Para facilitar a leitura e o entendimento dos conceitos, decidimos dividir este texto em duas partes (Parte 1 e 2). Na primeira parte iremos discutir os conceitos introdutórios, e na segunda serão apresentados os principais resultados científicos das pesquisas mais recentes e alguns pontos importantes que podemos considerar para tentar implantar algumas destas estratégias no Brasil.
Antes de iniciar a parte 1, segue um resumo dos principais pontos que revisamos na literatura e que serão discutidos mais claramente ao longo dos dois textos que exibiremos aqui:
Resumo e pontos chaves
- Os resultados científicos não demonstram evidências de que a suplementação com Lis pode apresentar algum ganho no desempenho produtivo de vacas leiteiras, desde que a dieta “basal” atenda as exigências de proteína metabolizável.
- Os efeitos da suplementação com Met protegida sobre o desempenho produtivo das vacas são modestos ou inexistentes quando a dieta basal atende a exigência de proteína metabolizável durante o terço médio de lactação. Porém, a suplementação com Met neste período apresenta potencial para aumento dos sólidos do leite (gordura e proteína). Os efeitos da Met sobre a produção e composição do leite podem depender do nível produtivo das vacas e das fontes e qualidade dos alimentos utilizados na dieta.
- Os efeitos positivos da suplementação com Met protegida sobre o desempenho produtivo das vacas são mais evidentes durante o período de transição, uma vez que estudos mostraram que a suplementação com Met durante este período pode aumentar a produção de leite em até 4 litros/vaca/dia. Adicionalmente, a suplementação com Met durante o período de transição apresentou evidências de que pode reduzir as perdas embrionárias, contribuindo para a manutenção da gestação e eficiência reprodutiva do rebanho.
- Em dietas deficientes em proteína metabolizável, a suplementação com os aminoácidos protegidos Lis, Met e His, sobretudo estes dois últimos, aumenta a produção de leite e os teores de gordura e proteína do leite. Portanto, reduzir o teor de proteína da dieta e utilizar suplementação com aminoácidos pode ser uma estratégia de aumentar a eficiência de uso do nitrogênio da dieta e reduzir custos, mas esta estratégia deve ser avaliada em cada condição de manejo e custos de cada sistema.
- Estudos mostraram que a His é um dos principais limitantes para o desempenho produtivo de vacas leiteiras, e em determinadas condições pode até ser limitante antes mesmo do que a Met. Estes estudos comprovaram que a suplementação com His protegida pode aumentar o consumo e o desempenho produtivo das vacas.
Parte 1
Apesar do tema balanceamento de proteína em dietas de vacas leiteiras não ser um tema “novo” na formulação de rações, ainda é o foco de muitas pesquisas que objetivam propor sistemas de formulação proteica mais eficientes no uso do nitrogênio (N) dietético, bem como atender à exigência adicional de alguns aminoácidos específicos para vacas de alta produção.
Os aminoácidos são os componentes básicos da proteína que são utilizados pelos animais para seu desenvolvimento, produção e demais necessidades. Estima-se que 20 aminoácidos compõem as proteínas no organismo animal, porém, apenas uma parte deles é considerada essencial, ou seja, o metabolismo do animal não consegue produzi-la (precisa ser ingerida pela alimentação).
Desta forma, quando o fornecimento de algum destes aminoácidos é insuficiente na dieta basal para atender à exigência, o mesmo torna-se limitante para os processos produtivos dos animais. Este conceito é conhecido como teoria do “barril” cheio de água, em que a água (representando a produção do animal) será mantida no nível em que se encontrar a “tábua” mais curta (aminoácido limitante).
Considerando que a maior parte dos aminoácidos absorvidos no intestino dos ruminantes podem vir dos microrganismos do rúmen, a suplementação com aminoácidos para ruminantes de forma geral não se fez necessária, uma vez que a proteína microbiana é a fonte de aminoácidos com melhor valor biológico (que mais se assemelha a exigência do animal) para os ruminantes, entre os ingredientes disponíveis no Brasil.
As atuais formulações de rações para vacas leiteiras se baseiam na exigência e suprimento de proteína metabolizável, que é estimada pelo total de proteína microbiana digestível produzida, mais a proteína digestível da dieta que não foi degradada no rúmen (proteína não degradável no rúmen digestível –PDNRd), e uma pequena porção de proteínas “endógenas” do sistema digestório do animal. Portanto, para atender à exigência de todos aminoácidos pelo suprimento de proteína metabolizável, alguns aminoácidos irão exceder a exigência para que seja atendida um mínimo exigido para alguns outros aminoácidos em menor presença na dieta ou na proteína metabolizável, em relação a exigência do animal (Figura 1).
Figura 1 – Exemplo do suprimento de aminoácidos pela proteína metabolizável de acordo com a exigência nutricional de cada aminoácido.
Porém, alguns estudos mostraram que mesmo em dietas que atendem a exigência de proteína metabolizável de vacas leiteiras, a suplementação com alguns aminoácidos, Met e His, podem trazer alguns efeitos positivos sobre o desempenho produtivo, saúde e reprodução de vacas leiteiras, uma vez que estes aminoácidos ainda seriam limitantes nas tradicionais dietas utilizadas. O uso de aminoácidos protegidos, especialmente Met, já é bastante comum em outros países, e no Brasil recentemente temos observado que esta prática tem aumentado, com resultados bastante variados entre fazendas, o que nos motivou a escrever este texto.
Adicionalmente, com o objetivo de tornar o uso do nitrogênio dietético mais eficiente, de modo a reduzir o impacto ambiental das excreções e com potencial redução de custos do sistema, pesquisas também foram desenvolvidas nos últimos anos para reduzir o teor de proteína da dieta e suplementar apenas com alguns aminoácidos, como Met e His, que poderiam limitar a produção de leite com esta redução da proteína.
Para exemplificar, novamente podemos citar a teoria do barril, que poderíamos reduzir o tamanho das tábuas excedentes (aminoácidos excedentes a exigência), e suprir apenas os aminoácidos que estão sendo limitantes (aumentar o tamanho apenas das “tábuas” que estavam mais curta no barril), aumentando a eficiência do “barril” (Figura 2).
Figura 2 – Exemplo de adequação do suprimento de aminoácidos, pela redução do total de proteína metabolizável fornecida e suplementação com aminoácidos limitantes, Met e His.
Já existe uma série de pesquisas para vacas leiteiras com suplementação dos principais potenciais aminoácidos limitantes para vacas leiteiras, Lis, Met e His. Obviamente, estas suplementações na dieta ocorrem na forma protegida da degradação ruminal – “aminoácido protegido”. Os estudos com suplementação de aminoácidos protegidos foram conduzidos principalmente de três formas e cada uma delas e seus resultados encontrados serão discutidos na segunda parte deste texto:
1) Suplementação em estágio médio de lactação e com adequado fornecimento de proteína metabolizável (ou seja, além de atender à exigência de proteína metabolizável do animal estabelecida pelo NRC, 2001, também ocorre a suplementação com o aminoácido).
2) Suplementação em estágio médio de lactação, porém com redução no fornecimento de proteína metabolizável. O fornecimento de proteína metabolizável é menor do que a exigência estabelecida pelo NRC, 2001 (balanço negativo de proteína metabolizável).
3) Suplementação com aminoácidos durante o período de transição. O período de transição é conhecido principalmente pelas vacas que entraram em balanço negativo de energia e, também, de proteína. Neste último caso, poderiam ocorrer deficiências de alguns aminoácidos específicos.