Durante os dias 07 e 08 de novembro, a Expo Dom Pedro, em Campinas/SP, foi palco da 9ª edição do Dairy Vision, evento que contou com a presença de mais de 400 agentes do setor e fez jus, mais uma vez, ao título de um dos principais fóruns de discussão da cadeia láctea no país e um dos mais representativos em conteúdo, no panorama mundial.
A primeira sessão do evento trouxe perspectivas do que esperar no panorama nacional e internacional no setor lácteo e contou com a palestra “O novo paradigma para a oferta de leite: como a demanda será suprida?”, apresentada por Scott Briggs, Diretor Administrativo na National Milk, Austrália.
Scott ajudou o público presente a compreender as implicações na oferta atual durante sua palestra, e logo após conversou com a equipe do MilkPoint para esclarecer ainda mais as perspectivas para o cenário do setor. Confira:
MilkPoint: Durante sua palestra você enfatizou as mudanças que demanda vem sofrendo. Como você entende que esse movimento deve impactar o mercado?
Scott: Meu objetivo foi enfatizar que a demanda está mudando muito, temos sentido muito a questão de inflação mundial que acaba impactando nos desejos de compra. Sendo assim, eu vejo que a oferta tem que pensar no que a demanda quer, para aí sim fornecer. A ideia é responder ao mercado, a oferta tem que responder aos pedidos do consumidor.
MilkPoint: Você comentou várias vezes que o Brasil tem oportunidades de crescimento, mas ele tem que pensar mundialmente, não só em proteger o mercado. Como você enxerga essa questão de proteção de mercado?
Scott: Estou vendo aqui muitas pessoas falando “a gente tem que proteger o mercado de importação”, mas também vejo que o Brasil está enfrentando muita dificuldade de crescer na produção de leite, muita dificuldade de ter mais produtos. Aí talvez fique difícil a gente ser competitivo. O país só perde com esse tipo de pensamento, porque ao pensar em apenas suprir o mercado interno, acaba atraindo ainda mais a importação. Por exemplo, na Austrália, a gente sempre pensava que a manteiga australiana nunca iria perder espaço na prateleira. Aí agora você vai lá, é tudo da Europa, da Nova Zelândia. A gente pensou que nunca poderia perder aquele mercado. Mas perdemos. A varejista vai pensar “eu posso pegar um produto melhor com um custo interessante” então ele vai ver pelo custo e qualidade na entrega. É o que vem acontecendo aqui. Precisa focar mais em aumentar a produção interna. Aqui a produção permanece andando de lada há vários anos, e isso acaba, de uma forma ou de outra, impactando as questões de mercado.
MilkPoint: E a China, como impactou as questões de oferta e demanda no mercado de lácteos mundial?
Scott: A oferta interna da China cresceu bastante. Por volta de 2014, 2015, o governo chinês estabeleceu que precisava de uma oferta interna maior de leite para não ficar na mão de fornecedores externos. Depois disso, a produção local cresceu de 30 bilhões de litros para 40. O que representa um grande crescimento, 30% em 5 anos, em um período curto. E também profissionalizou o setor. Foram construídas fazendas de 50 mil cabeças, 100 mil cabeças, com alta tecnologia etc. Então esse crescimento da China e o melhoramento da qualidade do produto, impactou na menor necessidade de importação Chinesa.
MilkPoint: E mesmo com esse aumento de produção interna, a China ainda permanece como grande player importador de lácteos?
