Alguns trabalhos de pesquisa mostram aumentos extraordinários na contagem bacteriana em leite (Moore et al., 2009) e colostro (Stewart et al., 2005) que permanecem sem refrigeração a espera do fornecimento. Isso também tem sido observado em leite pasteurizado que não é devidamente refrigerado até o momento do fornecimento aos animais (Elizondo-Salazar et al., 2010). Assim, quando a refrigeração não é possível, seja por que não está disponível, ou por que a dieta líquida é fornecida à vontade o dia todo, uma saída é a acidificação.
A acidificação é uma prática antiga e se iniciou com estudos de fermentação de colostro e leite de transição, processo que por si só já reduz o pH da dieta líquida. Mas, essa acidificação pode ser realizada através da adição de ácidos a dieta líquida, tendo sido avaliada a inclusão de diferentes ácidos como ácido acético, ácido propiônico, ácido fórmico e formaldeído. No caso da acidificação de leite ou de sucedâneos, os melhores resultados tem sido observados com ácido fórmico, o qual foi proibido nos EUA por questões de segurança do tratador; e com ácido cítrico, apesar de haver dados na literatura com adição dos mais variados ácidos (Chase, 2011).
O ácido cítrico tem sido o mais recomendado por técnicos onde o fornecimento de dieta líquida a vontade é comum. Isso por que é reconhecido como seguro, sendo incluído em algumas fórmulas comerciais de sucedâneos, o que normalmente reduz o pH a 5,4-5,6. O ácido cítrico é um pó que pode causar irritação das mucosas de forma que seu manuseio requer treinamento e grande cuidado.
O volume de ácido a ser adicionado varia com a dieta líquida, a qualidade da água quando se fornece sucedâneo, além do teor de sólidos do mesmo, de forma que não existe uma recomendação fixa. O importante é reduzir o pH a valores entre 4,5 e 4,2 com adição destes ácidos, quando a acidificação desejada é total; ou em torno de 5 - 5,2 com acidificação parcial. O nível de acidificação irá influenciar no crescimento bacteriano uma vez que as bactérias tem diferentes faixas de pH para ótimo crescimento e para sua inativação ou perda de atividade (Tabela 1).
Tabela 1. Valores de pH para crescimento ótimo e para perda de atividade.
Essa variação nos valores obtidos com a inclusão de ácidos na dieta líquida sugere que mensurações devam ser realizadas periodicamente para correção do pH. Um exemplo interessante deste problema é que durante um tempo o ácido propiônico foi bastante utilizado, tendo uma recomendação fixa de adição que resultava em grande variação no pH de acordo com os fatores listados anteriormente. Assim, eram observados valores de pH entre 4,1 e 5,0, resultando em menor consumo voluntário. Outros trabalhos também mostram problemas de aceitabilidade, como menor rejeição para dieta com pH de 5,2 em comparação com 4,2, com adição de ácido cítrico (Hill et al., 2013). Muitas vezes o fornecimento em utensílios com bicos, seja mamadeira, bibeirão ou containers, reduz a rejeição por reduzir problemas relacionados ao odor da dieta líquida.
A acidificação da dieta líquida pode resultar na acidificação do trato digestório, levando a redução do crescimento bacteriano no intestino delgado e ao aumento da digestão enzimática. O pH mais ácido no trato controla a proliferação de E. coli e promove o crescimento de lactobacilos (Roy, 1980). Muito embora a redução no pH seja efetiva em acidificar o abomaso, auxiliando muitas vezes na formação do coágulo no caso do fornecimento de leite, a secreção de suco pancreático e bile rapidamente neutralizam essa acidez no intestino. Entretanto, a acidificação geralmente não afeta o desempenho dos bezerros, quando comparada com outra dieta de alta qualidade (baixa contagem microbiana) como mostra a literatura (Woodford et al., 1987; Raeth-Knight et al., 2009; Ribeiro et al., 2009; Hill et al., 2013). De maneira geral, a adição de ácidos não resulta em alteração, positiva ou negativa, no ganho de peso dos animais. Alguns trabalhos relatam escore fecal normal (Jaster et al., 1990) ou menor fluidez nas fezes (Woodford et al., 1987) de bezerros aleitados com dieta líquida acidificada, muito embora animais do grupo controle não tenham apresentado problemas desta natureza.
Alguns veterinários tem sugerido a inclusão de vinagre na dieta líquida de bezerras aleitadas duas vezes ao dia numa taxa de 10 mL/L, o que resulta em abaixamento do pH da ordem de 0,1. Alterar o pH de 6,4 para 6,3, por exemplo, não traz nenhum benefício pensando em acidificação do trato digestório e muito menos no que diz respeito a manutenção de baixas contagens bacterianas, uma vez que a dieta é fornecida rapidamente. Maiores doses, como as sugeridas em alguns sites da internet, de 20 mL/L podem acidificar o trato digestório de maneira mais eficiente, mas aumenta o tempo de mão de obra no aleitamento. No caso do vinagre de maçã, existem algumas sugestões de que a pectina residual pode se ligar a patógenos no intestino, mas isso nunca foi avaliado em bezerros.
Os benefícios da acidificação são observados em sistemas que adotam aleitamento a vontade (ad libitum), os quais dependem de estratégias para manutenção da qualidade da dieta líquida. Os benefícios da acidificação em sistemas de aleitamento com menores volumes de dieta líquida (2 ou 3 refeições ao dia) não são evidentes e não compensam o aumento no custo e tempo de mão de obra. O mais importante é lembrar que aditivos não substituem manejo. Assim, lembre-se que ordenha adequada para manutenção de baixa CCS e adequada higiene dos utensílios de aleitamento são essenciais para adequado desempenho de bezerras.
Referências bibliográficas
Anderson, N. G. 2013. Group housing and feeding of milk-fed calves: Moving closer to nature’s way. Ontario Ministry of Agriculture, Food and Rural Affairs. Accesso em novembro, 2015.
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Elizondo-Salazar, J.A., Jones, C.M., Heinrichs, A.J. 2010. Evaluation of calf milk pasteurization systems on 6 Pennsylvania dairy farms. J. Dairy Sci. 93 :5509–5513.
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