O MilkPoint publicou recentemente o levantamento Top 100, que procura estudar os 100 maiores produtores de leite do país. Iniciado em 2001, o Top 100 serve como uma referência no grupo dos maiores e teoricamente mais dinâmicos produtores do país. Mesmo não representando uma parcela significativa da produção, ele permite que se faça inferências a respeito das tendências entre aqueles que estão na ponta - ao menos em volume de leite.
O relatório completo pode ser acessado aqui, mas o objetivo desse artigo é discutir alguns aspectos interessantes que, em uma primeira análise, passam ao largo da abordagem convencional que utilizamos para redigir o trabalho, que contou com o patrocínio das empresas CRV Lagoa, Dow Agrosciences, Elanco Saúde Animal, Kera Nutrição Animal e Nutron.
Um primeiro aspecto que chama a atenção é que, nos últimos 6 anos, os 100 maiores cresceram menos do que a produção inspecionada brasileira, tanto na média como em valores absolutos em todos os anos (gráfico 1). Na média, os top 100 cresceram 3,40% ao ano nos últimos 6 anos, contra 4,80% da produção total, considerando que em 2011 a produção inspecionada teria crescido 2,9% - dados não confirmados ainda.
Se analisarmos o período inteiro desde o início do levantamento, excluindo o primeiro ano, quando o top 100 estava em seu início e muitos produtores não entraram, resultando em um aumento de mais de 20% de 2001 para 2002, o que evidentemente não corresponde à realidade, o aumento foi de 4,55% contra 5,62% do total. Ainda assim, os 100 maiores cresceram menos.
Gráfico 1. Aumento anual dos Top 100 e da produção inspecionada do Brasil (fonte: IBGE e MilkPoint)
É intrigante o fato dos maiores produtores crescerem menos do que os demais, ainda que não tenhamos base para comparação em relação ao que ocorre no restante do mundo ou mesmo em outros segmentos da economia. Os dados do Censo do IBGE de 2006/2007, trabalhando com outra base de dados, concluiram de forma semelhante que os produtores com mais de 200 kg/dia representam uma porcentagem de leite menor do que há 10 anos (embora, como já ponderei em artigo recente , é de se especular se, fazendo-se o Censo agora, 5 anos depois, não teríamos uma realidade diferente).
Os maiores produtores são aqueles que têm melhor potencial de negociação, seja na venda do leite, seja na compra de insumos. Também, estão em uma melhor posição para ter acesso a informação e contratar melhor do que os menores produtores, uma vez que as possibilidades de remuneração e ascensão são maiores do que em um pequeno produtor de leite. Em outras palavras, se a produção de leite no país é uma atividade viável - e as taxas de crescimento sustentadas ao longo dos anos não nos sugere outra coisa - esses grandes produtores são os que mais lucram com a atividade.
Porque, então, esses produtores crescem menos do que a média? A essa altura, não é possível concluir nada a respeito, mas é interessante levantar alguns pontos (e se possível, contar com a colaboração da comunidade MilkPoint para discutir o tema).
Um deles, já abordado no mesmo editorial referido acima, reflete o custo de oportunidade do capital, incluindo terra. O mesmo produtor que têm acesso a informação talvez esteja em uma posição mais favorável para analisar outras oportunidades de investimento que possam se mostrar mais interessantes - sejam mais rentáveis, mais seguras ou menos trabalhosas. Nesse sentido, não basta o leite ser rentável - ele precisa ser mais atrativo do que outras atividades.
A importância dessa constatação pode ser compreendida quando se analisa a posição de São Paulo no primeiro ranking (2001) e no último (2012 - referente a produção de 2011). Na primeira edição https://www.milkpoint.com.br/mn/top100_2001/ , São Paulo tinha 29 produtores, contra apenas 10 no ranking atual. É sabido que São Paulo é o estado que, historicamente, tem apresentado os maiores custos de oportunidade da terra, com muitas propriedades próximas a áreas urbanas ou sujeitas a citricultura e cana-de-açúcar, representando uma concorrência mais intensa com o leite.
