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E se a água acabar?

JULIO CESAR PASCALE PALHARES

EM 22/03/2023

9 MIN DE LEITURA

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"A água de boa qualidade é como a saúde e a liberdade: só tem valor quando acaba." - Guimarães Rosa.

Peço licença ao mestre Guimarães Rosa para fazer um adendo à frase. Não só “água de boa qualidade”, mas também água em quantidade: só damos valor a ela quando acaba.

Água, recurso natural tão importante que representa mais de 70% do corpo dos animais e da proteína animal que consumimos; o leite tem em torno de 87% de água. Com toda essa relevância a pergunta é: a água vai acabar?

Podemos responder a este pergunta de várias formas. A resposta no atacado, ou seja, tendo o planeta Terra como referencial. A resposta seria: a água NÃO vai acabar. Todos aprenderam quando criança sobre o ciclo da água (Figura 1). Para relembrar: a água evapora da superfície do planeta, o vapor de água forma as nuvens e a água retorna na forma de chuva. Este ciclo não cessa nunca. Portanto, poderíamos dizer que a água não vai acabar.

Figura 1. Ciclo da Água no planeta Terra.

ciclo da água
Fonte: Brasil Escola.
 

A resposta no varejo. Aqui o referencial é uma região, local, bacia hidrográfica, ou até mesmo a propriedade rural. A resposta seria SIM, a água pode acabar.

Inúmeros são os exemplos de locais no mundo onde a água já acabou. Um caso histórico é o da Califórnia, maior produtor de alimentos dos Estados Unidos. O estado enfrenta anos consecutivos de seca. Por isso depende cada vez mais de uma quantidade cada vez menor de água subterrânea. A busca por água subterrânea tem causado descontrole na perfuração de poços e de bombeamento excessivo de água sem respeitar os limites ambientais. Muitos poços estão contaminados e o chão começou a afundar, cerca de 30 cm por ano em algumas localidades.

Devido a esta situação, muitos defendem a redução do tamanho das fazendas leiteiras e dos rebanhos de animais. A sociedade questiona: como uma única atividade, a agropecuária, pode prejudicar o acesso de todos a água?

No Brasil, 1.764 conflitos pelo uso da água foram registrados entre 2009 e 2019 (Peixoto et al., 2022). Em, praticamente, todos os estados brasileiros ocorreram conflitos em maior ou menor número. No ano de 2019 houve um aumento de 74% no número de conflitos. O conflito de maior visibilidade e intensidade ocorreu em Correntina, no oeste da Bahia, em 2017 entre a população e grandes irrigantes.

Figura 2. Mobilização popular na cidade de Correntina-BA pelo direito de uso da água.

conflitos pela agua
Fonte: Guerra das águas - Outras palavras. 
 

Acompanhamos, nos últimos meses, o drama dos agricultores(as) gaúchos(as) pela falta de água, 326 municípios gaúchos já decretaram situação de emergência, 65% do total de municípios. A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul estima que as perdas na agricultura e pecuária passem dos R$ 12 bilhões. Produtores(as) fazem deslocamentos imensos para conseguir abastecer os bebedouros dos animais, que sofrem pelo pasto degradado e não conseguem se alimentar.

Figura 3. Perdas na lavoura de milho no Rio Grande do Sul

milho seco
Foto: Leandro Correia Ebert.


Nunca podemos esquecer que a água é um fator local, ou seja, podemos viver no planeta água e num dos países mais ricos em disponibilidade hídrica do mundo, como é o Brasil. Mas para produzimos alimentos precisamos ter água disponível em quantidade e com qualidade no local de produção. Caso contrário, a produção será limitada pela reduzida oferta hídrica, podendo até mesmo a atividade agropecuária ser inviabilizada pela falta de água.

Então sim, a água pode acabar! Como já tem ocorrido em várias regiões do Brasil e do mundo. Não há como produzir alimentos sem água!

