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O estresse térmico e seus impactos diretos e indiretos na transferência de imunidade passiva

POR CRISTIANE TOMALUSKI

E CARLA MARIS MACHADO BITTAR

CARLA BITTAR

EM 20/05/2024

9 MIN DE LEITURA

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Bezerros recém-nascidos têm baixíssimas concentrações de anticorpos circulantes, devido a incapacidade de transferência de imunoglobulinas da corrente sanguínea materna para a fetal durante a gestação em bovinos. Por conta disso, a transferência de anticorpos deve ser garantida pelo consumo precoce de colostro de alta qualidade e em quantidade adequada.

Logo após o nascimento, algumas particularidades do intestino dos bezerros possibilitam que moléculas de grande peso molecular, como é o caso das imunoglobulinas (Ig), sejam absorvidas de maneira intacta, garantindo suas funções biológicas. No entanto, com o passar do tempo, ocorre um declínio progressivo e acelerado dessa capacidade absortiva, devido ao mecanismo conhecido como fechamento do intestino ou “closure”. Assim, considera-se que os protocolos de colostragem são afetados por um tripé: qualidade, quantidade e tempo de fornecimento do colostro.

A eficiente transferência de imunidade passiva (TIP) garante benefícios em curto e longo prazo. Durante a fase de criação, bons índices de TIP foram associados com redução nas taxas de morbidade e mortalidade e com melhorias no crescimento. Entretanto, esses efeitos positivos não se restringem a este período e podem se estender ao longo da vida produtiva dos animais, com efeitos já comprovados na produção de leite durante a primeira e segunda lactações. Pesquisas desenvolvidas ao longo dos anos vêm demonstrando que a TIP em rebanhos leiteiros ainda é um problema, com taxas de falhas na TIP (FTIP) girando em torno de 35% (Stanek et al., 2019).

Os manejos associados com o colostro e o processo de colostragem impactam de maneira expressiva a quantidade de imunoglobulinas que serão absorvidas pelos bezerros. Todavia, embora boa parte dos protocolos tenha o tripé da colostragem como foco, estes não são os únicos fatores que interferem nesse mecanismo

Tendo em vista a importância de uma eficiente absorção das imunoglobulinas colostrais, torna-se importante a identificação de fatores de risco para a TIP em bezerros leiteiros. Essa discussão vem crescendo com o aumento dos estudos relacionados a epigenética e um dos pontos que vem ganhando atenção são os efeitos do estresse térmico materno durante o último trimestre de gestação sobre as funções imunológicas dos bezerros. Tentando entender um pouco mais sobre os efeitos do estresse por calor, Mellado e colaboradores (2024), realizaram um estudo investigando os fatores de risco associados ao clima e relacionados com os bezerros que apresentam FTIP.

Para tal, os autores utilizaram mais de 6 mil bezerros nascidos entre 2019 e 2022 em uma fazenda comercial no norte do México. Todos os animais receberam 4 litros de colostro de alta qualidade (>50 g/L de IgG), divididos em 2 refeições, a primeira 1 hora após o nascimento e a segunda dentro de 8 horas. Os valores de índice de temperatura e umidade (ITU) durante os últimos 3 meses de gestação das mães e no dia do parto foram utilizados para determinar o grau de estresse térmico das vacas e dos fetos no final do período de gestação.

A eficiência da TIP foi avaliada utilizando um refratômetro de Brix, sendo considerados com sucesso na TIP bezerros com valores ≥ 8 e com FTIP aqueles que apresentaram valores < 8. Já situações onde os bezerros apresentavam valor de Brix ≤ 6,5 foram consideradas como agamaglobulinemia, pois estes números equivalem a praticamente 0 g/L sérico de IgG.

Neste experimento, 38,8% dos animais tiveram FTIP e 9,6% apresentaram quadros de agamaglobulinemia. No entanto, o estresse calórico no parto ou a hipertermia in utero não interferiram na TIP de forma direta.  Porém, os pesquisadores identificaram alguns fatores de risco para a FTIP, os quais são listados abaixo:

  • Sexo: fêmeas tiveram 1,4 vezes mais chances de alcançarem sucesso na TIP;
     
  • Partos gemelares: bezerros nascidos de partos únicos tiveram 1,4 vezes mais chances de atingirem TIP adequada;
     
  • Distocia no parto: bezerros nascidos de partos distócicos tiveram 2,3 menos chances de apresentarem eficiência na TIP;
     
  • Duração da gestação: bezerros oriundos de gestações com mais de 275 dias tiveram maior probabilidade de atingir TIP adequada, quando comparados com aqueles de gestações mais curtas.

