O escore de condição corporal (ECC) é uma ferramenta frequentemente adotada para mensurar reservas energéticas de vacas leiteiras. O ECC permite estimar depósitos de tecido adiposo do animal, particularmente de gordura subcutânea, através da visualização e palpação de estruturas específicas. Na avaliação do ECC é particularmente importante mensurar as reservas de gordura no íleo, ísquio e inserção da cauda; secundariamente os acúmulos de gordura nas costelas, vértebras lombares e vazio também podem ser avaliados. A escala comumente utilizada foi proposta por Wildman et al. (1982) e Edmonson et al. (1989), variando em intervalos de 0,25 ponto, com limite mínimo de 1 (vaca extremamente magra) e máximo de 5 (vaca extremamente obesa).
Vacas que parem muito gordas ou muito magras correm maior risco de apresentar desordens metabólicas no pós-parto (Ferguson et al., 1994). Animais que parem com baixo ECC podem estar mais sujeitos às doenças infeciosas, baixa eficiência reprodutiva e redução na produção de leite na lactação subsequente. Por outro lado, animais com excesso de reservas corporais estão mais propensos a apresentar distocia, desenvolver cetose e esteatose hepática (fígado gorduroso) e também apresentam menor produção de leite. Na Tabela 1 está descrito o ECC ideal para cada fase da vida de fêmeas leiteiras.
Tabela 1. Condição de escore corporal indicado para novilhas, vacas secas e vacas em lactação.
Conhecendo os desafios enfrentados durante o período de transição, tanto para a saúde como para o desempenho de vacas leiteiras, Kadivar et al. (2014) sugeriram que a redução no ECC duas semanas antes do parto pode estar associada com aumento da incidência de endometrite clínica em vacas leiteiras da raça Holandês. Ainda, Roche et al. (2009) relataram que a redução no ECC no parto está associada a menor produção de leite e menor probabilidade de prenhez, enquanto que, o aumento da ECC no parto está associado à maior probabilidade de doenças metabólicas no pós-parto. Isto demonstra que idealmente vacas devem parir com ECC muito próximo ao ideal (3,0-3,5).
Um trabalho publicado por Chebel et al. (2018) procurou avaliar a associação entre a mudança de ECC no pré-parto sobre a saúde e desempenho produtivo no pós-parto de vacas Holandesas. O estudo foi desenvolvido a partir dos dados de duas grandes fazendas leiteiras comerciais localizadas em San Joaquin Valley na Califórnia, EUA. Foram reunidas um total de 16.104 lactações de 9.950 vacas, incluindo tanto primíparas como multíparas. A seguir estão descritos os grupos experimentais (Tabela 2).
Tabela 2. Classificação dos grupos experimentais em função da variação de ECC no período seco proposto por Chebel et al. (2018).
Os autores verificaram uma associação entre a mudança do escore de condição corporal (ΔECC) no período seco e a probabilidade de ocorrência de doenças uterinas no pós-parto. Vacas com excessiva perda de escore corporal (≤ -0,75) foram mais propensas em desenvolver doenças uterinas do que aquelas vacas com moderada perda de escore (ΔECC de -0,5), e também, do que aquelas que mantiveram (ΔECC de 0) e/ou ganharam escore (ΔECC de ≥ 0,25). As vacas que perderam ECC durante o período seco foram mais propensas a receber terapia suporte, bem como tratamentos com antibióticos e anti-inflamatórios no pós-parto. Em resumo, vacas que ganharam ou mantiveram o ECC durante o período seco foram mais saudáveis do que aquelas que perderam ECC.
As vacas que ganharam ECC durante o período seco apresentaram maiores produções de leite, gordura e proteína no leite do que aquelas que mantiveram ou perderam ECC (Tabela 3). Este fato sugere que as vacas que ganharam ECC durante o período seco foram capazes de lidar com as demandas de início da lactação de forma mais eficiente. As exigências nutricionais de vacas gestantes aumentam significativamente nas últimas semanas que antecedem o parto, enquanto que, a ingestão de matéria seca diminui. Possivelmente as vacas que ganharam ECC durante os últimos 60 dias de gestação tiveram um balanço energético mais positivo, o que pode ter resultado em maior disponibilidade de energia para suprir as exigências produtivas no período pós-parto.
O estudo também afirma haver uma associação entre ΔECC e escore de células somáticas, reforçando a hipótese de que vacas que perderam ECC durante o período seco podem ter um comprometimento da imunidade inata, com prejuízo na capacidade de combate a infecções já existentes e prevenção contra novos focos de microrganismos. A redução da ingestão de matéria seca está associada com a aumento das concentrações de ácidos graxos não esterificados (AGNE) no plasma e redução da atividade de neutrófilos.