Existem três situações que determinam a situação de escassez hídrica:

  • Escassez física de água - ocorre quando a disponibilidade hídrica da região ou local é insuficiente para atender a todas as demandas, incluindo as demandas da fauna e da flora. Exemplo deste tipo de escassez é o que está ocorrendo no estado do Rio Grande do Sul. Devido à falta de chuvas, as fontes de água superficiais e subterrâneas não são recarregadas, mas demandas continuam as mesmas.
     
  • Escassez econômica de água – as pessoas não têm acesso devido à falta de infraestrutura para captar a água ou à incapacidade financeira para pagar pela água. Muitas vezes a escassez econômica está relacionada à escassez física. É muito comum a pessoa estar em uma região de escassez física e não ter dinheiro para pagar pelo abastecimento servido por uma empresa. Por isso a importância, em momentos de emergência hídrica, os governos garantirem o fornecimento de água à população.
     
  • Escassez de qualidade da água – nesta situação a água está disponível em quantidade, mas sem a qualidade necessária para determinado uso. Pode-se tratar a água, mas muitas vezes, o nível de tratamento necessário não é economicamente viável ou não há disponibilidade de mão-de-obra com a capacitação técnica necessária. Hoje já é comum produtores fazerem a cloração da água que consomem e da servida aos animais. A cloração é uma forma de tratamento para eliminação de microrganismos indesejáveis. É um processo simples, barato a eficiente. Mas se a água apresenta altas concentrações de elementos químicos como o nitrato, tóxico para humanos e animais, a cloração não é eficaz e o tipo de tratamento necessário é de alto custo e demanda capacitação técnica. Para se evitar elevadas concentrações de nitrato nas águas da propriedade deve-se fazer o uso correto dos fertilizantes químicos e orgânicos. Fertilizantes em excesso irão depreciar a qualidade química das águas.

Eventos de escassez hídrica serão cada vez mais frequentes e intensos. Vários são os motivos para que isso ocorra como a má gestão dos recursos hídricos pelos atores públicos e privados, a falta de saneamento urbano e rural e os impactos das mudanças climáticas na disponibilidade hídrica.

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (Caretta et al., 2022) no capítulo que trata sobre a água, traz as seguintes informações:

  •  As mudanças climáticas, o uso da terra e poluição são os principais promotores da degradação dos recursos hídricos;
  • Atualmente, estima-se que cerca da metade da população mundial vivencie eventos de escassez hídrica durante, ao menos, uma época do ano devido a fatores climáticos e não climáticos;
  • A mudança climática tem contribuído para o aumento da probabilidade e da gravidade de eventos de secas em muitas regiões. Entre 1970 e 2019, 7% de todos os eventos de desastres ambientais em todo o mundo estiveram relacionados à seca;
  • Entre 3 a 4 bilhões de pessoas devem ser expostas à escassez física de água se a temperatura da Terra aumentar entre 2°C e 4°C;
  • Na América do Sul, as secas agrícolas serão de 150 a 200% mais prováveis a 2°C de aquecimento. Os riscos para as produtividades agrícolas podem ser três vezes maior a 3°C em comparação com 2°C de aquecimento global.
     

A pergunta que fica é: como minimizar todos esses impactos negativos que a falta de água pode provocar na produtividade da agropecuária?

A resposta não é vamos esperar um milagre! O milagre nunca chegará. Tão pouco a resposta não está com os políticos. Achar que os governos resolverão os problemas de escassez hídrica somente com programas e/o linhas de crédito é acreditar em algo muito fácil. Mas a realidade e o futuro que se apresenta não são fáceis. Por isso todos(as) devem ser parte da solução.

No caso da produção animal ser parte da solução significa fazer com que todos os manejos, práticas e tecnologias utilizadas na fazenda sejam hidroeficientes. Mas o que seria uma fazenda hidroeficiente?
 

O que é uma fazenda hidroeficiente? 

fazenda hidroeficiente
 

Para se ter hidroeficiência na pecuária leiteira, os pontos a se considerar:

  • Que todos os consumos de água (ex. bebida dos animais, lavagem de equipamentos e instalações, irrigação, residências, etc.) tenham hidrômetros instalados e se faça o monitoramento dos consumos;
     

Figura 4. Hidrômetro para medição do consumo na sala de ordenha.

hidrometro
Foto: Julio Cesar P. Palhares.
 

