Como queijeiro de quarta geração da região da Puglia, na Itália, Angelantonio Tafuno soa, em muitos aspectos, como mais um millennial tentando desacelerar em um mundo frenético.
Em uma tarde de outono, o Sr. Tafuno, de 32 anos, defendia um ritmo mais tranquilo para agricultores e queijeiros que, segundo ele, “estão correndo demais”. Seu objetivo, afirmou, era reduzir a produção de burrata e mussarela artesanais, que sua família fabrica há décadas, para se dedicar ao desenvolvimento de queijos especiais maturados, produzidos apenas por alguns meses ao ano. Ao fundo, um rebanho de vacas Podolica, raça bovina que produz menos leite que as vacas leiteiras típicas, seguia rumo a um bosque para o pasto da tarde.
Para o Sr. Tafuno, que investiu em 30 cabeças de gado Podolica há dois anos, a busca por novas formulações artesanais representa mais do que o desejo de simplificar a vida do campo à mesa. Tornou-se uma necessidade diante das mudanças climáticas, que ameaçam os negócios da família. As temperaturas extremas na Itália, associadas ao aquecimento global, contribuíram não apenas para secas severas e incêndios, mas também para uma redução significativa na produção de leite.
Na Puglia, região responsável pela maior parte da burrata italiana, produtores de queijo buscam alternativas diante da queda na oferta de sua principal matéria-prima. Para Tafuno, criar variedades que demandem menos leite “é uma forma de enfrentar o que está acontecendo agora com as mudanças climáticas”.
Ele percebe essa mudança diariamente. Passa várias manhãs com as mãos submersas em recipientes de metal cheios de coalhada e soro, mexendo a massa com uma grande pá de madeira de faia até transformá-la em pedaços semelhantes a caramelo, que depois estica, dobra e amarra. Trabalhando com as mãos, afirma que consegue detectar quando o leite provém de vacas estressadas, pois fica mais ralo e demora mais a coalhar. Ultimamente, tem notado uma queda crescente na qualidade.
A ciência confirma essa percepção. De acordo com Umberto Bernabucci, professor da Universidade de Tuscia e especialista em fisiologia bovina, dependendo da sensibilidade ao calor e à umidade, a produção de leite pode cair entre 3% e 20%. Outros estudos indicam que essa redução pode chegar a 30%. O calor também diminui os níveis de proteína e gordura, afetando diretamente a qualidade do queijo.
Segundo uma análise do CLAL — centro de pesquisa da indústria de laticínios com sede em Modena — a produção de leite de vacas em toda a Itália diminuiu devido ao calor nos meses de verão. Entre 2022 e 2024, a queda média foi de 17,2% entre março e setembro, superior à média de 15,5% registrada no mesmo período nos três anos anteriores.
Com margens já apertadas, produtores de leite enfrentam o que Eyal Frank, economista ambiental da Universidade de Chicago, chama de um “apocalipse do leite”. Em um momento de alta demanda — restaurantes lotados de turistas e exportações de burrata e ricota em ascensão — a oferta reduzida impede alguns produtores de atender todos os pedidos. Embora possam importar leite, muitos ainda dependem majoritariamente dos fornecedores locais.
As vacas, frequentemente citadas como emissoras de metano, são agora vítimas das mudanças climáticas. A Coldiretti, maior associação agrícola da Itália, aponta que a queda na oferta de leite se soma ao aumento dos custos de energia e ração. Um relatório sindical alerta que quase uma em cada dez fazendas leiteiras está em risco de fechar.
O Sr. Tafuno se refere aos animais de seus fornecedores como “minhas vacas”. No Instagram, além de fotos de queijos, publica imagens idílicas posando com o gado. Uma legenda descreve como seu coração “transborda de amor pela sua terra e pelos animais que ele cria em fazendas sustentáveis”. Hoje, devido à escassez de leite, ele nem sempre consegue atender pedidos de restaurantes e supermercados de Roma, Milão, Lago de Como e Puglia.
“Os clientes querem cada vez mais”, diz Donato Calvi, que administra um restaurante com suas duas irmãs em Altamura, cidade onde Tafuno produz seus queijos. Ele compra várias especialidades do queijeiro, mas às vezes precisa recusar pedidos quando algum item se esgota.
Os clientes, afirma Calvi, “não entendem que, ao trabalhar com a natureza, tudo tem um ciclo que não pode ser padronizado”. Naquela noite, servia bruschetta de abóbora com scamorza do Sr. Tafuno.
Para combater o calor, alguns agricultores recorreram a sistemas de resfriamento, como aspersores e ventiladores. Antonella Nocco, veterinária e proprietária de um laticínio que fornece leite a Tafuno, afirma que liga os ventiladores do estábulo — onde abriga 330 vacas — mesmo quando a temperatura está em 20°C. Estudos mostram que as vacas já podem sentir estresse térmico nessa faixa.
Essas medidas, porém, são caras. Anna Loiudice, que administra uma fazenda familiar e também fornece leite ao Sr. Tafuno, relata que a queda na produção durante o verão reduziu suas margens anuais em cerca de 20%. Observando montes de feno e vacas Jersey buscando refúgio na lama, disse que não tinha escolha a não ser investir em nebulizadores e ventiladores. “Lentamente, muito lentamente, teremos que instalar essas coisas”, afirmou. “Caso contrário, será muito difícil manter a produção de leite.”
Ainda assim, especialistas alertam que tais soluções têm alcance limitado. “Você só consegue mitigar o efeito negativo do calor em, no máximo, 50%”, explica Claire Palandri, autora de um estudo sobre os efeitos do calor e da umidade em vacas.
Na Puglia, lidar com as dificuldades não é novidade. Mesmo antes do aquecimento global intensificar as temperaturas, a região enfrentava escassez de água, secas frequentes e terrenos rochosos, pouco adequados ao pasto. “Historicamente, diz-se que o leite da Puglia é feito de pedras”, afirma Francesco Mennea, diretor de um consórcio com 15 produtores de burrata sediado em Andria.
Diante da oferta reduzida, os produtores buscam conservar ao máximo o leite disponível. Mostrando os painéis de controle de quatro cisternas que transformam quase 53.000 galões de leite por dia em coalhada, o Sr. Sanguedolce destaca que o monitoramento preciso da temperatura evita desperdícios. “Apenas 1% é muito importante para nós”, afirma.
Alguns pequenos agricultores, porém, preferem técnicas tradicionais para enfrentar os desafios atuais. Mariantonietta Scalera, de 36 anos, e seu pai, Vito, cuidam de um rebanho misto de 20 vacas (Brown Suíça, Holstein e híbridas), além de 160 cabras e ovelhas, nos arredores de Altamura. Produzem mussarela, burrata, scamorza, ricotta e provolone, vendidos em uma pequena antessala de sua casa.
Para reduzir o estresse térmico, Mariantonietta limita o número de cabras e ovelhas que engravidam — e, portanto, produzem leite — no início do verão. Mantendo bodes e carneiros afastados em momentos críticos, concentra os picos de lactação no inverno e na primavera. Ela avalia adotar uma estratégia semelhante para as vacas.
O Sr. Scalera, citando uma passagem da Odisseia em que um ciclope faz queijo em uma caverna, afirma que segue práticas ancestrais, mesmo que isso signifique menor produção. “É como se dois mundos estivessem prestes a colidir”, diz ele, enquanto gatinhos e cachorros circulam ao redor. De um lado, está a “agricultura industrial — sintética, química, emissões, produtividade máxima”. Do outro, a abordagem natural: “Pequena, com o menor impacto possível. Apenas produzir o necessário e não buscar mais.”
As informações são do Estadão.