Já os fatores de risco para agamaglobulinemia identificados neste estudo estão listados a seguir:

  • Estresse térmico in utero: bezerros submetidos a estresse térmico no final da gestação tiveram 1,5 vezes mais chance de apresentarem agamaglobulinemia. A medida que o ITU aumentou durante o último trimestre de gestação, a porcentagem de bezerros agamaglobulinêmicos tendeu a aumentar também, como pode ser visto na Figura 1;
     
  • Estresse térmico no parto: bezerros nascidos em dias muito quente tiveram 1,8 vezes mais chance serem agamaglobulinêmicos;
     
  • Sexo: machos tiveram maior chance de sofrerem agamaglobulinemia do que fêmeas;
     
  • Peso ao nascer: bezerros mais pesados (> 37 kg) ao nascimento tiveram menos da metade do risco de agamaglobulinemia;
     
  • Distocia no parto: a ocorrência de distocia aumentou os riscos de agamaglobulinemia;
     
  • Duração da gestação: gestações com mais de 275 dias reduziram a probabilidade de ocorrência de agamaglobulinemia quando comparadas com aquelas gestações mais curtas.

Figura 1. Associação entre índice temperatura-umidade e percentual de agamaglobulinemia 24 horas após o nascimento em bezerros holandeses em ambiente quente. As faixas mais claras são intervalos de confiança de 95% para valores estimados. As faixas mais escuras são intervalos de confiança de 95% para valores reais

Associação entre índice temperatura-umidade e percentual de agamaglobulinemia 24 horas após o nascimento em bezerros holandeses em ambiente quente.

Quando se avalia os resultados de forma mais aprofundada, percebe-se que todos esses fatores podem estar interligados entre si.  Por exemplo, os maiores riscos de FTIP e agamaglobulinemia em bezerros machos quando comparados com fêmeas, pode ser um efeito indireto da distocia, uma vez que a chance de ocorrência de partos distócicos é maior em vacas ou novilhas que dão à luz a bezerros machos (Atashi et al., 2021). Outro ponto interessante é que a probabilidade de FTIP e agamaglobulinemia foi maior em bezerros de gestações gemelares, os quais tem maior probabilidade de distocia (Bahrami-Yekdangi et al., 2022). Além disso, bezerros gêmeos geralmente tem menor peso ao nascer e períodos de gestação mais curtos (Dhakal et al., 2013), fatores que também tiveram efeitos negativos sobre a TIP.

Os resultados encontrados na pesquisa de Mellado et al., (2024), sugerem uma relação causal entre partos distócicos e aumentos na taxa de FTIP e agamaglobulinemia. Esses resultados podem ser consequências de efeitos fisiológicos gerados pela dificuldade no parto, tais como acidose metabólica grave, desequilíbrio eletrolítico, baixa vitalidade e estresse oxidativo (Vannucchi et al., 2019). Além dos impactos negativos sobre a habilidade imunológica dos bezerros, parto distócico é a causa mais importante de mortalidade perinatal.

O desenvolvimento fetal é uma progressão biológica multifacetada, fortemente influenciada por fatores ambientais. Logo, o aumento na ocorrência de agamaglobulinemia em bezerros que sofreram estresse térmico por calor no final do período gestacional é algo esperado. Isso ocorre pois efeitos agudos e persistentes da tensão térmica in utero podem comprometer o desenvolvimento fetal (Monteiro et al., 2014), reduzindo o peso de órgãos imunológicos, como timo e baço (Ahmed et al., 2021). Já foram reportados impactos negativos do estresse térmico no final da gestação sobre o estado imunológico, saúde, desempenho e metabolismo durante o período de crescimento, além de efeitos prolongados, impactando diretamente na eficiência produtiva e econômica desse animal no rebanho (Dado-Senn et al., 2020).

Vaca em estresse térmico
Vaca em estresse térmico.

Dados do Grupo de Pesquisa em Metabolismo Animal da ESALQ/USP, avaliaram as informações de 155 bezerros da raça Holandês buscando entender a influência da época de nascimento sobre a TIP e desempenho dos animais (Silva et al., 2022). Neste estudo foi reportado que bezerros nascidos na primavera tiveram maior peso corporal aos 28 e 56 dias de vida quando comparados com aqueles que nasceram no outono, como mostra a Tabela 1. A melhora no desempenho observado em bezerros nascidos na primavera, pode ser um reflexo do menor estresse da mãe, uma vez que estas tiveram o final de sua gestação durante período menos quente do ano. De modo contrário, as vacas que pariram no outono estiveram mais expostas à altas temperaturas.

Tabela 1. Consumo de colostro, transferência de imunidade passiva e desempenho de bezerros da raça Holandês nascidos em diferentes estações do ano.

