Por outro lado, a fermentação de volumosos leva à maior concentração de acetato, o ácido graxo de menor importância no que diz respeito ao desenvolvimento do rúmen. Além disso, o consumo voluntário de forragem observado é muito baixo em situações onde se fornece concentrado inicial ad libitum. De qualquer modo, ainda se discute o papel dos volumosos no desenvolvimento do rúmen, na tentativa de se determinar uma quantidade mínima de fibra na dieta destes animais.
Outro ponto bastante discutido é o fornecimento de volumoso logo após o desaleitamento. Tradicionalmente estes animais têm recebido feno, nem sempre de boa qualidade, sendo volumosos com a silagem de capim ou de milho fornecidos menos freqüentemente. Alguns produtores e técnicos têm associado o fornecimento de silagem com a ocorrência de diarréias e problemas digestivos em bezerros, muitas vezes devido ao manejo alimentar inadequado ou fornecimento de silagem de baixa qualidade e problemas de conservação, sendo fornecido até material em deterioração.
Já na década de 70, trabalhos demonstraram que bezerras tendem a consumir menor quantidade de matéria seca de silagem do que de feno, resultando em menores ganhos diários. No entanto, observou-se maior consumo de matéria seca quando foi fornecida a mistura silagem-feno comparada à mistura silagem-concentrado.
Bush (1991) conduziu experimento com o objetivo de avaliar o consumo voluntário, o desenvolvimento do rúmen e o desempenho de bezerras alimentadas com forragens de alto ou baixo teor de proteína nas formas de silagem ou feno, antes e após o desaleitamento.
Material e Métodos
Trinta e seis bezerras holandesas foram alimentadas à vontade com uma de quatro tipos de forragem de 10 até 112 dias de idade, sendo o experimento dividido em 4 períodos de 28 dias a partir do nascimento. Cada bezerra recebeu 80g/Kg de PV de colostro nos primeiros 3 dias após o nascimento e 100g/Kg de leite até 28 dias quando foram abruptamente desaleitadas. A partir dos 10 dias de vida, cada bezerra passou a receber concentrado inicial à vontade (Tabela 1), até um consumo máximo de 2Kg/dia, além de um dos quatro tipos forragem picada, também a vontade:
1) Feno de capim timóteo
2) Feno de alfafa
3) Silagem de capim
4) 2 partes de silagem: 1 parte de feno de alfafa
Tabela 1. Composição do concentrado inicial.
A média do tamanho de partícula do feno e da silagem foi de 3-4 cm. Amostras foram coletadas diariamente e compostas por semana para determinação de sua composição química (Tabela 2).
Tabela 2. Composição química das forragens e do concentrado inicial.
O consumo de leite, feno, silagem e concentrado inicial foi mensurado diariamente. As bezerras foram pesadas semanalmente e no final de cada 28 dias do período. Quando as bezerras apresentavam 56, 84 e 112 dias de idade, amostras de fluído ruminal foram coletadas através de um tubo esofágico e uma bomba de vácuo antes da alimentação. O pH foi medido imediatamente e a amostra foi armazenada para posterior determinação de ácidos graxos de cadeia curta.
Resultados e Discussão
Durante os primeiros 28 dias de vida, o consumo total de matéria seca foi similar entre os tratamentos (Tabela 3). O consumo de matéria seca aumentou com a idade dos animais, sendo que o consumo de forragem representou uma maior proporção do consumo total a cada período experimental (Tabela 4). De maneira geral, houve um maior consumo da mistura silagem-feno de alfafa do que feno de capim timóteo, sendo esta diferença observada no terceiro e quarto período, ou seja, após o desaleitamento. Também no quarto período, o feno de alfafa foi mais consumido do que o feno de capim timóteo.
Tabela 3. Total de ganho de peso (Kg) e total de MS do alimento (Kg) consumidos durante quatro períodos de 28 dias.
Animais jovens têm preferência por alimentos baseados em muitos fatores diferentes incluindo gosto, pH, forma física, qualidade do alimento processado, entre outros. Neste experimento não houve diferença no consumo de matéria seca durante o primeiro mês porque as bezerras estavam consumindo principalmente leite.
O ganho de peso foi maior no terceiro e quarto períodos, intermediário no primeiro e o menor durante o segundo, o qual sucedeu o desaleitamento (Tabela 3). Durante o terceiro período, os bezerros recebendo a mistura silagem-feno cresceram mais rapidamente do que aqueles alimentados somente com silagem ou com feno de capim timóteo.
