Além de transferir imunidade, o colostro é uma excelente fonte de nutrientes necessários aos bovinos neonatos, particularmente aqueles que são minimamente transferidos via placenta, como as vitaminas lipossolúveis. Os bezerros também necessitam de energia e proteína para se manter durante os primeiros dias de vida, assim como fatores de crescimento e outros nutrientes que são concentrados na primeira secreção láctea da matriz recém-parida. Alguns trabalhos tem mostrado a importância destes fatores de crescimento na vida produtiva do animal.
No entanto, a maioria das pesquisas com colostro tem focado apenas na concentração de imunoglobulinas G (IgG), ignorando outras IgGs, a composição em nutrientes, além dos fatores de crescimento. Embora a transferência de IgG seja o fator mais importante para a saúde e sobrevivência do bezerro, é possível que o foco exclusivo na IgG tenha ofuscado o valor de outros componentes do colostro. Além disso, são limitados os trabalhos que tem examinado a relação entre os valores nutritivos do colostro e práticas de manejo. A elucidação das concentrações normais desses componentes e a avaliação do impacto das praticas de manejo pode fornecer alternativas para a melhoria na saúde de bezerras leiteiras.
Na tentativa de conhecer um pouco mais sobre essas interações, um grupo de pesquisadores de Wisconsin (Kehoe et al., 2007), realizaram um levantamento das principais práticas de manejo e avaliaram a qualidade nutricional do colostro em fazendas leiteira da Pensilvânia. Os pesquisadores desenvolveram um questionário contendo questões sobre o manejo do colostro, o qual incluía procedimentos de ordenha, armazenamento de colostro e protocolo de tratamento. Além disso, questões referentes ao tempo para a primeira alimentação após o parto, volume ingerido de colostro e método de alimentação. Um total de 55 fazendas foram pesquisadas e amostras de colostro foram coletadas para determinação da composição.
O conteúdo médio de gordura das amostras de colostro foi 6,7 ± 4,2% (Tabela 1) e teve baixa correlação com os níveis dietético de gordura na alimentação de vacas gestantes. A proteína apresentou um teor médio de 14,9 %, valor este bem semelhante as revisões apresentadas; da mesma forma que o teor de gordura, o conteúdo proteico foi pouco influenciado pela nutrição da gestante. A concentração de lactose é reduzida no colostro e ao contrário dos outros nutrientes, aumenta com as ordenhas. Este fato coincide com a fisiologia do bezerro neonato, uma vez que a lactase é encontrada em baixa concentração ao nascimento e aumenta ao longo do tempo.
A concentração de IgG foi de 34,9 ± 12,2 mg/mL (Tabela 1), sendo a IgG1 responsável por 85% deste valor. Pesquisas anteriores mostraram que a disponibilidade de nutriente para vacas no pré-parto não tem afetado significativamente o conteúdo de IgG no colostro. Um grande número de outros fatores foram os responsáveis pelo conteúdo de IgG no colostro, como: o volume de colostro produzido, número de partos, raça, duração do período seco, vacinação, entre outros.
Tabela 1 – Composição de amostras de colostro coletados de vacas na Pensilvânia
A lactoferrina é uma glicoproteína que se liga ao ferro e tem se mostrado como importante agente na redução da mortalidade e na melhora do crescimento de bezerros neonatos. No presente estudo, a média de lactoferrina foi de 0,82% ± 0.54 mg/mL. As vitaminas lipossolúveis são importantes componentes do colostro, embora o tocoferol passe através da membrana fetal e seja armazenado no feto, os neonatos ainda nascem com baixo nível de tocoferol.
Com relação ao manejo, o questionário envolvia questões relacionadas desde a vaca seca incluindo vacinação, instalações, suplementos vitamínicos entre outros, até a colostragem dos recém-nascidos (Tabela 2). A palha foi o material predominante como cama nas baias de maternidade, provavelmente devido ao custo e disponiblidade deste material naquela região. Todas as fazendas avaliadas vacinavam as vacas secas; dessas, 29% usavam vacinas para Escherichia Coli e Diarreia Bovina Viral. Quando aplicadas no momento correto, essas vacinas aumentam a transferência de IgG para a doença específica e aumenta a proteção dos bezerros através da transferência passiva.
Tabela 2 – Respostas do questionário relacionado ao menjo de vaca seca e novilhas antes do parto, em função do tamanho do rebanho (pequeno <100 vacas; médio 101 a 200 vacas; grande >200 vacas), em %
A quantidade e o tempo para que o colostro seja oferecido para as bezerras também foi pesquisado (Tabela 3). Os bezerros foram alimentados por mamadeira em 87% das fazendas e somente uma fazenda permitiu que o bezerro mamasse diretamente da mãe. Estes dados mostram uma evolução, quando comparado levantamentos anteriores que reportaram 22% dos bezerros mamando na própria mãe. Os bezerros precisam receber colostro o mais rápido possível para que a transferência de imunidade passiva seja adequada e a maioria das fazendas forneceu colostro aos bezerros dentro de 4 horas após o parto. Os bezerros receberam colostro em um tempo médio de 2,7 horas depois do parto, sendo que 43,6% das fazendas alimentaram os bezerros com colostro dentro de 2 horas depois do parto e em 51% das fazendas este tempo foi de 2 a 6 horas.
