O parasita que foi primeiramente descrito no Brasil e no norte da África em 1908, apresenta um ciclo de vida intracelular obrigatório (só se desenvolve dentro das células do hospedeiro) e uma distribuição de ocorrência mundial, tendo grande importância veterinária e médica por ser causa de aborto e doenças congênitas em várias espécies (CARNEIRO, 2006; TENTER et al., 2000).
A toxoplasmose representa uma das zoonoses (doenças que podem ser transmitidas dos animais aos seres humanos) mais difundidas em todo o mundo (SILVA et al., 2002), tendo sua distribuição influenciada por fatores climáticos, sócio-econômicos, tipo de contato com animais domésticos e costumes alimentares em relação ao consumo de carne e leite (MACIEL & ARAUJO, 2004). Em virtude da grande prevalência da doença há grande importância no combate da toxoplasmose como medida de saúde pública.
A enfermidade tem sido identificada como uma das principais causas de problemas reprodutivos em ovinos e caprinos, representando, portanto, uma importante fonte de prejuízos econômicos para a produção dos pequenos ruminantes. Nesse contexto, o objetivo dessa matéria é apresentar alguns dos principais aspectos relacionados a prevalência, transmissão, tratamento e prevenção da toxoplasmose de ovinos e caprinos.
A doença
Desde 1954, o parasita é descrito como agente etiológico de abortos na espécie ovina, sendo considerado o maior causador de problemas reprodutivos nesta espécie. Em estudo conduzido no Uruguai a toxoplasmose foi apontada como um dos problemas mais importantes nos rebanhos ovinos, promovendo prejuízos anuais de US$ 1,4 a 4,7 milhões (FREYRE et al., 1999). Munday & Mason, (1979) foram os primeiros a descreverem a toxoplasmose como importante causa de prejuízos reprodutivos também na espécie caprina, levando, geralmente, a quadros de aborto e infertilidade.
A enfermidade acomete preferencialmente animais mais velhos, havendo uma maior incidência em propriedades próximas a grandes centros urbanos e com pobre controle sanitário (FIGLIUOLO et al., 2004). O clima quente e úmido favorece o desenvolvimento da doença que se manifesta com maior freqüência em regiões com maior índice pluviométrico e preferencialmente nos meses de verão (RADOSTITS et al., 2002).
Transmissão
Os gatos domésticos e selvagens representam os hospedeiros definitivos do Toxoplasma e os principais responsáveis pela perpetuação da doença (BUXTON et al., 2006); eles se tornam infectados por consumirem carne crua, restos placentários e roedores contaminados (SMITH & SHERMAN, 1994). Após a contaminação os felinos eliminam formas císticas do parasita através das fezes, contaminando alimentos (como no caso de concentrados e fardos de feno), o meio ambiente (contaminação das pastagens) e fontes de aguada.
Ovinos e caprinos tornam-se infectados preferencialmente após a ingestão dos cistos do parasita (conhecidos também como oocistos esporulados) durante o pastoreio. Segundo Radostits et al., (2002), verifica-se uma associação positiva entre consumo de concentrado e incidência da toxoplasmose, situação provavelmente relacionada ao armazenamento da ração em áreas de fácil acesso de gatos e roedores.
No aparelho digestivo ocorre a liberação de formas infectantes do Toxoplasma, que através da corrente sanguínea (parasitemia) alcançam órgãos vitais como fígado, coração e cérebro. Nessa fase inicia-se o processo de reprodução do parasita (fase aguda da doença) e disseminação por outras células e tecidos do hospedeiro intermediário, formando, em muitas situações, cistos infectantes na carcaça dos animais. Quando a carne e o leite de ovinos e caprinos contaminados pelo Toxoplasma são consumidos se inicia um novo ciclo de vida do protozoário, garantindo a perpetuação do parasita (Figura 1).
Outra forma de transmissão, porém menos frequente, corresponde a via congênita ou vertical, que ocorre geralmente na fase aguda da doença através da passagem dos parasitas pela placenta, contaminando as crias ainda em ambiente uterino (BUXTON et al., 2006).
Já os humanos tornam-se infectados após a ingestão dos cistos do Toxoplasma presentes em carnes cruas ou mal cozidas e consumo de comida ou bebida contaminada com oocistos (DUBEY, 2009). A ingestão de carne de cordeiro mal cozida é considerada uma importante fonte de infecção para humanos, assim como o leite de cabra in natura, segundo trabalho de Chiari & Neves, (1984).
