, indicam claramente que os animais estão com dificuldades para alcançar a comida. Pode significar que as contenções estão mal ajustadas, ou que, no caso de barracões com pistas de alimentação, a comida não está sendo aproximada com a frequência adequada.
Outro exemplo, um número muito grande de vacas em pé pode significar camas mal dimensionadas ou em mal estado, ou também taxa de lotação excessiva no barracão. Isso pode ser um grande desafio para as vacas, pois quanto mais tempo passam em pé, maiores as chances de desenvolverem problemas de casco e pior será o seu desempenho. Camas úmidas e quentes também contribuem para que os animais deitem por menos tempo do que precisam.
O tempo de descanso é fundamental para que as vacas tenham boa saúde. Diversos trabalhos de pesquisa mostram que para cada 3,5 minutos de descanso perdido, as vacas sacrificam 1min de tempo de alimentação. Por si só, a queda no consumo de alimento já impacta duramente a saúde e bem-estar dos animais, já que a imunidade pode ser comprometida ao não terem seus requerimentos nutricionais atendidos, mas o prejuízo e ainda maior pela que na produção de leite e piora nos índices de reprodução. Vacas saudáveis comem mais e têm melhor desempenho!
Uma outra questão muito importante quando se fala em bem estar animal é o estresse por calor, talvez o maior desafio das fazendas leiteiras em nosso país. Pouca ventilação nos barracões, muita luz solar sobre as camas e falta de resfriamento infelzimente são comuns em muitos barracões destinados a vacas leiteiras, e isso pode ter efeito devastador sobre a eficiência econômica das fazendas.
O estresse por calor impacta duramente o sistema imune, a reprodução, o consumo de alimento, a produção leiteira, enfim, afeta de forma muito significativa o bem-estar das vacas. E elas nos “falam” muito facilmente se estão sofrendo com calor, basta observar sua frequência respiratória. Animais “batendo” a mais de 60 movimentos respiratórios por minuto estão sob stress, e é muito comum encontrarmos um grande número de vacas respirando mais 80-90 vezes por minuto, mesmo em barracões onde há sobra e vento. É imprescindível observar o comportamento das vacas para identificar problemas com as instalações.
É fundamental prestar atenção aos sinais que as vacas nos dão. Observar detalhes do seu comportamento podem nos dar muitas oportunidades de promover melhoras em seu ambiente para que tenham mais conforto e bem-estar, fazendo com que a produtividade seja melhorada.
Pequenos ajustes podem tornar o ambiente mais confortável para que as vacas possam exprimir todo o seu potencial genético. E para entender quais os desafios o rebanho tem e o que pode ser feito para ajudar, devemos seguir o que prega a metodologia CowSignals, temos que nos colocar no lugar delas, tentar imaginar se as instalações oferecem de fato o conforto adequado, sob a perspectiva das vacas.
Melhorar as condições de conforto das vacas significa melhorar sua saúde. Vacas saudáveis são vacas produtivas e eficientes, e é isso que todo produtor de leite quer. Vacas felizes e saudáveis, produtores felizes e prósperos!
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