Depois do desaleitamento, quando as bezerras tiveram acesso a ração inicial ou a um dos quatro tipos de volumosos, mas não ao leite, não houve diferença significativa no consumo total de matéria seca. Observou-se que a maior parte do aumento do consumo foi na porção de concentrado inicial da dieta a qual foi a mesma para todos os animais (Tabela 4). É sabido que bezerras alimentadas com altos níveis de concentrado (até 3Kg/dia) consumem até 50% menos silagem do que aquelas alimentadas com menores quantidades de concentrado (até 1,2 Kg/dia).
Tabela 4. MS da forragem com um percentual do total de MS consumida.
A real comparação na ingestão de forragem e os efeitos no crescimento de bezerras ocorreram no 3o. e 4o. mês. No início do terceiro mês as bezerras foram consumindo o máximo de quantidade de concentrado inicial e só poderiam aumentar a ingestão de matéria seca através do consumo da forragem oferecida. Assim, foi a partir do 3o. período que o consumo de forragem passou a fazer parte significativa do consumo total de matéria seca, como mostra a Tabela 4.
A ingestão pode ser afetada por características da forragem como a porcentagem de FDN, com a qual se relaciona negativamente. Isso explica parcialmente o maior consumo de feno alfafa quando comparado ao consumo de feno de capim timóteo durante o 4o. período, uma vez que a alfafa apresentou FDN 12 pontos percentuais menor que o feno de capim timóteo. A variação na concentração de FDN do feno de alfafa, silagem de capim e na mistura silagem-feno de alfafa foi de 6 pontos percentuais (Tabela 2), mas não houve diferença significativa no consumo.
Deve haver outras características da forragem que influenciam o consumo voluntário em bezerros jovens. Em algumas situações o consumo da forragem é reduzido com o aumento de sua qualidade em termos de composição química. Entretanto, em situações comumente observadas no Brasil este não é o caso.
Segundo Bush (1991), o consumo de silagem não é necessariamente limitado pela quantidade de água consumida pelos animais. Forbes (1986) notou que quando animais jovens foram alimentados com silagem contendo água adicional, o consumo de matéria seca total não foi afetado. Portanto, ele sugeriu que o fator o qual limitou o consumo de silagem foi a água encontrada na estrutura intracelular. Este aspecto não afetou o consumo neste estudo, uma vez que as bezerras alimentadas com silagem consumiram mais matéria seca do que aquelas alimentadas com feno.
O pH do fluído ruminal coletado no final do 3o. e 4o. períodos foi superior do que aquele coletado no final do 2o. período (Tabela 5). Não foram observadas diferenças entre as forragens fornecidas para o 2o. ou 3o. períodos. Entretanto, ao final do 4o. período o pH ruminal dos animais consumindo feno de timóteo foi menor do que o observado para animais consumindo feno de alfafa.
O meio ruminal se desenvolveu rapidamente rápido, uma vez que as bezerras receberam dieta sólida a partir dos 10 dias de idade. O fornecimento ainda mais cedo, a partir dos 3 dias de idade, de concentrado inicial de boa qualidade, tem sido recomendado como prática que estimula o desenvolvimento do rúmen permitindo o desaleitamento precoce sem prejuízos ao desempenho de bezerros.
Neste estudo é provável que o processo de desenvolvimento do meio ruminal ocorreu próximo do tempo da primeira amostra do rúmen que foi retirada na oitava semana de idade uma vez que alimento sólido foi fornecido a partir de10 dias de idade.
Os dados mostram que houve um aumento do pH do fluído ruminal ao mesmo tempo em que o consumo de forragem relativo ao consumo de concentrado aumentou. Lalles e Poncet (1988) mostraram que no desaleitamento, o pH do fluído ruminal foi de aproximadamente 6,0 e permaneceu nesse nível nas próximas 10 semanas, quando as bezerras receberam somente uma dieta com proporções constantes de concentrado e forragem.
Tabela 5. pH do fluido ruminal de bezerras alimentadas com diferentes forragens.
A concentração de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) no fluído ruminal também foi medida ao final do 2o., 3o., e 4o. períodos (Tabela 6). As concentrações de acetato foram maiores ao final do 4o. período do que após o terceiro período. O propionato foi superior após o 2o. período quando comparado aos outros períodos de avaliação. No entanto, o butirato foi maior após o segundo período do que após o terceiro período de avaliação.