Tabela 3 – Respostas do questionário relacionado a alimentação de colostro pelos recém-nascidos, em função do tamanho do rebanho (pequeno <100 vacas; médio 101 a 200 vacas; grande >200 vacas), em %
Com relação ao volume de colostro consumido, este variou de 2 a 4 litros de colostro de primeira ordenha para 57% das fazendas entrevistas e foi de 1,89 litros em 37% das fazendas. Além disso, apenas 74% das fazendas alimentavam os bezerros com colostro de segunda ordenha. O uso de banco de colostro foi da ordem de 38% (Tabela 3), valor superior a levantamentos anteriores (22%). A manipulação, armazenamento e ordenha do colostro também foram investigados na pesquisa e os resultados são apresentados na Tabela 4. O uso de colostro congelado aumentou de 22% para 38%, indicando um aumento da conscientização do fornecimento do colostro na hora oportuna.
Tabela 4 –Respostas do questionário relacionado ao manejo e armazenamento de colostro, em função do tamanho do rebanho (pequeno <100 vacas; médio 101 a 200 vacas; grande >200 vacas), em %
Foi realizada uma correlação entre os dados do questionário e a composição nutricional do colostro, entretanto, poucas foram as correlações significativas. Fazendas com média de CCS <200.000, no mês anterior a coleta do colostro, apresentaram colostro com maior quantidade de tocoferol, vitamina A, potássio e IgG2 quando comparado a fazendas com CCS >200.000.
O tamanho da fazenda, bem como o manejo adotado pela mesma, pode refletir na qualidade do colostro, por exemplo, fazendas menores suplementam menos as vacas seca com premix mineral-vitamínico. O colostrômetro foi usado em 43% das grandes fazendas e 10 e 12% nas fazendas médias e pequenas, respectivamente. Em 11% das grandes fazendas o pasteurizador é utilizado, o que não ocorre em nenhuma fazenda com menos de 200 vacas. Isso pode ser devido a disponibilidade de recursos e do volume de leite pasteurizado. Fazendas que utilizam o pasteurizador também adotam o colostrômetro, armazenam mais colostro e não permitem que os bezerros mamem direto na mãe.
Nas fazendas pequenas, 59% não armazenam colostro enquanto este valor é de 21% nas fazendas grande. Provavelmente, por apresentarem uma quantidade menor de bezerros e esses tenderem a mamar o colostro diretamente da mãe. Tal fato, pode predispor o recém-nascido a falhas na transferência de imunidade passiva, aumentando taxas de mortalidade.
Fazendas grandes tendem a ordenhar a vaca logo após o parto mais rápido do que fazendas médias e pequenas. Nenhuma fazenda grande ordenhou a vaca dentro de 1 a 2 horas após o parto, comparado com 10% das fazendas com menos de 200 vacas. Em 68% das fazendas grandes as vacas foram ordenhadas dentro de 2 a 6 horas após o parto, comparado com 60 e 35 % das fazendas médias e pequenas. Entretanto, 67% das fazendas grandes reportaram que o intervalo entre o parto e a ordenha é o mesmo durante o dia ou a noite. Em contraste, 40 e 35% das fazendas médias e pequenas apresentam um intervalo maior quando o parto acontece durante a noite.
Os resultados de amostra de colostro e manejo em fazendas com diferentes tamanho mostraram que fazendas menores foram manejadas diferentemente de fazendas maiores. Essas diferenças incluem disponibilidade de funcionários, recursos financeiros e alimentação, o que resultou em diferenças significativas no manejo e composição do colostro. Com base em dados de pesquisas anteriores, pode-se constar que houve melhorias no manejo e alimentação de colostro, uma vez que produtores aumentaram o volume de colostro fornecido de 2,7 para 3,5 kg e reduziram o tempo no qual os bezerros recebem este colostro de 2,6 para 2,4 horas. Além disso, a quantidade de fazendas que armazenam colostro e de fazendas que separam o bezerro da mãe e fornecem o colostro manualmente foi superior.
Diferenças foram encontradas no manejo e na concentração de nutrientes entre fazendas pequenas e grandes. Fazendas maiores apresentaram um tempo mais longo em ordenhar as vacas recém-paridas após o parto, maior CCS e menor conteúdo de nutrientes no colostro comparado com fazendas menores. Entretanto, uma quantidade maior de fazendas grande armazenam colostro, fornecem suplemento mineral-vitamínico e usam o colostrômetro, comparado com fazendas menores, entretanto, ainda há espaço para melhorias.
Referência
Kehoe, S. I.; Jayarao,B. M.; Heinrichs, A. J.A Survey of Bovine Colostrum Composition and Colostrum ManagementPractices on Pennsylvania Dairy Farms.J. Dairy Sci. 90:4108–4116