A prática de manter bezerros leiteiros agrupados em piquetes é muito comum. O objetivo é aumentar a média de ganho de peso diário em um ambiente saudável e que permite maior sociabilização enquanto reduz-se o trabalho. Estimativas mostram que enquanto são necessários 10 minutos para tratar um bezerro alocado individualmente, é necessário apenas 1 minuto para tratar de um bezerro criado em grupo. Porém, uma desvantagem é que o contato direto entre os animais pode aumentar a transmissão de patógenos e potencialmente a troca de resistências bacterianas. O efeito do agrupamento de bezerros na saúde dos animais não está muito claro e ainda é muito controverso, já que há estudos que mostram por exemplo, que há um aumento da incidência de salmonelose de 1,1% para 10,5% quando comparados a animais criados em gaiolas individuais e animais agrupados respectivamente. No entanto, há estudos sobre manejo, morbidade e mortalidade de bezerros que não encontraram diferenças entre os dois métodos de criação com relação a incidência de pneumonia.
O número de bezerros agrupados, o protocolo de alimentação utilizado e a incidência de doenças são algumas diferenças entre bezerros alojados em grupos e animais alojados individualmente que podem resultar em resistência distinta a antimicrobianos.
Assim, foi feito um estudo para avaliar os efeitos desses dois sistemas de alocações de bezerros – animais criados individualmente alimentados com leite ou sucedâneo 2 ou 3 vezes ao dia, e bezerros criados em grupos, alimentados ad libitum com leite acidificado – com relação a resistência microbiana de E. coli originada de swabs retais dos animais e a prevalência de Salmonella no ambiente. O leite acidificado tem o pH menor (entre 4 e 4.5) para controle de contaminação bacteriana e crescimento de fungos.
As fazendas participantes não podiam incluir nenhum medicamento ao leite dos animais, e tinham que manter anotações para controle de quais medicamentos eram utilizados por pelo menos 6 meses antes do início do estudo desde o nascimento até o desaleitamento de cada animal.
Foram colhidas amostras do chão e do bico do aleitador no caso do dos animais agrupados, e do chão e das grades das gaiolas dos animais individualizados.
Para os animais criados em gaiolas individualizadas, os antibióticos mais utilizados de acordo com as anotações da fazenda foram o ceftiofur e a penicilina G, e a resistência das cepas de E. coli colhidas dos bezerros das fazendas que criavam os animais em gaiolas individualizadas foram maiores para a ampicilina, ceftiofur, gentamicina, estreptomicina e tetraciclina.
Alguns estudos têm mostrado maior incidência de diarreia em bezerros individualizados quando comparados aqueles que estão agrupados, alimentados manualmente ou usando alimentadores automáticos ad libitum. Alguns pesquisadores sugerem que isso ocorre devido aos animais que estão agrupados poderem ter comportamentos sociais e beber o leite de maneira mais natural. O fato de os dois antibióticos mais utilizados em fazendas com gaiolas individuais serem β-lactâmicos (ceftiofur e penicilina G), confirma a hipótese de que mais animais foram tratados para a diarreia nas fazendas com gaiolas individuais e esta resistência aos β-lactâmicos pode ter ocorrido devido ao uso terapêutico dessas drogas.
Por outro lado, os animais que foram mantidos em piquetes agrupados (12 a 25 animais), tiveram maior uso dos medicamentos: enrofloxacino e tulatromicina. As cepas de E.coli para esses animais apresentaram uma maior resistência ao ciprofloxacino e ácido nalidixico. A E. coli das fezes dos animais normalmente não são resistentes ao ciprofloxacino e ao ácido nalidixico, o que foi um achado incomum, de acordo com outros estudos com bezerros. Porém, apresentaram uma maior resistência a antimicrobianos pertencentes a classe das quinolonas, a qual é uma área de maior preocupação, já que são considerados agente antimicrobianos importantes na medicina humana. A resistência a quinolonas pode limitar as opções de terapia em humanos com doenças uma vez que a Salmonella spp, Campylobacter spp e Shigella spp e uma alta ocorrência de pneumonia em bezerros criados agrupados, seguidos ou precedidos pelo uso de enrofloxacino, pode potencialmente ser a causa da alta resistência observada. A resistência ao enrofloxacino aumentou de 1% em 2004 para 8,1% em 2011.
A grande maioria das amostras de E. coli colhidas dos bezerros de gaiolas individuais eram resistentes a diversas drogas (75,5%), sendo esta porcentagem similar em fazendas com animais agrupados (69,1%).