Figura 1: Ciclo biológico do Toxoplasma gondii envolvendo os hospedeiros intermediários e o gato doméstico como hospedeiro definitivo.
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Sinais Clínicos
Normalmente, o Toxoplasma. gondii parasita seu hospedeiro sem causar sinais clínicos (diversos trabalhos científicos abordam a Toxoplasmose como enfermidade de manifestação sub-clínica), porém é capaz de levar a uma doença severa principalmente na sua forma congênita (GARCIA et al., 1999). Entre os animais destinados à alimentação humana, os suínos, ovinos e caprinos são mais severamente infectados em relação aos equinos e bovinos (DUBEY & THULLIEZ, 1993).
Cabras e ovelhas podem apresentar episódios febris, anorexia e perda de peso durante a fase aguda da doença (cerca de 10 a 15 dias após a infecção). Classicamente a enfermidade causa aborto, falhas na concepção após cobertura ou inseminação artificial, maceração fetal (fetos morrem em ambiente uterino em virtude da contaminação pelo parasita) e fetos natimortos ou produtos debilitados no pós-parto. O aborto ocorre preferencialmente naqueles animais que adquiriram a enfermidade pela primeira vez durante a gestação, cerca de 5 a 10 dias após a fase de parasitemia (RADOSTITS et al., 2002).
Huffman et al., (1981) em estudo comparando a mortalidade de borregos produzidos por matrizes soropositivas ou soronegativas para a toxoplasmose observaram taxas de 30,7%a e 13,6%b, respectivamente, confirmando o grande prejuízo econômico da Toxoplasmose à produção ovina.
Torna-se razoável suspeitar da Toxoplasmose em caprinos quando se observam falhas na concepção pós-cobertura ou inseminação artificial, intervalo interestro alterado ou irregular e alto índice de perdas embrionárias (SMITH & SHERMAN, 1994).
Outros sinais clínicos menos frequentes como pneumonia, distúrbios hepáticos e encefalite podem se manifestar em animais e pessoas acometidas pela Toxoplasmose. A doença é considerada de caráter ocupacional para seres humanos, sendo observada uma maior incidência de casos em médicos veterinários, pecuaristas, funcionários agropecuários e magarefes por apresentarem maior possibilidade de contato com animais e insumos contaminados pelo Toxoplasma (RADOSTITS et al., 2002).
Diagnóstico e Tratamento
Diversas técnicas vêem sendo utilizadas para o diagnóstico da Toxoplasmose, destacando-se os exames sorológicos (realizados a partir de uma amostra de sangue dos animais suspeitos) através de imunofluorescência ou testes de aglutinação (SILVA et al., 2002), além de técnicas moleculares de identificação do parasita.
Nos casos de aborto onde a suspeita clínica recai sobre a Toxoplasmose preconiza-se o envio da placenta e do feto (com especial referência ao cérebro fetal) para o diagnóstico laboratorial da parasitose (WEISSMANN, 2003).
O controle terapêutico da Toxoplasmose é preconizado apenas para os surtos de abortamento nos quais houve o diagnóstico laboratorial da doença. Nessa situação, preconiza-se a administração de antibióticos como as sulfas potencializadas (sulfa-trimetropin) e antiparasitários como o decoquinato e monensina (este último especialmente tóxico e pouco palatável para ovinos e caprinos) que podem ser incorporados a dieta (BUXTON et al., 1996; RADOSTITS, et al., 2002; WEISSMANN, 2003).
Mais importante que o tratamento representa a profilaxia da doença. Nesse sentido, a Toxoplasmose pode ser evitada através de medidas simples como o controle de gatos (destacando-se iniciativas como a castração desses animais como alternativa de controle populacional) e roedores em ambientes rurais, adequado e restrito armazenamento de insumos e ração, medidas gerais de higiene de instalações, instrumentos agropecuários e cuidados pessoais de técnicos e funcionários (PAVLOVIC & IVANOVIC, 2005).
Outra possibilidade de prevenção representa a vacinação do rebanho (vacinas importadas para Toxoplasmose), conferindo proteção contra a manifestação clínica da doença e infecções persistentes (RADOSTITS, et al., 2002).
Cuidados gerais de higiene, adequado cozimento da carne e fervura do leite destacam-se como as principais medidas preventivas da Toxoplasmose para os seres humanos.
Referências bibliográficas
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