Considera-se como planta tóxica aquela que possui princípio ativo capaz de promover distúrbios em animais, sendo classificadas como de interesse pecuário especialmente às responsáveis por quadros de intoxicação sob condições naturais de pastejo (BARBOSA et al., 2007). Potencialmente qualquer planta apresenta certo grau de toxicidade, no entanto, pode-se considerar como tóxica a planta que promove sintomatologia de intoxicação após o contato ou ingestão.
Cerca de 110 espécies de plantas tóxicas são descritas no Brasil, sendo que destas destacam-se 15 que provocam sintomatologia nervosa em ruminantes como é o caso da planta Ipomoea asarifolia (RIET-CORREA et al., 2006), também conhecida popularmente como Salsa da Praia, Salsa, Batatarana e Salsa-Brava (KIILL & RANGA, 2003.
Figura 1 - Ovinos em pastejo em área de ocorrência da espécie Ipomoea asarifolia (A), com especial destaque para a coloração exuberante da flor da planta tóxica (B).
O gênero Ipomoea compreende plantas herbáceas de hábitos exclusivamente rasteiros, nativas das Américas, ocorrendo principalmente em regiões tropicais, sendo identificadas em praticamente todo o território nacional (embora apresente uma menor importância nos estados da região Sul do país).
A espécie representa uma planta perene da família Convolvulaceae que flora entre os meses de março a outubro e permanece verde todo o ano, povoando margens de córregos, rios, proximidade de reservatórios de água, terrenos baldios, beira de estradas, além de representarem importantes invasoras de pastagens por todo território nacional (KIILL & RANGA, 2003).
O desenvolvimento da espécie ocorre mesmo em solos de baixa fertilidade, identificando-se uma preferência por áreas arenosas para o pleno desenvolvimento da erva daninha.
Figura 2 - Pastagem degradada no município de Nova Soure/Bahia sendo invadida pela "Salsa-Brava" durante o período de estiagem.
Os principais fatores que predispõe o desenvolvimento das plantas tóxicas do gênero Ipomoea representam o superpastejo associado a degradação dos solos, sobretudo no caso da sobrecarga animal nas pastagens. Em virtude dessa característica, um maior número de plantas tóxicas podem ser encontradas no período seco, especialmente em propriedades de criação extensiva que trabalham com carga fixa de animais independente da época do ano.
Outras espécies como a Lantana camara, Pteridófitas (Samambaias), Palicurea marcgravii, Arrabidaea bilabiata destacam-se como importantes invasoras de pastagens, sobretudo no Brasil, e que também se beneficiam da degradação das pastagens para seu pleno estabelecimento.
Animais jovens, especialmente cordeiros, apresentam uma maior susceptibilidade aos quadros de intoxicação (RIET-CORREA et al., 2006), embora uma maior tendência ao desenvolvimento de quadros graves da enfermidade (evoluindo para o óbito) seja reportada para a espécie caprina (BARBOSA et al., 2005).
A toxicidade da Ipomoea asarifolia relaciona-se a síndrome tremorgênica (popularmente conhecida como doença "treme-treme") que acomete ovinos, caprinos e bovinos (RIET-CORREA et al., 2003). As intoxicações que ocorrem principalmente nas épocas secas do ano são estimuladas pela baixa disponibilidade de forragem, tendo em vista que a Ipomoea não apresenta boa palatabilidade o que dificulta a ingestão voluntária em situações onde existe a disponibilidade de forrageiras de qualidade.
O quadro clínico após a ingestão da salsa pode evoluir de forma subaguda a crônica, havendo a manutenção dos sintomas por vários dias. Geralmente só ocorre o óbito daqueles animais que apresentam um consumo contínuo da planta (MEDEIROS et al., 2003).
Dentre os sintomas da ingestão de Ipomoea destacam-se os tremores do corpo do animal que ocorre em 100% dos casos de intoxicação. Pode ser observado ainda a hiperemia das mucosas (sobretudo mucosas orais e oculares apresentando coloração avermelhada), opistótono (arqueamento de cabeça e pescoço que se voltam para a garupa do animal), hiper-excitabilidade, agitação, incoordenação motora, perda de equilíbrio e queda com decúbito lateral (Figura 3).
Mesmo restringindo o consumo através da retirada dos animais das pastagens invadidas pela Ipomoea, os sintomas clínicos da intoxicação, como é o caso da dificuldade de locomoção, podem se manifestar por até 30 dias (CHAVES et al., 2009). O diagnóstico da intoxicação pela salsa é realizado através da observação dos sintomas clínicos associados à identificação da planta na pastagem, especialmente nos períodos secos do ano.
Figura 3 - Sintomatologia característica da intoxicação por plantas do gênero Ipomoea em borregos. Na grande maioria dos casos ocorre incoordenação motora e perda de equilíbrio (A) que freqüentemente podem evoluir para queda com decúbito lateral e até mesmo a morte. (*Adaptado de TORTELLI et al., 2008).
Embora não se conheça até o presente o princípio ativo responsável pelos quadros de intoxicação relacionados ao consumo da Ipomoea asarifolia (TOKARNIA et al., 2000), alguns estudos sugerem que a substância tóxica atua na neurotransmissão nervosa, dificultando ou interferindo mecanismos bioquímicos responsáveis pela condução dos impulsos cerebrais (GUEDES et al., 2003).
Segundo Araújo et al., (2008) o princípio ativo responsável pelos sinais clínicos não é excretado através do leite. Segundo os autores, cordeiros amamentados por ovelhas experimentalmente intoxicadas não desencadearam a sintomatologia clínica da enfermidade.
Felizmente apenas a ingestão de grande quantidade da planta tóxica é capaz de desencadear a manifestação dos sinais clínicos da Ipomoea em ovinos e caprinos (RIET-CORREA et al., 2003), situação diferente da observada para a espécie bovina que exibe a "síndrome tremorgênica" grave a partir da ingestão de pequenas porções da erva daninha (BARBOSA et al., 2005; TOKARNIA et al., 2000).
A Salsa pode ocasionar os quadros de intoxicação mesmo quando consumida em seu estado seco em virtude da preservação do princípio ativo após à desidratação. De acordo com as observações de Araújo et al., (2008), os ovinos ingerem com maior facilidade as folhas secas caídas ao solo em relação a folhagem verde. Em virtude dessa característica, além do arrancamento da planta durante a limpeza das pastagens deve-se proceder o recolhimento e/ou queima dessa folhagem retiradas como principal medida de controle e prevenção da enfermidade.
Outras medidas preventivas incluem a retirada dos animais de pastagens invadidas pela Ipomoea asarifolia (medida que funciona como preventiva ou curativa se for realizada após o início dos surtos de intoxicação), cuidados com a qualidade e fertilidade dos solos, além de medidas gerais de manejo que impeçam a degradação das pastagens em virtude de alta lotação animal e falta de planejamento estratégico nutricional para o período da seca.
Referências bibliográficas
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