Em nosso país o estresse por calor se não for o maior, é um dos maiores “vilões” nas fazendas produtoras de leite. O impacto desse problema sobre a eficiência da produção de leite é devastador. Nos últimos 15 anos diversos trabalhos de pesquisa mostraram de forma muito clara a dimensão desse impacto. Hoje já se entende completamente os diversos efeitos do estresse por calor, com destaque para:
- Redução significativa na produção leite;
- Prejuízo enorme ao desempenho reprodutivo;
- Prejuízo importante sobre a regeneração do tecido mamário no período seco;
- Produção de colostro de pior qualidade e em menor quantidade;
- Bezerras filhas de vacas que passaram por stress por calor no final da gestação nascem mais leves, desamam mais leves e produzem menos leite na vida adulta em comparação às filhas de vacas que não passaram por stress por calor nesse período.
Mesmo com a grande disponibilidade de informações sobre o tema, ainda é preocupante ver como o impacto do estresse por calor é subestimado em muitas fazendas, em todas as regiões do país. Em períodos de calor muito forte é impossível eliminar esse impacto, mas há muitas possibilidades de ajudar as vacas a lidarem melhor com esse problema, o que é fundamental para que possam se manter saudáveis e eficientes.
Um dos pontos mais importantes para minimizar o estresse por calor é a ventilação adequada, tanto nas instalações onde as vacas permanecem como nas salas de espera e ordenha. E é surpreendente como esse tema é negligenciado nas fazendas. Um trabalho que acaba de ser publicado no Journal of Dairy Science (Reuscher et al. 2023) mostra de forma muito interessante como a qualidade da ventilação sobre as camas das vacas afeta a capacidade de lidar com o stress por calor.
Os pesquisadores da Universidade de Wisconsin nos EUA compararam 3 condições de ventilação em galpões de Free-Stall: 1) Sem ventilação artificial (SV); 2) Ventiladores ligados a 60% da potência, garantindo velocidade de vento acima de 1m/s a 0,5 m do piso da cama (V60); 3) Ventiladores ligados a 100% da potência (V100).
A tabela 1 abaixo mostra um resumo das condições observadas em cada situação.
Observaram-se efeitos bastante interessantes das diferentes condições sobre diversas variáveis, com destaque para os seguintes pontos:
- A frequência respiratória das vacas avaliada às 14h era significativamente maior para as vacas no tratamento SV (68,7 respirações/minuto) em relação às vacas que receberam ventilação (54,2 resp/min para 60V e 50,7 resp/min para 100V), o que mostra claramente o efeito benéfico da ventilação.
- Na média, para cada incremento de 10 unidades no THI, a frequência respiratória aumentava à base de 17 resp/min. No entanto para as vacas no tratamento SV esse incremento foi de 23 resp/min, enquanto nos tratamentos com ventilação o incremento foi em torno de 14 resp/min, mostrando claramente que as vacas sem acesso à ventilação estavam sofrendo mais com o calor.
- O tempo que as vacas passaram deitadas aumentou á medida que aumentou a velocidade do vento – 13,2h para SV, 13,9h para 60V e 14,2h para 100V.
- A produção de leite foi maior à medida que a velocidade do vento aumentava – 41,0 kg/dia para SV, 42,6 kg/dia para 60V e 43,0 kg/dia para 100V. A diferença entre os dois tratamentos com ventilação não foi significativa, mas a ausência de ventilação reduziu significativamente a produção das vacas.
- O consumo de matéria seca (CMS) também foi afetado pelos tratamentos – 25,6 kg/dia para SV, 26,5 kg/dia para 60V e 27,3 kg/dia para 100V. São diferenças expressivas, que além de afetarem a produção de leite, muito possivelmente resultarão em efeito sobre a variação de escore de condição corporal das vacas.
Esse trabalho apresenta dados muito interessantes e nos permite fazer algumas reflexões importantes. A questão óbvia, sem ventilação adequada sobre as camas, as vacas sofrem muito mais com o calor. Isso vale para qualquer tipo de instalação ou sistema. Quanto pior a ventilação, menos tempo as vacas passam deitadas, o que pode ter diferentes consequências.
Menos tempo de descanso geralmente resulta em menor ingestão de alimentos, o que naturalmente leva a menor produção de leite. Outro problema frequentemente associado ao menor tempo de descanso é o aumento na incidência dos problemas de casco, pelo maior tempo que as vacas passam em pé. Isso também leva a menor produção de leite e piora nos índices reprodutivos.
As respostas observadas no trabalho não diferem muito entre os tratamentos V60 e V100, o que pode indicar que não valeria a pena manter os ventiladores funcionando a mais de 60% da potência. Porém é preciso considerar 2 aspectos: em primeiro lugar que a mesmo no tratamento V60 a velocidade do vento se manteve acima de 1,7m/s na altura da vaca deitada e acima dos 3m/s na altura da vaca em pé. Isso já é muito mais do que costumo observar na maioria das fazendas que visito.
Outro ponto é que mesmo tendo sido realizado durante o verão, na época das avaliações, na localidade onde foi conduzido o trabalho, a intensidade do estresse por calor não era muito elevada. Os pesquisadores destacaram que havia uma queda significativa da temperatura durante a noite, o que diminuiu bastante o desafio das vacas. Se a intensidade do calor fosse maior, possivelmente seriam observadas diferenças maiores entre os tratamentos.
A variável que apresentou maior diferença entre V60 e V100 foi o CMS. A figura 1 abaixo mostra a relação entre essa variável e o THI máximo observado no dia anterior á avaliação, e fica claro que para as vacas no tratamento V100 (linha azul) praticamente não se observou variação no CMS com o aumento no THI máximo. Para as vacas no V60 (linha preta) o CMS caiu com o aumento do THI, resposta que foi ainda mais intensa nas vacas no tratamento VS (linha vermelha).
Como a produção de leite pouco variou entre V60 e V100, pode-se inferir que com essa redução de consumo as vacas no V60 possivelmente apresentarão maior perda ou menor taxa de reposição do escore de condição corporal, o que representa um desafio metabólico adicional para esses animais. Considerando essa hipótese, fica claro que manter os ventiladores funcionando à potência máxima é a melhor opção, pensando no bem-estar e saúde das vacas.
Uma questão que também é bastante negligenciada em boa parte das fazendas é a manutenção preventiva dos ventiladores. Isso significa limpar, lubrificar, esticar correias e ajustar o posicionamento dos ventiladores periodicamente. A falta dessa manutenção preventiva leva a uma perda de potência gradual da ordem de 1m/s na velocidade do vento a cada 4-6 meses.
Ventiladores funcionando sem manutenção adequada são um cenário muito ruim, pois o gasto energético desses aparelhos será maior e a qualidade da ventilação será bastante comprometida. É fundamental que as fazendas mantenham programas de manutenção periódica dos ventiladores para que possam funcionar da melhor forma, favorecendo o conforto das vacas, e gastar menos energia.
Em resumo, a ventilação adequada é fundamental para que as vacas tenham condições de sofrer menos com o calor, que em nosso país é extremamente desafiador em boa parte do ano. Há muitas oportunidades de melhorar essa questão nas fazendas apenas adotando-se um bom programa de manutenção periódica e preventiva dos equipamentos. Boa ventilação é fundamental para que as vacas tenham melhores condições de bem-estar e saúde, o que é imprescindível para que sejam eficientes e lucrativas!
Gostou do conteúdo? Deixe seu like e seu comentário, isso nos ajuda a saber que conteúdos são mais interessantes para você.