Outro aspecto que está ligado ao anterior ao contribuir para a redução da atratividade da atividade, mas que segue por uma outra linha refere-se a presença de mão-de-obra contratada e a elevação dos custos desse item nos últimos anos, aspecto já bastante discutido no MilkPoint. É importante lembrar que os 100 maiores cresceram no período - porém menos do que a média nacional. Há quem argumente que o grande vetor do crescimento da atividade no país - a produção nos estados do Sul - está alicerçado sobre a mão-de-obra familiar, não sujeita no curto prazo e da mesma maneira a elevação de custos verificada nesse quesito. Indo por essa vertente, a produção dos grandes produtores não seria tão atrativa quanto poderia se supor analisando os ganhos de escala; o leite seria uma atividade mais atrativa para produtores familiares, o que ajudaria a explicar a média do país crescer mais do que os grandes. Ainda que isso possa explicar parte do crescimento da, é sensato afirmar que a tendência futura é outra ao considerarmos o aumento do custo de oportunidade do trabalho desses agricultores familiares, principalmente da geração seguinte.
Outros aspectos podem ser considerados também, como o ambiente de investimentos para expansão, assunto que estamos pesquisando agora no MilkPoint e que concorre para que o leite possa ser ou não uma atividade atraente para os grandes produtores, passando por diversos aspectos como a facilidade de captação de recursos, os juros praticados, as ferramentas para redução do risco de mercado e operacional, a facilidade de automação, etc (os resultados desta pesquisa serão apresentados no Interleite Sul, em Chapecó, no início de abril).
Um outro ponto que me chama a atenção no levantamento é a forte presença dos produtores da região de Ponta Grossa, Paraná, no levantamento. De fato, apenas um produtor do Paraná não se encontra nessa região - são 20 produtores em apenas dois municípios - Castro e Carambeí. Em 2001, já eram 13 produtores.
Será essa concentração fruto de um único fator, ou de vários? Entre as possíveis razões, estão: a) clima favorável, permitindo que se cultive forrageiras de inverno de alta qualidade - normalmente é o fator apontado pela maioria, mas não creio que explica o fato por si só; b) questões culturais - predomínio de descendentes holandeses com forte identificação com a atividade; c) estrutura de cooperação bem consolidada, com fundação para pesquisa e cooperativas para agregação de valor; d) base genética de alta qualidade; e) qualidade do leite, permitindo remuneração superior; f) opções de serviços terceirizados, como na colheita de silagem e produção de volumosos e assistência técnica de qualidade, fruto da existência de um número grande produtores em uma área relativamente; g) base agrícola forte; h) sistema de produção que permite captar o ganho decorrente dos bons preços.
As perguntas que devemos fazer são: o sucesso da região nessa última década deverá se manter ou ampliar para frente? E, mais importante, o sucesso de Castro e Carambeí poderá ser reproduzido em outras regiões? Para a primeira pergunta, se considerarmos que o mercado de leite se manterá no rumo atual, fruto do crescimento da demanda, a resposta é que sim, a região tem um bom futuro pela frente. Já a segunda questão é mais complexa de se responder, embora acredite que seja possível reunir várias daquelas características e criar clusters de produção de leite que sejam muito eficientes (claro que com características diferentes).
Um ponto seguinte que merece rápida análise é a perda de participação do Sudeste ao longo do tempo, ainda que Minas Gerais tenha aumentado de 39 para 46 fazendas nesse período. Além da saída das fazendas do RJ e ES do ranking (eram 3 em 2001) e da perda de SP e subida do PR, nota-se o aumento das fazendas do Nordeste e Centro-Oeste (gráfico 2).
Gráfico 2. Variação das fazendas por região ao longo dos anos
Há que se notar produtores com forte aumento e que não estão no eixo Minas-SP: Agropecuária Palma (DF), Fazenda Figueiredo (Goiás), Luiz Girão (Ceará), Henrique Stédile e Irmãos Strobel (Rio Grande do Sul) e Leite Verde (Bahia), são alguns exemplos. É interessante acompanharmos o desenvolvimento desses projetos - muitos deles novos - nos próximos anos.
Ainda, uma observação final, que redime parcialmente São Paulo. Apesar de ter apenas 10 produtores entre os maiores, os 3 primeiros são deste estado - e na mesma ordem daquela verificada em 2001. Aliás, o quarto maior também é o mesmo, mostrando que, apesar das grandes mudanças nesse período, o grupo dos 4 grandes permanece ainda o mesmo. Talvez não por acaso os 4 maiores produzam leite tipo A.
Essas são algumas das análises que podem ser feitas a partir do Top 100 2012. E você, o que lhe chamou a atenção nesse levantamento? Participe comentando abaixo.