Dentre as causas de mortalidade na fase de aleitamento, a diarréia é considerada como a principal, respondendo por cerca de 56% das causas de mortes em rebanhos americanos, seguida por doenças respiratórias (USDA, 2008). Esta moléstia não é apenas o principal fator que contribui para aumentar a taxa mortalidade, mas também por diminuir a taxa de crescimento, reduzir a eficiência de utilização dos alimentos e, principalmente, por reduzir a resistência do sistema imune do animal a outras doenças.
A diarréia é um sinal clínico de uma disfunção do trato digestório, sendo um dos principais mecanismos de reação deste contra bactérias patogênicas, vírus ou dieta com nutrientes indigestíveis. Esta disfunção se traduz em secreção e relativa falta de absorção intestinal que resulta em perda de fluidos, eletrólitos e nutrientes, resultando em fezes com menos que 12% de matéria seca. Esse sinal clínico é de fácil diagnóstico, porém não é específico. Efetivamente, esse sinal clínico é encontrado em uma série de doenças em animais jovens, devido a vários agentes: esses agentes podem atuar simultaneamente para produzir a doença no bezerro.
Normalmente, esse grupo de doenças é chamado de "enterites", entretanto a típica inflamação da mucosa pode não ser presente. Por exemplo, quando a diarréia é associada com cepas enterotoxigênicas de E. Coli há um grande aumento de secreção de líquidos devido à presença de enterotoxinas, com lesões menores da mucosa intestinal.
Em nível individual, o diagnóstico preciso não é sempre indispensável, porque não afeta o curso das ações a tomar (em geral, a reidratação de urgência seguido por uma série de medidas de higiene e tratamento de suporte). No entanto, em nível de rebanho, o diagnóstico é importante, e tem consequências para o manejo sanitário, principalmente no que diz respeito a vacinação de vacas pré-parto. Uma vez que agentes infecciosos são responsáveis pelos surtos, o diagnóstico etiológico de diarréia deve ser feito o mais rápido possível de forma a se verificar quais os agentes circulantes no rebanho. Um tratamento adaptado pode ser proposto após o diagnóstico e, sobretudo, o diagnóstico pode ajudar a definir uma profilaxia adaptada de acordo com a imunização de vacas e bezerros assim como a modificação do manejo do rebanho nas áreas de alimentação, controle do parasitismo, etc.
Finalmente, é importante também verificar se o surto se deve a um patógeno zoonótico, tais como Salmonella, Campylobacter, e outros.
Portanto, a fim de adaptar medidas terapêuticas e profiláticas, é de importância buscar a etiologia precisa dos transtornos digestivos.
Epidemiologia
A diarréia neonatal normalmente ocorre em bezerros com menos de seis semanas de idade, entretanto, bezerros com mais de quatro meses de idade também podem ser infectados, ocorrendo principalmente em animais criados em lotes e em ambientes fechados.
Todos os principais patógenos entéricos são normalmente hospedados por vacas adultas assintomáticas e a disseminação de muitas espécies de agentes patogênicos tende a aumentar em torno da época do parto. O que sugere que quanto melhor o ambiente ao parto, menores as chances dos bezerros serem infectado. Bezerros saudáveis são muitas vezes assintomáticos ou possuem uma infecção subclínica com patógenos entéricos e com isso pode haver uma ampliação da contaminação ambiental, facilitando a transmissão para outros animais, principalmente quando estão agrupados.
Muitos outros animais, incluindo animais selvagens e domésticos, também podem contribuir para a contaminação de bezerros com patógenos como Cryptosporidium, Salmonella ou rotavírus. Assim, é sempre bom lembrar que a presença de galinhas, cães e gatos em bezerreiros auxilia a disseminação de patógenos.
Devido a sua etiologia infecciosa, a incidência de diarréia aumenta em rebanhos onde o manejo de colostro é inadequado e consequente falha de aquisição de imunidade passiva.
Etiologia
A diarréia em bezerros é uma doença multifatorial que pode ser resultado da combinação de ambiente inadequado, imunidade baixa dos animais e contato com agentes infecciosos. Apesar da deficiência de só um desses fatores poder levar à doença, os surtos de diarréia geralmente refletem um problema em todas as três áreas. Por isso, para resolver esse problema em nível de rebanho, é importante avaliar todos os fatores de risco e implementar um manejo preventivo.
Vários agentes patogênicos podem, isoladamente ou, mais frequentemente, em conjunto, provocar diarréia em bezerros jovens. Estes agentes podem também atuar sucessivamente no mesmo bezerro ou entre bezerros em um mesmo rebanho. Agentes enteropatogênicos estão normalmente presentes no ambiente dos bezerros ou são hospedados pelas vacas e disseminados para outros animais do rebanho: animais doentes, convalescentes ou portadores assintomáticos.