Consumo de colostro, transferência de imunidade passiva e desempenho de bezerros da raça Holandês nascidos em diferentes estações do ano.

Outro cenário recorrente em vacas mantidas sob estresse térmico é a antecipação dos partos. Essa condição geralmente está associada com um quadro de imaturidade funcional e morfológica do trato gastrintestinal dos bezerros, resultando em comprometimento da capacidade intestinal de absorção de macromoléculas. Além disso, o nascimento prematuro inibe a liberação de cortisol no bezerro, o que prejudica a absorção dos componentes colostrais, uma vez que, níveis elevados de corticosteroides neonatais favorecem esse mecanismo de absorção colostral.

Vaca em estresse térmico
Vaca em estresse térmico.

Muito ainda precisa ser investigado acerca deste assunto, entretanto, já está clara a importância do conforto térmico de todas as categorias animais e não apenas das vacas em lactação. A falta de atenção ao conforto térmico em vacas em final de gestação impacta não só sua produção no início da lactação, mas também afeta fortemente a TIP e o desempenho de suas bezerras. Os dados de Mellado et al. (2024) não mostram de forma clara o impacto do estresse térmico no final da gestação na TIP, mas mostram maiores chances de apresentarem Brix <6,5.  No entanto, é importante salientar que os autores utilizaram um ponto de corte que pode ser considerado como ultrapassado, considerando as últimas recomendações sobre gestão da TIP dentro das fazendas. Para relembrar sobre a atualização das recomendações você pode acessar: Colostragem: você já readequou seu manejo? 

Além disso, existe também a necessidade de redobrarmos a atenção com os manejos de bezerros holandeses mantidos em ambientes quentes, para que se aumente a chance de sucesso na TIP e se atinja desempenho satisfatório durante o período de aleitamento.  

 

 

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Referências

AHMED, B. M. S. et al. Maternal heat stress reduces body and organ growth in calves: Relationship to immune status. JDS communications, v. 2, n. 5, p. 295-299, 2021.

ATASHI, H.; ASAADI, A.; HOSTENS, M. Association between age at first calving and lactation performance, lactation curve, calving interval, calf birth weight, and dystocia in Holstein dairy cows. PloS one, v. 16, n. 1, p. e0244825, 2021.

BAHRAMI-YEKDANGI, M. et al. Identification of cow-level risk factors and associations of selected blood macro-minerals at parturition with dystocia and stillbirth in Holstein dairy cows. Scientific reports, v. 12, n. 1, p. 5929, 2022.

DADO-SENN, B.; LAPORTA, J.; DAHL, G. E. Carry over effects of late-gestational heat stress on dairy cattle progeny. Theriogenology, v. 154, p. 17-23, 2020.

DHAKAL, K. et al. Calf birth weight, gestation length, calving ease, and neonatal calf mortality in Holstein, Jersey, and crossbred cows in a pasture system. Journal of Dairy Science, v. 96, n. 1, p. 690-698, 2013.

MELLADO, M. et al. Climatic and calf-related risk factors associated with failure of transfer of passive immunity in Holstein calves in a hot environment. Tropical Animal Health and Production, v. 56, n. 2, p. 1-7, 2024.

MONTEIRO, A. P. A. et al. Effect of heat stress during late gestation on immune function and growth performance of calves: Isolation of altered colostral and calf factors. Journal of dairy science, v. 97, n. 10, p. 6426-6439, 2014.

SILVA, G. H. B. da. Influência da época de nascimento sobre a transferência de imunidade passiva e desempenho de bezerros leiteiros. In: SIMPÓSIO ALTACRIA, Uberaba - MG. Anais - Alta CRIA 2022 [...]. Uberaba - MG: Rafael Alves de Azevedo, Carla Maris Machado Bittar, Polyana Pizzi Rotta, Sandra Gesteira Coelho e Viviani Gomes, 2022. p. 291.

STANEK, S. et al. Prevalence of failure of passive transfer of immunity in dairy calves in the Czech Republic. Acta Universitatis Agriculturae et Silviculturae Mendelianae Brunensis, v. 67, n. 1, 2019.

VANNUCCHI, C. I. et al. Oxidative stress and acid–base balance during the transition period of neonatal Holstein calves submitted to different calving times and obstetric assistance. Journal of dairy science, v. 102, n. 2, p. 1542-1550, 2019.

 

CARLA MARIS MACHADO BITTAR

Prof. Do Depto. de Zootecnia, ESALQ/USP

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THEREZA FONSECA QUIRICO DOS SANTOS

MUTUM - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 24/05/2024

Excelente texto, didático mas de fácil entendimento. Parabéns

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