Confira o vídeo com um resumo sobre o assunto:
Você já ouviu falar em outorga de uso da água? Apesar da outorga ter sido instituída no país há mais de 20 anos, muitos produtores e profissionais agropecuários desconhecem o que isso significa e o que deve ser feito para obtê-la. Toda propriedade leiteira deve possuir a outorga de uso da água a não ser nos casos em que o Estado dispensa o usuário. A outorga não dá ao produtor de leite a propriedade de água, mas, sim, o direito de seu uso.
A Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída em 1997, traz como um de seus instrumentos de gestão a outorga de direito de uso da água. De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA) esse instrumento tem como objetivo assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água. É pela outorga que o Estado exerce, efetivamente, o domínio das águas preconizado pela constituição federal, regulando o compartilhamento do recurso entre os diversos usuários.
Por definição, a outorga é o ato pelo qual o órgão outorgante se manifesta sobre a implantação de empreendimento, obras e serviços. Todo usuário que fizer uso ou interferência nos recursos hídricos necessita solicitar a outorga para:
- implantação de qualquer empreendimento que demande a utilização de recursos hídricos (superficiais ou subterrâneos);
- execução de obras ou serviços que possam alterar o regime (barramentos, canalizações, travessias, proteção de leito, etc.);
- execução de obras de captação de águas subterrâneas (poços profundos);
- lançamento de efluentes nos corpos hídricos.
No caso de corpos hídricos de domínio da União, a ANA é o órgão outorgante. Em corpos hídricos de domínio dos Estados e do Distrito Federal, a solicitação de outorga deve ser feita ao órgão estadual de recursos hídricos.
Pode ser concedida a Outorga Prévia que tem a finalidade de declarar a disponibilidade de água para o uso requerido, não conferindo o direito de uso, se destinando a reservar a vazão passível de outorga. A Outorga de Direito dá ao outorgado o direito de uso.
O órgão outorgante confere o direito ao outorgado de fazer uso da água por determinado tempo, finalidade e condição expressa na outorga. O prazo de validade varia entre os Estados, com um mínimo de 3 anos e máximo de 10. Caso seja feita qualquer alteração na condição originalmente prevista, deve ser feito um novo pedido ao órgão outorgante. É possível que se faça a transferência de titularidade desde que mantidas as condições originais estipuladas no ato de outorga.
A outorga para o lançamento de efluentes nos corpos hídricos não será uma necessidade para a grande maioria das propriedades leiteiras. A situação comum nas propriedades é o uso do efluente como fertilizante. Essa prática não demanda uma outorga. O uso do efluente como fertilizante é regulado por outras legislações que abordaremos em textos futuros. Para se lançar um efluente num corpo hídrico é preciso que este passe por um sistema de tratamento. Estes sistemas não fazem parte da realidade das propriedades leiteiras brasileiras. Mesmo o efluente que sai de um biodigestor, que é um sistema de tratamento, não pode ser lançado num corpo d’água por não ter o padrão de qualidade determinado pela legislação ambiental.
Vamos pegar uma situação presente para demonstrar a importância de ter a outorga, a seca que impacta a região Sul do país. Há vários dias lemos notícias de produtores sulistas que estão perdendo animais por falta de água ou contratando caminhões pipa diariamente para dessedentar os animais. Esse é mais um capítulo de uma velha história. No último dia 25/05/20, o Movimento Construindo Leite Brasil divulgou manifesto no qual pede apoio as estâncias governamentais. Entre as justificativas para tal apoio estão os problemas climáticos – como a seca no Sul do país. Em situações de escassez hídrica é comum o órgão outorgante parar a análise de todos os processos de outorga enquanto a situação durar, ou seja, se o produtor depende da outorga para aprovar um financiamento, não vai conseguir. Em situações de escassez mais graves pode ocorrer fiscalizações a campo e o produtor que não tiver a outorga pode ter sua captação interrompida.
Muitos produtores já me perguntaram se devem ou não tirar a outorga, já que na região dele isso nunca foi cobrado. Sempre recomendo que sim. Ela é uma segurança para você ter a água que precisa para manter sua produção. Como a outorga é um instrumento de gestão do Estado, se o produtor for um dos últimos a pedir em sua região, pode não ser aprovada a quantidade de água que ele pediu, porque a região já está próxima do seu limite hídrico. Neste caso, o produtor teria que reduzir a produção de leite ou implementar práticas e manejos para produzir a mesma quantidade de leite com menos água. Isso é possível!
Para algumas propriedades a outorga não será necessária devido ao volume de água captado estar abaixo do que determina a lei estadual. Neste caso o produtor fica obrigado a requerer ao órgão outorgante a permissão/dispensa de outorga. Na Tabela 1 apresentam-se os volumes de água captado que, por seu pequeno impacto, são considerados insignificantes e dispensam a outorga.
Tabela 1. Volumes dispensados de outorga pelo órgão outorgante em alguns Estados.
O órgão avaliará o pedido de dispensa e pode negá-lo, mesmo estando o volume abaixo do determinado por lei. Isso ocorre porque mesmo uma baixa captação de água pode ser significativa se a propriedade estiver localizada em uma região que já apresenta escassez hídrica e conflitos pelo uso da água. Para tomar essa decisão o órgão considera alguns aspectos como: a localização da propriedade, a criticidade hídrica da bacia hidrográfica ou outras situações significativas para a gestão dos recursos hídricos.
Na Tabela 2 observam-se os custos do processo de outorga em alguns estados brasileiros. A diferença entre os Estados é esperada porque cada um tem independência para determinar o valor do processo. Cada Estado possui realidades territorial, estrutural e regulatória diferenciadas as quais irão refletir no custo do processo. Geralmente, o Estado considera para determinar esse valor o número de técnicos envolvidos e as horas trabalhadas por cada técnico, bem como despesas de deslocamento (visitas a propriedade), etc. Isso explica porque o custo do processo de outorga no Estado de Mato Grosso é tão diferente dos outros Estados. Por ser um Estado com maior dificuldade de vias de acesso as propriedades, isso impacta o custo por se gastar mais tempo dos técnicos para avaliação do processo. Outro aspecto que pode impactar o custo é se o Estado já tem uma situação de escassez hídrica e conflitos pelo uso da água.
Tabela 2. Valor a ser pago para solicitação de outorga em alguns Estados.
* Todos os valores atualizados para maio de 2020
A outorga de uso da água não deve ser vista somente como mais uma obrigação da lei que os produtores tem que cumprir. Ela é um instrumento que garante ao produtor o direito de uso da água. Sabemos que sem água não existe produção de leite. Imagine se todos consumirem água sem controle, sem saber quanto estão consumindo e consumindo numa velocidade maior do que a natureza consegue repor a água nas fontes superficiais e subterrâneas. Vai faltar água para todos! Vai parar a produção de leite! Ter a outorga de uso da água é saber quanto seu sistema de produção demanda de água por dia, é poder ter práticas que melhorem a eficiência hídrica do produto leite.
Mas quanto de água consome por dia uma vaca em lactação ou uma vaca seca? Quanto de água eu uso para lavar a área da ordenha? As respostas a estas perguntas são fundamentais para se ter uma outorga. No próximo texto, teremos as respostas. Até lá!
Bibliografia Consultada
BRASIL Agência Nacional de Águas. Manual de procedimentos técnicos e administrativos de outorga de direito de uso de recursos hídricos 2013. Agência Nacional de Águas: Brasília. 2013.
Acesse aqui as demais matérias da série Licenciamento Ambiental da Bovinocultura no Brasil.
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