O Brasil, em comparação com outros países e com os principais produtores de commodities agropecuárias, tem uma condição de conforto hídrico, mas que não é infinita e cuja manutenção depende das ações de hoje para garantir as produções de amanhã.
Em 01/06/2021, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) publicou a Declaração de Situação Crítica de Escassez Quantitativa de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraná. Esta bacia abrange porções dos territórios dos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás, além do Distrito Federal. Portanto, grande parte da produção de alimentos no Brasil se dá nesta região hidrográfica, bem como se localizam grandes centros urbano e industrial.
Segundo o comunicado da ANA, até o momento, não há necessidade de restrições para consumo de água, como a irrigação e o abastecimento animal. Mas estamos iniciando o período das secas e esse panorama pode mudar. Lembrem-se do ocorrido na seca de 2014/2015 em partes da região sudeste onde o consumo para irrigação foi restringido.
Aqui como lá a situação é semelhante. O governo da Califórnia, maior estado americano produtor de alimentos, emitiu comunicados de seca para 41 dos 58 municípios do estado. As pessoas estão sendo solicitadas a conservar água. As autoridades federais e estaduais também reduziram os volumes outorgados anuais de água para fazendeiros e cidades.
Eventos de seca intensas, distribuição de chuvas fora do padrão histórico e necessidades de consumo de água maiores que a oferta serão cada vez mais frequentes em nosso país e no mundo. Isso é resultado de vários fatores que contribuem isoladamente ou em conjunto, como:
Aquecimento Global
- Os níveis de dióxido de carbono na atmosfera são os mais altos dos últimos 650.000 anos.
- Os 19 anos mais quentes ocorreram após o ano 2000.
- As emissões de gases do efeito estufa da pecuária leiteira representam cerca de 2,2% das emissões globais.
- As projeções climáticas sugerem que muitas regiões do mundo irão vivenciar secas mais frequentes e severas.
Desmatamento
- Em maio de 2021 foram detectados 1.125 km² de desmatamento no período, maior saldo da série histórica para o mês dos últimos 10 anos.
- Os rios voadores são “cursos de água atmosféricos” formados por massas de ar carregadas de vapor de água. Essas correntes de ar invisíveis carregam umidade da Bacia Amazônica para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.
- Todas as previsões indicam alterações importantes no clima da América do Sul em decorrência da substituição de florestas por agricultura ou pastos.
- Uma árvore na região amazônica com copa de 20 metros de diâmetro pode evapotranspirar mais de 1.000 litros por dia.
Estar hidricamente preparados
O conceito de “hidricamente preparado” insere:
- Reconhecemos a água como um recurso natural finito, como tal deve ser manejado utilizando-se de todas as práticas e tecnologias que promovam a eficiência de uso;
- Entendemos que a água é um fator de abrangência local, disponível em uma bacia hidrográfica, e que na gestão do recurso compatibiliza-se a disponibilidade com as diversas demandas;
- Dispomos de conhecimentos e/ou capacitação técnica para manejar a água em um sistema de produção animal em suas três dimensões: alimento, insumo e recurso natural;
- Decidimos considerando todos os aspectos produtivos e econômicos, bem como os hídricos e outros ambientais a fim de promover sistemas de produção viáveis nas dimensões ambiental, social e econômica.
Acredito que estejamos parcialmente “preparados hidricamente”, pois dentro do Reconhecer, Entender, Dispor e Decidir (REDD) ainda há muitas coisas que não estamos praticando como por exemplo medir o consumo de água dos sistemas de produção. Como podemos manejar algo que não medimos?
A internalização do Reconhecer, Entender, Dispor e Decidir fará com que tenhamos dados e informações, que organizados e analisados, gerarão conhecimentos e respostas, possibilitando que mostremos para sociedade que podemos produzir proteína animal com eficiência hídrica e conservação dos recursos naturais.