Tabela 6. Concentração de ácidos graxos de cadeia curta no fluido ruminal (mM) coletado de bezerras alimentadas com diferentes forragens.
O perfil de AGCC no fluído ruminal também é afetado pelo nível de forragem na dieta. Lalles e Poncet (1988) mostraram que houve uma pequena redução nos níveis de acetato e propionato entre 10 e 20 semanas de idade. Williams et al (1985) mostraram que com aumento de palha na dieta, houve aumento nos níveis de acetato enquanto os níveis de propionato e valerato diminuíram. Isso confirma os dados deste experimento onde houve um decréscimo no nível de propionato durante o terceiro período quando o consumo de forragem começou a aumentar enquanto o consumo de concentrado inicial foi limitado a 2Kg/dia e um aumento no acetato no 4o. período durante o qual o consumo de forragem quase dobrou.
Neste estudo o consumo de forragem com um percentual do total de MS aumentou de 4,8 para 14,8% e 32,8% do segundo até o quarto período enquanto a proporção de acetato:propionato aumentou de 2,01 para 2,87 e 4,04 nos correspondentes períodos.
Conclusões
Esse estudo mostra que as bezerras consumirão quantidades comparáveis de MS de forragem na forma de silagem ou feno. Entretanto, dependendo da qualidade da forragem, seu consumo voluntário será variável. O tipo de forragem não teve efeito significativo no desenvolvimento do rúmen no que diz respeito à concentração de ácidos graxos de cadeia curta e pH do fluido ruminal. Portanto, uma vez que não houve efeitos adversos quando silagem foi fornecida até para bezerras mais novas, silagem de alta qualidade pode ser recomendada como uma boa fonte de forragem para esses animais.
Referências
Bush, R.S. The effects of hay and silage on growth and rúmen function in Young Holstein calves. Can. J. Anim. Sci., n.71, p.145-153, 1991.
Forbes, J.M. The voluntary food intake of farm animals. Butterworth's, London, UK. 1986.
Lalles, J.P.; Poncet, C. Evolution de quelques parameters digestifs et metaboliques chez le veau avant et après sevrage en relation avec la degradabilite des proteins alimentaires. Reprod. Nutr. Develop, n.28, p.143-144, 1988.
Williams, et al. The effects of growth, food intake and rumen volume of including untreated or ammonia-treated barley straw in a complete diet for weaning calves. Anim. Prod. , n.41, p.63-74, 1985.
Comentários
O manejo alimentar de bezerras durante o chamado período de transição entre não-ruminante e ruminante funcional é extremamente importante para a manutenção de boas taxas de crescimento. Como tratamos anteriormente, o fornecimento de concentrado inicial e água à vontade desde a primeira semana de vida é obrigatório em programas que visam o desaleitamento precoce. A presença de ácidos graxos voláteis no rúmen, como conseqüência do consumo de alimento sólido estimula o desenvolvimento do rúmen no que diz respeito ao crescimento de papilas. Este processo é estimulado principalmente pelos ácidos butírico e propiônico, enquanto o ácido acético não tem participação.
Dessa forma, não se tem recomendado o fornecimento de volumosos para bezerros jovens uma vez que sua fermentação resulta majoritariamente na produção de ácido acético. Ainda, como demonstrou o trabalho o consumo voluntário de forragens por bezerros jovens é muito baixo durante o aleitamento, sendo também pouco representativo do consumo de matéria seca total mesmo no mês seguinte ao desaleitamento. O trabalho demonstrou que bezerros consomem quantidades significativas de forragem somente após alcançarem o máximo consumo de concentrado, o que neste trabalho ocorreu somente no 3o período.
A preferência manifestada por estes animais é uma boa ferramenta de manejo alimentar de forma a estimular o consumo de forragens após o desaleitamento, mantendo ganho de peso satisfatório com dieta de menor preço. No trabalho discutido, o consumo de forragem em porcentagem da matéria seca total consumida foi maior para em bezerros alimentados com a mistura silagem: feno de alfafa, quando comparada ao fornecimento de silagem ou feno de capim.
Estas diferenças no consumo voluntário acompanharam diferenças na composição química das dietas, sugerindo que a qualidade é um dos fatores determinantes da preferência por volumosos. Assim, qualquer que seja a opção para o fornecimento é essencial que a forragem seja de boa qualidade!! Os bezerros agradecem...