  •  Que os indicadores de eficiência litros de água/vaca em lactação/dia e litros de água/litros de leite/dia sejam utilizados na avaliação do desempenho hídrico da fazenda e na proposição de boas práticas hídricas;
     
  • Que todas as dietas servidas aos animais atendam suas necessidades físicas e nutricionais e, por consequência, não promovam excessivos consumo de água e excreção de nutrientes pelas fezes e urina;
     
  •  Que as necessidades de bem-estar e conforto térmico dos animais sejam atendidas para que o consumo de água de bebida não seja além do necessário. Quando se utilizar a água como vetor para o resfriamento do ambiente, a prática deve ser feita respeitando-se as recomendações técnicas para que não haja desperdício de água;
     

Figura 5. Sistemas de controle da temperatura que envolve o uso da água são cada vez mais comuns em galpões e/ou na sala de ordenha. O uso do sistema não pode significar gasto excessivo de água.

agua
Foto: Julio Cesar P. Palhares.
 

  • A fazenda deve ter um programa de checagem rotineira de eventos de vazamento de água, e, quando identificados, deve-se promover o imediato reparo;
     

Figura 6. Animais danificam a boia do bebedouro e a água começa a vazar. Deve haver uma checagem rotineira dos bebedouros para que o desperdício de água seja o mínimo possível.

animal bebendo agua
Foto: Julio Cesar P. Palhares.
 

  • Que as fontes de água superficiais e subterrâneas estejam identificadas e sejam protegidas de acordo com a lei e com as recomendações técnicas;
     
  • Que se tenha estrutura para captação das águas da chuva dos telhados e seu armazenamento em cisternas;

Figura 7. Coleta de água da chuva para lavagem do piso do galpão.

coleta de agua da chuvaFoto: Julio Cesar P. Palhares.
 

  • Que sejam utilizadas práticas de conservação do solo que melhorem sua estrutura e diversidade de organismos, bem como promovam maior retenção de água no solo;
     
  • Que os resíduos orgânicos da fazenda (ex. dejetos, águas de lavagem, fezes, urina, etc.) sejam coletados, armazenados e tratados para disposição no meio ambiente de acordo com os padrões da lei e com os limites ambientais da fazenda;

Figura 8. Sistema de lagoas para armazenamento dos dejetos.

lagoa de dejetosFoto: Julio Cesar P. Palhares.

  • Que se utilizem os fertilizantes químicos e orgânicos considerando a análise de fertilidade do solo e a recomendação agronômica da cultura. No caso dos orgânicos, deve-se fazer a análise das concentrações de nitrogênio, fosforo e potássio do resíduo para a correta utilização;
     
  • Que todos os envolvidos nas atividades da fazenda tenham conhecimento e capacitação constante para o correto manejo ambiental da fazenda;
     
  • Que a fazenda cumpra com todas as obrigações da legislação ambiental, ex. possuir a outorga de uso da água.

Cada vez mais o manejo hídrico será importante e estará presente no dia-a-dia da atividade leiteira, porque os eventos climáticos serão mais intensos e constantes, a qualidade da água estará mais ameaçada e a água terá maior custo.

          Cuidar da água hoje é garantir a produção leiteira de amanhã. Cabe a nós decidir se haverá o amanhã!

 

Literatura Citada

Caretta, M.A. et al. 2022: Water. In: Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Pörtner, D.C. et al. Cambridge University Press, Cambridge, UK and New York, NY, USA, pp. 551–712. doi:10.1017/9781009325844.006

Peixoto, F. da S., Soares, J. A., & Ribeiro, V. S.. (2022). Conflicts over water in Brazil. Sociedade & Natureza, 34(Soc. nat., 2022 34), e59410. https://doi.org/10.14393/SN-v34-2022-59410

 

JULIO CESAR PASCALE PALHARES

Pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste

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