A quarta participante do projeto é a Ceres Qualidade – Assessoria e Consultoria, que atua em fazendas e empresas produtoras e processadoras de produtos de origem animal, realizando treinamentos, concepção de documentos da qualidade, implementando processos e sensibilização de produtores para atendimento de requisitos técnicos, com foco na certificação de qualidade e atendimento aos requisitos legais. A Ceres Qualidade é credenciada no Sebrae Paraná, em sistemas de qualidade, ambiental e agronegócio e no Sebrae Nacional para Encadeamento Produtivo.
Confira abaixo a entrevista realizada com Roberta Züge, médica veterinária pela USP (Universidade de São Paulo), com mestrado e doutorado pela mesma instituição e sócia da Ceres Qualidade. Em 2002, Roberta foi para o Paraná, após ser selecionada em um programa de captação de jovens doutores, pelo Governo do Estado. Atuou diretamente no setor produtivo, coordenando projetos e programas com foco na certificação de qualidade na pecuária. Realizou diversos cursos, inclusive fora do Brasil, onde aprofundou seus conhecimentos na área de certificação e qualidade no agronegócio. Por esta trajetória, coordenou o projeto para elaboração da norma brasileira de certificação da produção integrada de leite, para o MAPA/Inmetro. Tem colaborado na elaboração de outras normas por solicitação do MAPA.
MilkPoint - Quando foi criada a empresa, quais são as áreas de atuação e em qual(s) localidade (s) atuam?
“A empresa foi concebida em março de 2009. Havia demandas para consultorias para implantação de programas de qualidade no setor agropecuário. Eu já havia sido sócia de outra empresa de 2003 até 2006. No entanto, por questões de mudança de sócios e problemas pessoais deixei a empresa e fundei em 2009 a Ceres Qualidade. A atuação, até por necessidade dos clientes, tem um pluralidade mas mantém a premissa da qualidade e inovação no agronegócio. A empresa atende produtores rurais, que buscam o atendimento a requisitos de qualidade, ou aos atendimentos legais; atualmente também em trabalhos de inovação tecnológica em propriedades rurais.
Outro setor fortemente atendido pela Ceres são as indústrias que buscam aderência aos sistemas de inspeção. Nestas empresas realizamos desde a concepção de documentos, PPHOs, os autocontroles, registros, treinamentos, enfim todos os requisitos do SIF e Sisbi-Suasa, como também criamos programas de pagamento pela qualidade. As tarefas são customizadas com o perfil de cada laticínio, por exemplo, volumes de produção, ou a caracterização da demanda da empresa. Os itens podem variar de forma a serem impactantes dentro da indústria.
A Ceres também realiza projetos de viabilidade técnico e econômica, sempre no setor agropecuário. Já foi realizado inclusive para um laticínio, onde o projeto abrangeu desde a formação do rebanho até o ponto de venda. Neste trabalho o produtor somente possuia o terreno, tivemos que projetar toda a produção, processamento e comercialização. Há também uma área extensa de atendimento, hoje temos contratos firmados desde o Tocantins, até o Rio Grande do Sul. Mas a Ceres já desenvolveu trabalhos com a Argentina - um contrato para o Mercosul, e em diversos outros estados, Rondônia, Pará, São Paulo, entre outros.
Por serem desenvolvidas atividades diferenciadas, buscamos sair um pouco do trivial, acabamos tendo demanda de várias partes do Brasil. Outro ponto importante é que atuamos em simbiose com os profissionais que já trabalham nas propriedades e empresas. De modo geral, não vamos substituir os profissionais, mas realizar um serviço complementar e pontual. Assim, muitos profissionais nos indicam para os clientes”.
MilkPoint - Quantos profissionais fazem parte do quadro da empresa e qual é o perfil desses profissionais?
“Funcionários diretos são principalmente da área administrativa e contábil, assim como, uma equipe de estagiários. Os profissionais de nível superior são contratados por projetos específicos, em número e formação de modo a atender à demanda do cliente. Hoje estão atuando, cinco veterinários e um agrônomo. Mas há épocas em que este número mais que dobra. Já foram contratados até programadores e profissionais de designer, engenheiros eletricistas e ambientais”.
“O mercado de consultorias é bastante volátil, depende muito de demandas legais, da estabilidade e, infelizmente, da economia. O setor agropecuário, mesmo nesta crise que estamos presenciando, tem sido menos afetado, quando comparado com os demais. O que também se desdobra nas consultorias a serem realizadas. Além disso, o profissional deve ter uma sólida formação, com capacidade de empatia cognitiva muito forte. Ele precisa desenvolver a capacidade de olhar pela perspectiva do cliente. Conhecer muito sobre o assunto é imperativo, mas, isso deve estar aliado a uma visão estratégica e interdisciplinar. Poucos são os contratos que somente uma formação profissional abranja todas as necessidades do cliente. Até por isto, deve-se ter um dinamismo para contratar profissionais diferenciados. Apesar da nossa carga tributária ser muito grande, há uma dificuldade de contratos de forma autônoma com algumas empresas. Assim, caso o profissional deseje atingir outros nichos, a manutenção formal da empresa se faz necessária”.
