1 Universidade do Estado de Santa Catarina – Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV/UDESC)
Em continuação à série de artigos com informações científicas sobre cruzamentos entre raças leiteiras especializadas, em especial Holandês x Jersey, vamos abordar aspectos reprodutivos, os quais representam um ponto crítico para a lucratividade nos sistemas de produção de leite. Índices de fertilidade, bem como facilidade de parto, são pontos que merecem atenção cada vez maior, visto que os elevados ganhos genéticos para produção de leite têm levado a uma maior eficiência alimentar, porém com aumento do déficit energético das vacas no período de transição pós-parto. Este fato tem levado a problemas nas raças especializadas, especialmente em eficiência reprodutiva, longevidade e resistência a doenças, prejudicando o desempenho econômico das propriedades leiteiras (RODRIGUEZ-MARTINEZ et al., 2008).
Pergunta-se: o cruzamento entre raças leiteiras especializadas pode ser uma alternativa para incrementar a eficiência reprodutiva, especialmente em rebanhos da raça Holandesa? Uma série de trabalhos têm demonstrado alguma superioridade da raça Jersey em relação à Holandesa em termos de eficiência reprodutiva (THALER NETO, 2009), tema este que pretendemos abordar em outro artigo. Torna-se importante avaliar se o cruzamento entre estas raças também pode incrementar a fertilidade dos rebanhos.
Algumas pesquisas apontam para uma maior fertilidade nas vacas mestiças em relação a vacas puras da raça Holandesa. Sorensen et al. (2008) apontam que pode ser esperada uma heterose de aproximadamente 10% para fertilidade em sistemas de cruzamento entre raças leiteiras especializadas.
Nos Estados Unidos, antes de iniciar programas de pesquisa sobre cruzamento de Holandês x Jersey, foi aplicado um questionário a produtores que possuem animais mestiços em seus rebanhos, com o objetivo de verificar a impressão sobre os animais cruzados (WEIGEL e BARLASS, 2003). Na opinião dos produtores, vacas mestiças e Jersey apresentam maior taxa de concepção em relação às da raça Holandesa. Posteriormente, em um experimento naquele pais, com vacas confinadas, Heins et al. (2008) também observaram maior percentual de vacas mestiças prenhas aos 150 e 180 dias pós-parto em comparação a vacas da raça Holandesa (75 vs. 59 e 77 vs. 61%, respectivamente). Em um experimento recente nos Estados Unidos, com vacas de 1º. e 2º. partos, Brown et al. (2012) também observaram superioridade de vacas F1 Holandês x Jersey em relação à raça O número de dias em aberto, para vacas das raças Holandesa, Jersey e mestiças foram 169±8, 132±10 e 127±8, respectivamente, assim como o e número de serviços por concepção foi maior para Holandês (2,4 ± 0,1) comparadas às mestiças (1,9 ± 0,1), e Jersey (2,1 ±0,2).
Resultados sobre o desempenho reprodutivo de vacas com outros percentuais das raças Holandesa e Jersey ainda são escassos. Auldist et al. (2007), avaliando quatro rebanhos manejados à pasto, com estação de monta primaveril na Austrália, encontrou maiores taxas de concepção ao primeiro serviço nas vacas mestiças Holandês x Jersey de diversos graus de sangue (25 a 75% de cada uma das raças) em relação às puras Holandês (52 vs. 42%), assim como maiores taxas de prenhez, na sexta (68 vs. 54%) e décima quarta semanas após o início do período de inseminação artificial (86 vs. 78%). Entretanto, em um estudo desenvolvido por Bjelland e colaboradores (2010) nos Estados Unidos, nos quais vacas da raça Holandesa foram acasalados com touros ½ Holandês x Jersey não provados, até o momento não foi observada superioridade das vacas ¾ Holandês em relação às pura Holandês. Mais dados sobre as gerações subsequentes devem estar disponíveis nos próximos anos, visto que a maior parte dos rebanhos experimentais ainda tem poucos animais com estas composições.
A busca por animais maiores, com maior capacidade de produção, através dos programas de melhoramento animal, também fez com que bezerros nascessem maiores, tornando a distocia cada vez mais comum em muitos rebanhos leiteiros (MEE, 2008). Atualmente os partos difíceis em vacas de primeira cria para a raça Holandesa nos Estados Unidos representam 8,1%, não representando problema considerável na raça Jersey (ARS/USDA., 2012).