Scott: Naquela época, a demanda estava crescendo também. No lado da oferta, o governo falou que deveria crescer a produção interna. Mas, também no lado de demanda, o governo estimulou o consumo para o povo. Isso foi até a época de covid, pois durante a pandemia, embora ainda existisse o consumo dentro das casas, grande parte do consumo de lácteos na China é fora de casa. Então, a parte da demanda caiu muito, tínhamos a oferta da China subindo 7%, 8% por ano, mas na época de Covid, a demanda parou de crescer; não caiu tanto, mas parou de crescer. Então, com isso, abriu-se um gap, e o que ela fez com esse leite? Ela produziu muito LPI (Leite em pó integral), aí ela parou de importar de outros países. Então, o que mudou lá na China para o longo prazo é que o país agora tem mais opções, mais flexibilidade, ela não tem que importar tanto a não ser que a demanda continue crescendo, e não acredito que vá crescer no mesmo ritmo que crescia antes. A China ainda vai ter necessidade de importar, mas não tanto como antes.
MilkPoint: Seguindo a linha de importação e exportação, você acredita que o Brasil possa vir a ser um exportador de lácteos?
Scott: Sim. Mas a produção interna tem que voltar a crescer. Estamos estagnados num volume de produção de cinco ou seis anos atrás, tem alguns grandes produtores que são os melhores do mundo. Aqui existe a produtividade altíssima, mas tem outros que são bem pequenininhos. Vai acontecer que, ao longo dos anos o maior produtor vai receber mais investimentos e o pequeno tende a sair da atividade. E tem o fato de que a indústria láctea é uma indústria cara, né? Cada fazenda custa, não sei quanto que custa aqui, mas se pegarmos a Austrália por exemplo, estamos falando de 5 milhões de dólares, 10 milhões de dólares, é muita coisa. Então, eu acredito que esse aumento de produção vai demorar, você tem falta de capital aqui e além de tudo é um processo que leva tempo. Pegando de exemplo o que já falamos da China, o governo estimulou, levou tempo até as grandes fazendas serem construídas para só depois a produção passar a crescer.
MilkPoint: Mudando um pouco para a produção porteira adentro, você comentou sobre as limitações da produção a pasto. Atualmente vemos um crescimento de produção de leite confinado, como você enxerga essa mudança do pasto para o Compost ou Freestall?
Scott: O leite e pasto cresceu muito entre 2005 e 2015 e parou de crescer. Todo terreno bom e barato já foi comprado. Isso foi um movimento que aconteceu no Uruguai, na Holanda, na Nova Zelândia. Toda a área destinada a produção de leite se já não está, uma hora vai estar toda ocupada. O que eu vejo que pode acontecer é a transformação desses espaços em apenas fornecedores de alimentos, silagem, grãos, pasto etc., que passam ser fornecedores para fazendas maiores, no caso, com animais confinados. A fazenda que trabalha a produção de leite confinada é capaz de ter uma maior eficiência produtiva. Mas acredito que seja um processo longo, não vai ser amanhã.
MilkPoint: Você acredita que o clima, com cada vez mais instabilidades, fenômenos naturais etc., acaba impactando na hora da escolha do sistema ser voltado ao confinado e não ao pasto, devido a maior possibilidade de controle?
Scott: O clima, com certeza, impacta. Por exemplo, os últimos 3 anos foram muito bons para a produção na Austrália, enquanto aqui teve problemas com secas etc. Agora estamos com uma boa precipitação aqui. Mas a gente não pode ter controle sobre isso, sobre o clima. E isso acaba impactando mais fortemente produções a pasto. Diante disso, em sistemas confinados essa variável é menos complexa: barracões bem planejados permitem que a eficiência se mantenha independente das condições climáticas.
Scott Briggs é Diretor administrativo na National Milk e Bridgecape Commodities, trabalha com soluções comerciais e logísticas para leite e derivados na Austrália Oferecendo opções inovadoras de gerenciamento de risco e financiamento para todos os membros da cadeia de suprimentos de lácteos australiana.
Você confere outros conteúdos sobre o Dairy Vision aqui. Continue acompanhando o MilkPoint, novos materiais e entrevistas com especialistas presentes no evento estão sendo preparados para você, e não deixe de reservar na sua agenda: durante os dias 05 e 06 de novembro de 2024, em Campinas, São Paulo, acontecerá a décima edição do Dairy Vision. Faça parte!