MilkPoint - Quantos produtores de leite atendem (em volume de leite) e quais são os principais desafios encontrados hoje no campo?
“A Ceres Qualidade tem contratos diretos com indústrias lácteas, assim há um número muito expressivo de produtores que são atendidos, do mesmo modo, o volume de leite. Há empresas com mais de 500 produtores, com volumes dos mais variados possíveis. Também atendemos produtores individualmente. De modo geral, são produtores de leite de porte grande. A empresa também realiza consultoria em fazendas-escola, de uma fundação. A Ceres também atende uma grande Cooperativa Central, realizando os trabalhos diretamente nas cooperativas filiadas, o número de produtores é imenso. Nestas, são realizados treinamentos das equipes que fazem o trabalho individual de campo e posteriormente são monitorados pelos técnicos da Ceres.
Infelizmente, ainda se percebe que temos pouca assistência técnica no campo, ou ela é parcial, atendendo alguns pilares apenas de produção. Uma propriedade precisa de muitas competências, não necessariamente em regime integral, mas algumas ações precisam de especialistas. Quando há um programa liderado por uma empresa ou cooperativa, pode-se ter um atendimento mais amplo. Esta pode sistematizar os atendimentos, focando em ações prioritárias e difundindo intensamente o conhecimento. Trabalhar em cooperação, incluindo a troca de experiências, é benéfico a todos. O produtor precisa se despir da visão que o pecuarista ao lado é seu concorrente. Ele deve ser um aliado, que também mantém a sanidade do rebanho, produz com qualidade, ente outros. Todos são beneficiados quando a região possui o perfil para produzir leite”.
MilkPoint - Qual é o porte médio das propriedades atendidas hoje pela empresa?
“Como a Ceres Qualidade é uma empresa credenciada no Sebrae Paraná (escopo de qualidade, agronegócios e meio ambiente) e no Sebrae Nacional (em encadeamento produtivo no agronegócio), há, principalmente por meio do Sebrae, atendimento de clientes da agricultura familiar, assentamentos, etc. Do mesmo modo, há contratos diretos com a indústria, que financia a atividade desses pequenos produtores. Assim, temos clientes de 20 a 20.000 litros/dia. Esta diversidade tem sido muito importante para aprendizados, não somente técnicos, mas também de cunho social. Aprendemos a valorizar todas as formas de produção, já nos surpreendemos positivamente com melhorias que achávamos que não teríamos, pelo perfil do produtor, mas com a persuasão e muita psicologia conseguimos sensibilizar e mudar muitas práticas.
No final de 2015 finalizei um contrato, via Sebrae, com uma prefeitura, para atendimento de agroindústrias familiares, sendo várias delas produtoras e processadoras de leite. Na última visita em dezembro, uma produtora (que produz e processa 40 l/dia) ficou emocionada, pois, comentei que seria a última. Ela queria continuar recebendo nossas visitas! E nosso trabalho é considerado “chato”: criação e implantação de documentos, registros, mudanças na produção, ente outros, mas para ela, além da melhora na produção, havia toda uma atenção da equipe, o que a satisfazia pessoalmente. Com certeza o conhecimento técnico é fundamental, mas a forma de tratar as pessoas tem o mesmo peso”.
MilkPoint - Qual é o método de trabalho (fases do programa de trabalho) utilizado pela empresa?
“As propostas são customizadas conforme as demandas do cliente. Há empresas que buscam a concepção de programas de pagamento por qualidade. Nesses casos fazemos abordagens mais diretas. Outros buscam uma implementação de programas de qualidade, assim, temos cooperativas e até fazendas-escola que buscam conceber e implantar as boas práticas. Nestas, temos contratos bem mais longos. Do mesmo modo, os contratos de implementação ou de inovação tecnológica, são mais demorados e necessitam de etapas, às vezes, mais extensas devido a certas minúcias. Devido a estes fatores, antes de se iniciar as propostas há necessidade de identificar quais as demandas reais e, também, as expectativas do trabalho. Algumas vezes, o cliente possui pouco conhecimento sobre os processos ou as possibilidades que existem para atender seus anseios. Com isto, nos cabe apresentar algumas opções e ajudá-lo a selecionar o que será mais adequado às suas necessidades. Uma proposta técnica, detalhada, é sempre fornecida ao cliente, com itens claros e adequados a um cronograma de execução”.
MilkPoint - Como é feito o acompanhamento dos clientes e quais são os principais indicadores utilizados para avaliar os resultados?
“Este acompanhamento é variável, dependendo do tipo de serviço a ser realizado. Há clientes que semanalmente são atendidos, normalmente indústrias, outros têm uma periodicidade menor. Empresas como laticínios, que buscam, por exemplo, a adequação a sistemas de inspeção, como SIF ou Sisbi-Suasa, recebem uma consultoria mais intensa. Frequentemente são dedicados dois dias semanais para essas consultorias. Claro, isto depende da complexidade da empresa e, na maioria das vezes, da urgência do cliente. De modo geral, cobrados pelos sistemas de inspeção.
