O fornecimento de concentrado inicial é de extrema importância para bezerros leiteiros do ponto de vista de desempenho e também de desenvolvimento anatômico-fisiológico. Normalmente estes concentrados são formulados a base de milho e farelo de soja, pois assim como animais monogástricos, os bezerros precisam de alimentos de baixa fibra e alto valor energético e proteico. Além disso, o alimento precisa ser de alta palatabilidade, de forma que o consumo seja estimulado.
O rúmen se desenvolve em resposta da presença de alimentos sólidos de alta digestibilidade e consequente produção de ácidos graxos de cadeia curta por bactérias ruminais através de fermentação. Um fato depende do outro: bactérias precisam de substrato para que colonizem o rúmen; o substrato só pode ser utilizado se as bactérias estiverem presentes para realizarem fermentação; os produtos de fermentação precisam ser absorvidos e metabolizados pelo epitélio ruminal; o epitélio se desenvolve em resposta da presença destes produtos finai de fermentação.
Podemos alimentar estes animais durante um tempo somente com leite ou substituto do leite (dieta líquida), mas isso onera o custo de produção de bezerras. Um aspecto importante é que quanto maior o volume de dieta líquida fornecida, menor é o consumo de concentrado, o que pode atrasar o desenvolvimento ruminal e consequentemente o desaleitamento deste animal.
O alto custo do milho frente a alternativas mais baratas é um dos pontos que justificam sua substituição. Mas outras justificativas também podem ser utilizadas de acordo com o co-produto avaliado. A redução da inclusão de amido via milho no concentrado inicial pode auxiliar na redução de grandes variações no pH ruminal deste animal, o qual ainda está com o trato digestório em desenvolvimento. É provável que a alta variação no consumo diário de concentrado inicial se deva a estas flutuações no pH ruminal e o tempo que este sistema demora para se restabelecer depois de um pico de consumo de concentrado. Nos experimentos conduzidos no Depto. de Zootecnia tem sido observado picos de consumo a cada 2-3 dias aproximadamente e acredita-se que isso seja resultado de variações no pH. Assim, a substituição do milho como fonte de energia (rica em amido), por fontes alternativas e que possam de alguma forma auxiliar tanto na redução de custo quanto na regularização do consumo pode beneficiar o desempenho dos animais.
Alguns co-produtos, embora não auxiliem no controle do pH ruminal, podem estimular o consumo de concentrado, a exemplo do melaço e do xarope de milho. O maior consumo também traz benefícios do ponto de vista fisiológico já que alguns trabalhos mostram que quanto maior o consumo por ocasião do desaleitamento, maior o potencial de produção de leite futura da bezerra. Além disso, alguns co-produtos podem fornecer energia mais prontamente disponível para animais que ainda não tem a fermentação ruminal plenamente estabelecida, como é o caso da glicerina bruta e também do xarope de milho.
A polpa cítrica, ingrediente rico em pectina, é um dos co-produtos mais disponíveis na região sudeste e por apresentar uma composição em nutrientes interessante para resolver problemas com acidose ruminal. Trabalhos anteriores realizados no Depto. de Zootecnia da ESALQ/USP mostraram que a polpa cítrica apresenta o mesmo valor energético que o milho e traz a vantagem de alterar o perfil de fermentação ruminal, auxiliando na manutenção da saúde ruminal. Outro aspecto interessante é que uma vez que os bezerros nascem com o rúmen não funcional, a pectina da polpa cítrica não seria, num primeiro momento, utilizada pelos animais, uma vez que sua utilização depende de fermentação por microrganismos ruminais. No entanto, a pectina poderia alcançar o intestino e auxiliar no controle das diarreias, uma fez que seria uma fonte de fibra para estes animais, como ocorre para os animais monogástricos.
O melaço também foi escolhido por ser um ingrediente de alto valor energético e de alta disponibilidade na região, sendo normalmente utilizado como palatabilizante em concentrados. O melaço é rico em sacarose, podendo conter também concentrações variadas de glicose e frutose. Assim, é um ingrediente de pronta utilização por microrganismos ruminais e a glicose presente pode de alguma forma ser utilizada pelo bezerro caso alcance o intestino. O melaço é também um ingrediente que resulta em aumento de produção de ácido butírico como produto final de fermentação ruminal, o qual é o principal estimulador do desenvolvimento do rúmen. Assim, o melaço associa algumas características que podem ser interessantes na criação de bezerros: é palatabilizante; tem energia prontamente disponível; e aumenta a produção de ácido butírico. Apesar de ser um co-produto mais utilizado e mais estudado, não existem estudos sobre a substituição do milho e a comparação com o xarope de milho. Já o xarope de milho foi escolhido por ser um co-produto de alto valor energético e que pode ser utilizado pelos bezerros mais jovens de forma mais eficiente que o melaço uma vez que não contêm sacarose e frutose, açúcares de mais difícil digestão para os mesmos.
No caso da glicerina bruta, muitos trabalhos com animais adultos têm mostrado benefícios da substituição, principalmente em resposta a maior disponibilidade de ácido propiônico. O ácido propriônico também tem papel importante no estímulo ao desenvolvimento ruminal, além de ser um precursor de glicose no fígado dos animais.