Tabela 3. Associação entre a ΔECC e os parâmetros produtivos descrito por Chebel et al. (2018).
No estudo, a ΔECC foi associada com a probabilidade de prenhez no pós-parto. Vacas que ganharam ECC durante o período seco foram menos propensas a perder a gestação entre 35 e 67 dias após a primeira e segunda IA pós-parto. A ocorrência de disfunções, tais como, distocia e doenças uterinas estão associadas com um período mais longo de anestro, consequentemente reduzindo a taxa de gestação por IA e aumentando as perdas embrionárias.
É importante salientar que o ganho de escore obtido pelos animas desse trabalho no período seco foi de pequena magnitude, no sentido de ajustar o escore em torno de 3,5 das vacas que se encontravam com escore relativamente baixo no momento da secagem. Dessa forma o presente estudo mostra que animais secos com escore inferior ao ideal podem se beneficiar de pequenos ajustes na condição corporal no momento do parto, através de ganhos modestos de condição corporal, que levam a menores riscos de doenças e melhor resposta produtiva e reprodutiva.
No entanto quando as vacas são secas acima do escore ideal, permitir a perda de peso para que o animal se aproxime do escore de 3,5 parece ser uma estratégia errônea, uma vez que a perda de ECC durante o período seco foi associado com desordens e redução do desempenho produtivo e reprodutivo após o parto, principalmente quando nesta fase ocorrem perdas excessivas. Estes achados são importantes pois reforçam a percepção de que uma lactação bem-sucedida começa antes e durante o período seco, e que a possibilidade de ajuste do escore no período seco é limitada no sentido de promover pequeno ganho de condição corporal nessa fase.
O fator que mais explica a mudança no ECC é exatamente o escore no momento da secagem! Vacas que secam gordas têm maior tendência de perderem escore e se aproximarem do escore ideal ao parto. Por outro lado, vacas que secam magras demais têm maior tendência de ganharem escore e novamente se aproximarem do escore ideal ao parto. É como se vacas da raça Holandesa fossem geneticamente programadas para convergirem para um ECC de 3,25-3,50 ao parto. Assim, entre os dois extremos possíveis, uma vaca seca magra demais ou uma gorda demais, sem dúvida a pior opção é que ela venha a secar gorda demais!
Segundo Vallimont et al. (2010), a herdabilidade do ECC é moderada (h2=0,26), confirmando a hipótese que vacas Holandesas são programadas para estar sob determinados intervalos de ECC em diferentes estádios da gestação e lactação.
Como recomendação final, para prevenir que vacas cheguem gordas à secagem, recomendamos a mais rápida reconcepção possível, que o rebanho adote dietas específicas para lotes de acordo com a produção (dietas únicas engordam vacas!) e que nas dietas de vacas de baixa produção, no terço final de suas lactações, os teores dietéticos de amido sejam baixos (altos teores de amido na dieta engordam vacas!).
Referências bibliográficas
Chebel, R.C., Mendonça, L.G.D., Baruselli, P.S. 2018. Association between body condition score change during the dry period and postpartum health and performance. Journal of Dairy Science, v.101, p.4595-4614.
Edmonson, A. J., Lean, I. J., Weaver, L. D., Farver, T., Webster, G. 1989. A body condition scoring chart for Holstein dairy cows. Journal of Dairy Science, v.72, p.68-78.
Ferguson, J. D., Galligan, D. T., Thomsen, N. 1994. Principal descriptors of body condition score in Holstein cows. Journal of Dairy Science, v.77, p.2695-2703.
Roche, J. R., Friggens, N. C., Kay, J. K., Fisher, M. W., Stafford, K. J., Berry, D. P. 2009. Invited review: Body condition score and its association with dairy cow productivity, health, and welfare. Journal of Dairy Science, v.92, p.5769-5801.
Vallimont, J. E., Dechow, C. D., Daubert, J. M., Dekleva, M. W., Blum, J. W., Barlieb, C. M., Baumrucker, C. R. 2010. Genetic parameters of feed intake, production, body weight, body condition score, and selected type traits of Holstein cows in commercial tie-stall barns. Journal of Dairy Science, v.93, p.4892-4901.
Wildman, E. E., Jones, G. M., Wagner, P. E., Boman, R. L., Troutt, H. F., Lesch, T. N. 1982. A dairy cow body condition scoring system and its relationship to selected production characteristics. Journal of Dairy Science, v.65, p.495-501.