As propostas realizadas pela Ceres possuem um cronograma de execução com detalhamento do produto a ser entregue: documentos, treinamentos, auditorias, relatórios, etc. A forma de acompanhamento e verificação é acordada com o cliente. Frequentemente, pelas facilidades que temos de comunicação, não há necessidade de presença in loco. De modo geral, esta forma de trabalho é realizada mais intensamente em empresas. No campo, a presença física ainda se faz necessária”.
MilkPoint - Como é feita a gestão e o planejamento da empresa e quais são os principais desafios encontrados pelo estabelecimento atualmente?
“Pela pluralidade de ações, há linhas de ações claras na empresa. Existem demandas de consultoria que permeiam órgãos públicos, incluindo desde o Ministério da Agricultura até prefeituras, passando por organismos internacionais, chegando até a produtores de assentamentos. O cenário para 2016 não é dos mais favoráveis, no entanto, neste momento as indústrias devem investir em diferenciação e, mais ainda, se manter dentro dos requisitos legais e buscar se diferenciar. O mesmo pensamento está na Ceres, que deve propor este ano um novo tipo de serviço, de forma a aproximar o produtor ao mercado, garantindo a qualidade e rastreabilidade. Até o final do ano teremos novidades na empresa. As previsões para 2016 são nebulosas, mas esconder-se por traz destas perspectivas somente irá piorar. Claro, cautela e planejamento se fazem mais necessários ainda, mas cancelar projetos pode ser ainda mais maléfico.
O mercado tem se tornado mais exigente, as informações são rapidamente difundidas, por aplicativos de mensagens e redes sociais. De modo geral, as notícias ruins (muitas vezes falsas) recebem um número expressivo de compartilhamentos. No que tange às questões alimentares, essas informações são mais ainda compartilhadas. Afinal, alimento é algo de interesse de qualquer indivíduo. Ninguém está a margem destas demandas. Assim, a garantia da qualidade e transparência do processo tem sido muito importante para quem deseja se manter competitivo, ou mesmo, continuar no mercado. É exatamente neste mercado que a Ceres tem se destacado”.
MilkPoint - O que vem mudando na consultoria e no perfil dos produtores ao longo dos anos?
“Felizmente, há um acesso maior da informação, a popularização dos smartphones, assim como das mídias sociais, aliado aos portais que disponibilizam informações técnicas, permitem que o conhecimento seja mais capilarizado entre os produtores. Esta ampliação da difusão da informação faz com que os produtores busquem novos serviços, produtos e até formas de comercialização. Finalizamos um trabalho em que criamos um portal, que utiliza ferramentas de inteligência artificial aliada a genotipagem, onde o produtor irá comercializar, de forma customizada às necessidades do comprador, reprodutores de sua propriedade. Este trabalho só pôde ser proposto, pois, a utilização da internet se concretizou no campo. O portal, antes com um perfil maior para computadores, teve que ser remodelado para focar nos smartphones, pois estes têm sido o principal meio de acesso das páginas. O cenário vai mudando, temos que nos adaptar às mudanças.
Importante ressaltar que isto pressionou que os consultores também tenham um amplo conhecimento e capacidade de atender, ou mesmo antecipar - como fizemos com o portal de customização de reprodutores, as necessidades do cliente. As consultorias devem ser realizadas para atender uma necessidade do agora, mas prevendo demandas futuras! Algo não muito fácil de se planejar. Para tanto, o consultor deve sempre se manter estudando, atualizando, buscando experiências, não só no setor agropecuário, mas também acompanhado outras atividades de áreas distintas.
Há uma frase, que me foi passada em um treinamento por uma extensionista da Emater, Eloide Mousque, realizado em 2007 (até hoje mantenho a folha na minha mesa do escritório) que diz: “Se quisermos chegar ao lugar que os outros já chegaram é só seguir os caminhos que já existem. Mas se quisermos chegar a lugares novos, temos que trilhar nossos caminhos”, e essa premissa incorporamos na Ceres Qualidade. O mesmo pensamento levamos aos nossos clientes. Hoje os mercados são dinâmicos com mudanças rápidas, assim, devemos buscar novos meios, novos serviços, ou seja, criarmos nossos caminhos”.
MilkPoint - Deixe um recado para os produtores de leite.
“Vivemos um momento de certos conflitos, uma instabilidade na política que nos descortina um cenário não muito promissor. Todos queremos mudanças, moralidade na política, serviços de qualidade, respeito ao cidadão trabalhador e pagador de contas e impostos imensos. Mas sempre devemos lembrar que somos ao mesmo tempo cliente e fornecedor. Cada um deve buscar fazer o seu melhor: atender o seu cliente. As proporções são distintas, mas o “pecado” é o mesmo: um produtor que destina, conscientemente, um leite com antibiótico para consumo também está corrompido como um deputado que desvia verbas da merenda escolar. Claro, os valores são bem diferentes mas a essência é a mesma. O leite é um produto nobre, de alto valor nutricional, que deve ser valorizado pelos consumidores. Devemos cada vez mais produzir com garantias de qualidade, atendendo aos padrões de boas práticas e sanidade, isto se torna uma ferramenta para mitigar as falsas informações que são veiculadas”.
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