Para avaliação dos co-produtos em substituição ao milho, foram conduzidos três experimentos com delineamento e procedimentos semelhantes. Os animais foram obtidos de propriedades particulares parceiras, e transportados para o Bezerreiro Experimental “Evilásio de Camargo”, do Depto. de Zootecnia da ESALQ, com aproximadamente 5 dias de vida, e alojados em abrigos individuais. O sistema de alimentação foi baseado no desaleitamento precoce e os animais receberam 4 L de sucedâneo lácteo, divididos em duas refeições, água e concentrado inicial a vontade. Os concentrados tiveram sua composição alterada conforme o tratamento em questão, havendo sempre um tratamento controle, onde a principal fonte de energia era o milho; e os tratamentos onde as substituições foram realizadas. Em todos os experimentos foram avaliados 8 animais por tratamento.
No experimento para avaliação da substituição de milho por polpa cítrica foram testadas duas taxas de substituição: 50 ou 100%. No experimento com glicerina bruta a substituição foi de 5 ou 10% da matéria seca. Já no terceiro experimento a substituição foi de 5 e 10% de melaço de cana e 5% de xarope de milho. É importante frisar que os concentrados continham outros co-produtos (casquinha de soja e/ou farelo de trigo) em sua formulação, em quantidades pequenas, de forma a ajustar o teor de fibra dos mesmos.
O consumo de alimento foi monitorado diariamente e os animais foram pesados e tiveram suas medidas corporais anotadas semanalmente. A partir da segunda semana de vida, amostras de sangue foram colhidas para determinação de uma série de metabólitos que são indicativos do desenvolvimento ruminal e conseqüente alteração no metabolismo. Também para avaliar o desenvolvimento do rúmen, amostras de fluído ruminal foram obtidas através de sonda oro-esofágica nas semanas 4, 6 e 8 de idade, para determinação de pH e da concentração de ácidos graxos de cadeia curta e de N-amoniacal. Ao final da 8ª semana de vida, os animais foram pesados e em seguida abatidos para avaliação de peso e volume dos compartimentos do trato digestório superior, assim como a contagem e medidas de altura e largura de papilas ruminais.
Os trabalhos demonstraram que a substituição do milho por co-produtos pode ser realizada sem prejuízos ao desempenho dos animais, demonstrando que mesmo animais jovens podem utilizar de forma eficiente estes ingredientes, os quais são corriqueiramente utilizados na alimentação de animais adultos. Os dados não mostram grandes alterações no metabolismo dos animais, nem no desenvolvimento ruminal, mas sugerem que o desempenho não é reduzido com a substituição. No entanto, as variações no consumo de concentrado não foram reduzidas e o pH ruminal também não foi afetado.
No experimento de substituição de milho por glicerina bruta, o desempenho e o metabolismo energético dos bezerros não foram afetados de forma negativa pela substituição do milho por glicerina bruta no concentrado inicial de bezerros até a taxa de 10%. Estes resultados sugerem que a glicerina pode ser utilizada como ingrediente energético alternativo no concentrado inicial de bezerros leiteiros no período de aleitamento sem afetar o crescimento, o desenvolvimento ou o metabolismo do animal.
A substituição de 50 ou 100% do milho por polpa cítrica no concentrado não alterou o consumo de concentrado, desempenho, escore fecal e parâmetros sanguíneos de bezerros em aleitamento. Porém, observou-se que a inclusão de polpa cítrica aumentou a concentração de butirato ruminal e o desenvolvimento do trato digestório superior, podendo refletir em melhor desempenho na vida futura do animal.
A substituição do milho por 5 ou 10% de melaço de cana ou 5% de xarope de glicose no concentrado inicial não alterou o consumo, desempenho, escore fecal e desenvolvimento do trato digestório superior de bezerros da raça Holandês, sendo, portanto, duas fontes energéticas passíveis de utilização em dietas sólidas de bovinos em aleitamento. O tratamento com 5% de melaço resultou em maior concentração total de ácidos graxos de cadeia curta e também de ácido propiônico, quando comparado ao controle, não sendo diferente dos outros tratamentos. Estes resultados indicam um maior aporte de energia para os animais, uma vez que o ácido propiônico é precursor de glicose no fígado dos ruminantes. A avaliação dos dados mostra uma tendência de maior consumo e maior ganho de peso para animais recebendo concentrado contendo 10% de melaço, mas as diferenças não foram significativas.
Os resultados mostram que a substituição de milho por estes co-produtos é viável, uma vez que não ocorrem reduções no desempenho dos animais. No entanto, os benefícios esperados, como maior consumo de concentrado, além de controle de pH ruminal (substituição de milho por polpa), e conseqüente maior desempenho, não foram observados. Existem algumas vantagens em termos de fermentação ruminal, o que sugere que possa haver benefícios na vida futura. O objetivo do trabalho foi avaliar os animais até a 8ª semana, mas é provável que os benefícios fossem maiores após o desaleitamento, quando o consumo de concentrado é maior.
Do ponto de vista econômico, é importante ter alternativas para a formulação de concentrados para animais mais jovens sabendo-se taxas seguras de substituição. Alguns co-produtos podem aumentar casos de diarréias e reduzir desempenho dos animais, além de aumentar os custos com tratamento veterinários, por isso a necessidade de estabelecimento de taxas de inclusão seguras.