Analisando a reprodução da fazenda
O principal indicador para avaliar a reprodução dos animais de uma fazenda é a porcentagem de matrizes vazias com mais de 125 dias pós-parto. Esse indicador está correlacionado com o que vem acontecendo na fazenda em termos de reprodução, e serve como base para analisar se algo precisa ou não melhorar. No R001 temos disponível um gráfico com esse indicador:
Figura 1. R001 - Porcentagem de matrizes vazias com mais de 125 dias pós-parto
Pode-se observar que a fazenda em questão não atingiu as metas elaboradas no Planejamento Estratégico feito no início do ano. Isso quer dizer que, se algo não for feito, ela não conseguirá manter o número de animais em lactação e a reposição de matrizes necessária para atingir o volume de leite diário esperado para o próximo ano. É preciso, antes de tudo, entender o problema, o que chamamos de “Análise do Fenômeno” para, em seguida, descobrir suas causas raízes, o que deve ser feito por meio de um diagnóstico de situação “in loco”. Na Análise do Fenômeno procuramos responder as seguintes perguntas:
• Os animais estão recebendo a primeira cobertura no momento previsto?
• A concepção dos animais cobertos está dentro do previsto?
• Os animais estão mantendo sua prenhez pelo período de gestação mínimo para garantir viabilidade do feto e boa produção da matriz?
• Existe algum efeito do número da lactação, volume de leite, sanidade ou época do ano sobre a concepção dos animais?
• Os resultados dos indicadores vêm melhorando ou piorando?
As respostas a estas perguntas podem ser encontradas nos relatórios que compõem a série “Reprodução” do Sistema de Informações da Clínica do Leite. Começaremos o estudo pelo R504 para verificar se as vacas estão recebendo a primeira cobertura no momento previsto.
Figura 2. R504 - Número de dias pós-parto até a primeira cobertura dos animais de 1a cria e dos demais
O R504 mostra dados de animais cobertos pela primeira vez após o parto, separados pelo número da lactação (2a > crias e 1a cria). É mostrado o número de animais cobertos, o número médio de dias após o parto em que foram cobertos, o coeficiente de variação dos dados (C.V.) e os valores do 1o quartil e 3o quartil. No exemplo mencionado, foram cobertos, em média, por mês, no ano, 21 animais de 2a > crias, os quais tinham 62 dias pós-parto e o C.V. foi de 16%, indicando que 66% dos animais foram cobertos entre 52 e 72 dias (+ ou - 16% x 62). O 1o quartil foi de 60 e o 3o quartil de 65, sugerindo que 25% dos animais foram cobertos com menos de 60 dias e 25% deles foram cobertos com mais de 65 dias. A interpretação destes dados mostra que os animais estão sendo cobertos dentro da faixa esperada de 60-70 dias e a distribuição das coberturas está bem próxima, pois 50% delas estão entre 60 e 65 dias. No caso dos animais de 1a cria a situação é ainda melhor. Dados como estes somente são possíveis em rebanhos onde se faz uso de IATF. O gráfico abaixo representa o que foi explicado para este rebanho. Observa-se que os animais estão recebendo a primeira cobertura dentro do intervalo especificado.
Figura 3. Distribuição dos animais de 1a e 2a > crias em função do número de dias pós-parto quando recebem a primeira cobertura
A segunda pergunta se refere à concepção. Será que estes animais cobertos estão ficando prenhes? O R502 nos dá as pistas.
Figura 4. R502 - Taxa de observação de cios, concepção, de prenhez e aborto dos animais cobertos no último ano separados por ciclos de 21 dias
No R502 observa-se que havia, neste rebanho, 1.759 cios possíveis nos últimos 12 meses. Destes, 956 foram observados, sendo que houve 956 coberturas que resultaram em 183 prenhezes, mas que 44 não chegaram a termo (44 abortos). Isto resulta em uma taxa de observação de cios de 54%, de concepção de 24% e de prenhez de 12%. Os valores estão bons, porém, aquém do padrão biológico que seria de > 60%, > de 30% e > de 18%, respectivamente. Um rebanho com taxa de prenhez de 12% não conseguirá manter o número de vacas em lactação no próximo ano se tiver que descartar mais de 30% das matrizes (que é o valor médio para conseguir aumentar a produção e reduzir as células somáticas do leite). No entanto, a taxa de aborto é muito alta, está em 24% e deveria ser inferior a 10%. É preciso investigar este fato para identificar suas causas raízes. Os coeficientes mostram, também, que há um componente estacional – no verão as taxas são piores.
O R505 desdobra os dados dos animais que estão, no momento, com mais de 195 dias de paridos. Estes animais são separados em prenhes (153 animais) e vazios (126 animais). Eles são agrupados pelo número da lactação, produção, problemas sanitários e época de parto (verão e inverno). Observa-se no R505 que a única variável que contribui para a existência de animais vazios, com mais de 195 dias de paridos, é o aborto (marcado com a caixa vermelha).
Figura 5. R505 - Fatores de risco para prenhez em animais com mais de 195 dias de parido
Uma análise do R506 nos dá pistas sobre os abortos.
Figura 6. R506 - Distribuição dos abortos nos últimos 12 meses
A primeira tabela nos mostra a porcentagem de abortos das vacas e das novilhas. Nota-se que o problema está nas vacas, pois 4,6%, 6,3% e 5,0% dos animais prenhes na 1a cria, 2a cria e 3a + crias, respectivamente, abortaram, por mês, nos últimos 12 meses. Teoricamente, isto equivale a uma taxa de aborto na gestação de 32,4%, 44,4% e 35,3% dos animais (taxa mensal vezes 7,5). Já a segunda tabela, mostra os dados históricos dos abortos, e permite constatar que houve grande ocorrência de abortos das inseminações feitas entre março e junho, indicando um componente estacional para o problema.
Em resumo, a análise dos relatórios mostra que a situação reprodutiva deste rebanho poderia ser melhor. As áreas de oportunidade são a observação de cios e a concepção. Os abortos são problemas a serem resolvidos imediatamente. É preciso identificar suas causas raízes. Com este entendimento, o consultor médico veterinário deve ir à fazenda realizar um levantamento de campo dos fatores de risco associados à observação de cios, concepção e abortos (diagnóstico “in loco”).
A identificação das causas raízes trará subsídios para a elaboração de um plano de ação, com o objetivo de solucionar os problemas e, eventualmente, modificar os procedimentos operacionais ativos. Esta forma de solucionar problemas é muito importante pois, frente a uma situação indesejável, não é possível simplesmente modificar procedimentos. Antes de qualquer ação, é preciso entender o problema e identificar suas causas, para daí propor soluções mais eficazes e eficientes. Isto será assunto de próximos artigos.