Os principais agentes responsáveis pela diarréia em bezerros são as bactérias (especialmente a Escherichia coli), parasitas (principalmente Cryptosporidium) e, finalmente os vírus (entre eles, particularmente o rotavírus e o coronavírus a um menor grau) (Tabela 1).
Agentes enteropatogênicos são frequentemente isolados de fezes de bezerros com diarréia que não foram previamente tratados com antibióticos, sendo a E. coli a mais comum. A E. coli pode ser encontrada isolada em apenas na metade dos casos, mas uma ação de vários agentes em conjunto não pode ser descartada. Em outros casos, a E. coli é isolada, juntamente com outros agentes como Cryptosporidium, rotavírus, coronavírus e torovírus.
Finalmente, um ponto essencial que devemos levar em consideração é que qualquer que seja o patógeno responsável, a diarréia frequentemente acomete bezerros podendo levar a uma toxemia e/ou septicemia que complicam e agravam o prognóstico da doença.
Tabela 1. Resumo dos principais agentes patogênicos responsáveis pela diarréia em bezerros.

Diagnóstico clínico
Diagnóstico prático começa com um exame clínico completo dos bezerros afetados, realizando-se medidas de temperatura, freqüência respiratória, além de avaliar a condição geral do bezerro e seu nível de desidratação.
O aspecto da diarréia pode ajudar a orientar o diagnóstico que será baseado nos sintomas associados juntamente com a idade dos animais afetados (Tabela 2). Efetivamente, cada doença neonatal caracterizada por diarréia nos bezerros tem seu pico de incidência em uma idade específica como mostra a Figura 1.
Tabela 2. Elementos úteis para o diagnóstico diferencial de diarréia em bezerros.


Figura 1. Incidência de diarréia de acordo com a idade dos bezerros.
A colibacilose é geralmente observada em bezerros bastante jovens (menos de 5 dias de idade) enquanto a coccidiose afeta preferencialmente bezerros acima de 3 semanas.
Por causa do curso patogênico da diarréia, o animal afetado normalmente apresentará desidratação junto com uma acidose pouco ou bastante severa relacionada com perda fecal de bicarbonato ou produção de L-lactato seguida de desidratação ou produção de D-lactato pelos Lactobacilos. A idade do animal desempenha um grande papel na susceptibilidade do bezerro para diarréia. Desidratação e acidose (especialmente a acidose D-lática que ocorre na "diarréia sem desidratação" no décimo dia de idade dos bezerros) têm consequências sistêmicas levando o animal a decúbito, depressão, ou até mesmo insuficiência cardíaca ou renal. Hipotermia ou morbidez também podem ser observadas nos animais afetados.
Juntamente com a idade dos bezerros afetados, a observação dos efeitos sistêmicos e sua severidade pode ajudar no diagnóstico. Por exemplo, uma febre com temperatura superior a 40,5-41ºC e alta taxa de mortalidade pode levar a suspeita de colibacilose, salmonelose ou coronavírus. Em contrapartida, uma baixa mortalidade é bastante sugestiva para rotavírus. Nós podemos também notar que a ausência ou a presença de hipertermia nos animais afetados determina a escolha do tratamento que será feito, levando em conta a responsabilidade e prudência na utilização dos antibióticos.
Quando a diarréia é acompanhada de morte, o médico pode obter informações importantes realizando um exame de necropsia. A necropsia também ajuda evidenciando a possível implicação do patógeno suspeito causador da diarréia: é preciso ter em mente que a presença de um enteropatógeno em um bezerro afetado não é suficiente para provar o seu papel no processo patogênico. Na verdade, é normal existir portadores assintomáticos e hospedeiros, e a evidência de lesões associadas é necessária para demonstrar a implicação de um patógeno suspeito.
Considerações
A diarréia neonatal continua sendo a doença de maior importância nos bezerros com menos de 4 semanas de idade, responsável por enormes prejuízos econômicos. Vários enteropatógenos podem atuar sucessivamente ou em conjunto para um surto de diarréia em um rebanho onde fatores de risco estão presentes, prejudicando a imunidade dos bezerros, especialmente quando há falhas na transferência de imunidade passiva.
Embora a diarréia neonatal em bezerros seja bastante fácil de identificar, um diagnóstico etiológico preciso é de difícil realização. Em rebanhos onde a taxa de infecção é crescente é indispensável adaptar tratamentos corretos e acima de tudo tomar medidas preventivas. Também é útil ter o conhecimento do agente etiológico em relação a problemas de saúde pública.
Referências bibliográficas
MILLEMANN, Y. Diagnosis of neonatal calf diarrhea. Revue Méd. Vét., 2009, 160, 8-9, p. 404-409.