Diferenças nas dietas dos animais também podem ter um papel importante na maior resistência que as bactérias de bezerros em gaiolas individuais possuem. O baixo pH do leite e a frequência de refeições nos animais agrupados, pode diminuir as flutuações de pH diárias no abomaso, resultando em um pH mais baixo do trato digestório e uma redução no número de patógenos. Além disso, variação na resistência antimicrobiana observada entre os tipos de sistemas de alocações em diferentes faixas etárias pode ser consequência de mudanças na microbiota devido a diferentes protocolos alimentares tanto em gaiolas individuais como em animais agrupados. A falta de desenvolvimento da microbiota intestinal em bezerros muito jovens pode ser um fator resultante da alta colonização do trato gastrointestinal de bezerros jovens por bactérias resistentes.
Segundo o estudo realizado, o tipo de instalação dos bezerros, sendo individual ou coletivo, não apresentou diferença na resistência geral do rebanho, uma vez que os dois sistemas apresentaram alguma resistência a antimicrobianos, mas com diferenças nos princípios ativos utilizados. Também não houve diferença nas cepas de Salmonella encontradas nos dois sistemas de instalação, das amostras do ambiente coletadas para análise de Salmonela, 36% foram positivas, sendo 20,4% de gaiolas individuais e 15,5% dos piquetes coletivos. Porém, destaca-se que como parte dessas amostras foram isoladas dos bicos dos aleitadores de animais criados em grupos, salienta-se a importância da frequente higienização e troca desses bicos que são utilizados por diversos animais em piquetes.
Apesar dos benefícios de usar antimicrobianos na produção de animais, preocupações com a saúde pública, segurança alimentar e perspectivas regulatórias crescem com o potencial de desenvolvimento de resistência microbiano. Há uma necessidade urgente para o uso criterioso de antimicrobianos para aumentar sua efetividade em tratar doenças em animais e humanos. Algumas alterações na rotina em fazendas têm sido demostradas efetivas, visando limitar a morbidade e mortalidade animal enquanto diminuem o uso de antibióticos. O monitoramento do uso de antibióticos é vital para propor alternativas as práticas que possam resultar em resistência microbiana importantes em medicina humana e animal.
Figura 1. Exemplos de sistemas de alojamento individualizados
Figura 2. Exemplos de sistemas de alojamento coletivo
Referências
Pereira, R.V., Siler, J.D., Ng, J.C., Davis, M.A., Wainick, L.D. Effect of preweaned dairy calf housing system on antimicrobial resistence in commensal Escherichia coli. Journal of Dairy Science, 97: 7633-7643, 2014.
Pereira, R.V., Siler, J.D., Ng, J.C., Davis, M.A., Grohn, Y.T., Wainick, L.D. Effect of on-farm use of antimicrobial drugs on resistence in fecal Escherichia coli of preweaned dairy calves. Journal of Dairy Science 97: 7644-7654, 2014.
Comentários
Tem sido observado um aumento na adoção de criação de bezerras em lotes aqui no Brasil. Esta adoção tem considerado efeitos positivos na socialização dos animais, que muitas vezes refletem no aumento do ganho de peso, assim como na maior eficiência no uso de mão de obra. No entanto, a disseminação de doenças é maior neste sistema de alojamento, quando comparada a criação individualizada, uma vez que as doenças que mais acometem os bezerros tem transmissão do tipo oral/fecal ou pelo simples contato entre animais. Assim, com o aumento da disseminação, principalmente em sistemas mal manejados ou naqueles em que a colostragem não é adequada, o uso de antibióticos pode ser aumentado. Existe hoje uma grande preocupação em relação ao uso de antibióticos, não só pensando em resíduos nos produtos de origem animal consumidos, mas também pela possibilidade de geração de resistência cruzada. Dessa forma, o uso de antibióticos de maneira cautelosa e monitorada, assim como a busca por alternativas ao uso de antibióticos a exemplo dos probióticos, acidificantes e óleos essenciais, tem sido estimuladas. O trabalho descrito no radar deste mês mostrou que o tipo de alojamento de bezerros não afeta a resistência a antibióticos, mas sim o princípio ativo a que os microrganismos são resistentes. De todo modo, o uso criterioso de antibiótico, aliado a programa eficiente de colostragem devem ser adotados em bezerreiros, independentemente do tipo de instalação para criação destes animais.