Alternativas visando reduções de partos distócicos também estão sendo buscadas por técnicos e produtores. A utilização de touros com maior facilidade de parto e até mesmo cruzamentos com outras raças leiteiras estão sendo intensamente testados. O uso de touros da raça Jersey pode ser uma alternativa para diminuir a distocia em rebanhos da raça Holandesa. A utilização de touros Jersey em vacas puras Holandês diminui a prevalência de problemas de parto, estando relacionado, entre outros fatores, à redução do tamanho da cria. Na opinião de produtores dos Estados Unidos, a frequência de problemas de parto neste caso se assemelha ao que ocorre na raça Jersey (WEIGEL e BARLASS, 2003). Em um experimento realizado no rebanho experimental da UDESC em Lages – SC, não houve problemas de parto em vacas da raça Holandesa inseminadas com Jersey, contra 17,39% de partos difíceis quando as vacas da raça Holandesa eram inseminadas com touros Jersey (DIAS, 2010), com pesos médios ao nascimento de 35,2 e 42,8 kg., respectivamente. Na figura abaixo encontram-se imagens de algumas bezerras ½ sangue oriundas deste experimento.
As informações mais importantes para a decisão sobre o emprego de programas de cruzamento estão relacionadas à dificuldade de parto nas gerações seguintes, visto que em um sistema de cruzamento rotacionado invariavelmente, em algum momento deverá ser utilizado sêmen de touro Holandês em vacas mestiças, com tamanho menor. Através de questionário aplicado a produtores de leite, (WEIGEL e BARLASS, 2003), utilizando notas variando de 1 (poucos problemas de parto) a 5 (grande dificuldade), os produtores opinaram que a utilização de touros Holandês em vacas ½ Holandês x Jersey ou puras apresentaram escore médio levemente inferior em relação às puras Holandês (3,04 vs. 3,88), apesar do menor tamanho das vacas. Avaliando dados de um rebanho no Estado do Paraná, observamos resultados semelhantes aos acima descritos, sendo que vacas ½ Hol X Jer inseminadas com Holandês não diferiram das puras Holandês quanto a dificuldade de partos (P > 0,05), com 9,1 e 14,8% de partos difíceis, respectivamente (DAL PIZZOL, 2012).
Em um grande experimento, envolvendo rebanhos de três universidades norte americanas (OLSON et al., 2009) foi avaliada a facilidade de parto, sendo vacas das raças Holandesa e Jersey f inseminadas com touros de ambas as raças, resultando em 756 bezerros dos quatro grupamentos genéticos possíveis (HH, HJ. JH e JJ, sendo o primeiro a raça do pai e o segunda a raça da mãe). Observou-se maior facilidade de parto nos acasalamentos JH e JJ. Porém, o acasalamento HJ não determinou maior dificuldade de parto em relação às puras Holandês (HH). Pesos menores ao nascimento em todos os acasalamentos envolvendo a raça Jersey podem estar relacionados a estes resultados, sendo os pesos ao nascimento para HH, HJ. JH e JJ de 37.7, 29.1, 30.3 e 22.5 kg, respectivamente. Atualmente estamos desenvolvendo um experimento em um rebanho em Santa Catarina, o qual possui animais de diversos cruzamentos possíveis entre estas duas raças, de tal forma que em breve teremos informações desta natureza também para as nossas condições de criação.
A heterose esperada para facilidade de parto em rebanhos mestiços pode ser de 10 a 15% (SORENSEN et al., 2008), o que pode estar contribuindo para os resultados favoráveis em facilidade de parto.
Analisando os dados apresentados, podemos concluir que, apesar de necessitar mais pesquisas sobre a fertilidade e facilidade de parto em rebanhos cruzados, há indícios de que o emprego de sistemas de cruzamento com a raça Jersey em rebanhos da raça Holandesa pode permitir algum ganho em fertilidade. Da mesma forma, a facilidade de parto não parece ser um limitante para cruzamentos rotacionados entre as raças Holandesa e Jersey, apesar das diferenças em tamanho das mesmas.
Referencias Bibliográficas
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