Cabe ressaltar que se somente um ator ou alguns atores da cadeia de produção internalizarem o REDD no seu dia-a-dia os avanços hídricos serão mais lentos, demandando mais tempo e esforço. Grandes avanços ocorrerão se todos os atores, de fornecedores de insumos, passando por produtores e suas associações, até agroindústrias e distribuidores de produtos internalizarem o REDD. Com isso, mais rapidamente teremos respostas para sociedade, promovendo uma convivência ambientalmente melhor.
A água na produção animal brasileira ainda é pouco manejada. Essa situação mescla questões técnicas, como a falta de conhecimento de produtores e de profissionais agropecuários do que seja manejo hídrico na produção animal, com questões culturais, como a sensação de que o recurso é abundante a barato. Para os seres humanos, o que é abundante e barato não é manejado nem cuidado.
Para avançarmos em estar hidricamente melhor preparados o primeiro passo é promover o Manejo Hídrico de nossos sistemas de produção animal. Define-se este manejo como:
- Manejo Hídrico na Produção Animal é o uso cotidiano de práticas e tecnologias que conservem a água em quantidade e com qualidade.
- A internalização do Manejo Hídrico no dia-a-dia da atividade pecuária contribuirá para termos maior Eficiência Hídrica de nossos produtos de origem animal.
As vantagens em sermos hidricamente mais eficientes são:
- Facilitação dos processos de outorga de uso da água;
- Menor valor a ser pago pela cobrança do uso da água e menor custo da água (consumo de energia, manutenção de sistema de armazenamento e distribuição);
- Facilitação da obtenção e manutenção da licença ambiental;
- Subsidiar Planos de Bacia dos Comitês de Bacia Hidrográfica;
- Possibilidade de monitorar indicadores de desempenho hídrico (estes podem ser relacionados a todos os outros indicadores zootécnicos);
- Propor ações de prevenção e mitigação, visando a conservação dos recursos hídricos e ambientais;
- Simplificar e baratear o manejo de resíduos da atividade (volume de resíduos líquidos);
- Melhorar a imagem reputacional do setor junto a sociedade e ter informações para dialogar com qualquer perfil de consumidor e de mercado.
Quantos mais eventos de secas ou decretos de emergência hídrica serão necessários para mudar nossa relação com a água na produção animal? Espero que mais nenhum. Já tivemos lições suficientes para saber o quanto dependemos da água para produzir proteína animal em quantidade e com qualidade.
O futuro será hidricamente mais desafiador para produção animal brasileira. O quão grande será esse desafio, depende de nossas atitudes agora. Se internalizarmos o manejo hídrico em nossos sistemas de produção e promovemos a eficiência hídrica de nossos produtos, superaremos o desafio de forma tranquila.
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Bibliografia
ANA declara situação crítica de escassez quantitativa dos recursos hídricos da Região Hidrográfica do Paraná. https://www.gov.br/ana/pt-br/assuntos/noticias-e-eventos/noticias/ana-declara-situacao-de-escassez-quantitativa-dos-recursos-hidricos-da-regiao-hidrografica-do-parana
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Carbon neutral dairy farming in 2050 is possible. https://www.linkedin.com/pulse/carbon-neutral-dairy-farming-2050-possible-ifcn/?trackingId=Wc%2FneN3KwENu2yi%2FwicVOg%3D%3D
Desmatamento na Amazônia foi o maior em 10 anos pelo terceiro mês consecutivo. https://revistagloborural.globo.com/Um-So-Planeta/noticia/2021/06/desmatamento-na-amazonia-foi-o-maior-em-10-anos-pelo-terceiro-mes-consecutivo.html
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PALHARES, J. C. P.. A experiência brasileira no manejo hídrico das produções animais. In: PALHARES, J. C. P. (Org.). Produção animal e recursos hídricos volume 1. 1ed.São Carlos: Cubo, 2016, v. 1, p. 11-32. https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1048070/producao-animal-e-recursos-hidricos
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