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Colostro bovino para humanos: barreiras de comercialização

POR MARA HELENA SAALFELD

INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS

EM 23/04/2021

6 MIN DE LEITURA

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Cada dia mais, os consumidores buscam no mercado produtos contendo colostro bovino. Alimentos à base de colostro são funcionais e probióticos, podendo ser usados para alimentação, como suplementos para atletas, medicamentos e produtos anti-idades.

Diversos estudos mostram que o colostro bovino e seus componentes dão suporte a importantes atividades biológicas, tendo ação sobre a saúde gastrointestinal, imunidade, nutrição esportiva, saúde da pele e controle de distúrbios metabólicos (SAALFELD, 2013).

O colostro é rico em imunoglobulinas, citocinas, lactoferrinas, lisozimas, lactoperoxidases, fatores de crescimento, oligossacarídeos e glicoconjugados. Por isso, milhares de produtos estão à venda em diversos países.

No Brasil, porém, ainda não temos estes produtos à disposição. Assim, a população brasileira segue importando, proporcionando renda e tributos para outros países.

Um país continental como o Brasil, produzindo mais de 2 bilhões de litros de colostro anualmente, precisa rever os conceitos e preconceitos. Por exemplo, como explicar que o colostro bovino é utilizado em muitos países e no Brasil ainda é menosprezado?

Não é mais aceitável desperdiçar alimentos. A população mundial poderá chegar em 2050 a 9 bilhões de habitantes (FAO, 2011) e, assim, para que todos tenham acesso à comida, a oferta de alimentos precisa aumentar nos próximos 40 anos.

Segundo Clay (2011), isto é um desafio assustador, visto que 70% da área adequada para cultivo do planeta Terra já está em uso ou sob alguma forma de proteção ambiental.   

O maior impacto humano em nosso planeta vem da produção alimentos. Em 2050, poderemos precisar de três planetas Terra para atender as demandas do nosso consumo. Precisamos urgentemente encontrar maneiras de fazer mais com menos, sem prejudicar a biodiversidade (CLAY 2011).

Apesar disso, no Brasil, o leite produzido nos quatro primeiros dias pós-parto é descartado pelo produtor rural por não ter valor comercial, embora tenha potencial para ser usado na alimentação humana (SAALFELD et al., 2012).

Mas qual a razão disto ter acontecido por muitos anos?

Em 29 de março de 1952, o presidente da República Getúlio Vargas assinou um decreto no Brasil (DECRETO n.º 30.691), proibindo o uso do colostro para humanos. Desde então, para muitos produtores o colostro também não servia para a alimentação de animais, sendo considerado leite “sujo”, choco e muitos outros adjetivos que desqualificam o produto.

Por este motivo, o produtor passou a considerar o colostro um produto inadequado para as bezerras e, assim, o recém-nascido era privado de receber um dos alimentos mais importantes para sua sobrevivência.

Sabe-se que a placenta da vaca não permite a passagem de anticorpos para o feto e o animal nasce sem defesa imunológica. Com isso, 70% dos bezerros sem acesso ao colostro morrem por problemas sanitários nos primeiros meses de vida. Muito trabalho na Extensão Rural foi realizado para provar ao produtor que o colostro era importante, nutritivo e salvava vidas.

Presenciou-se, por muito tempo, produtores jogando o colostro para os cachorros e dando leite para o bezerro recém-nascido. Um produto que não serve para ser comercializado e que penalizava o produtor quando o enviava para a indústria levava ao senso comum que não devia dar este alimento amarelo, pegajoso e sem valor para as futuras vacas de leite.

O trabalho na extensão rural com produtores de leite me chamou a atenção sobre o descarte imenso que tínhamos de colostro nas propriedades assistidas. Assim, em uma pesquisa em ação desenvolvi a Silagem de Colostro (SAALFFELD 2008), que se mostrou um excelente sucedâneo para o leite na alimentação das bezerras e que gerava economia e renda aos produtores.

A atenção para as potencialidades do consumo do colostro por humanos no Brasil surgiu depois do desenvolvimento da silagem de colostro (Saalfeld 2008). Após extensa revisão de literatura, identificou-se que o colostro já fazia parte dos hábitos alimentares de muitos países.

O colostro é essencial para recém-nascidos, entretanto, adultos humanos também podem se beneficiar (HE, 2001). Além de nutrientes, o colostro bovino contém vários componentes bioativos e é uma fonte rica em fatores de crescimento, sendo comercializado como suplemento alimentar de saúde em vários países (PLAYFORD et al., 1999; URUAKPA, 2002).

O “Leite Imune” produzido com colostro bovino hiper-imunizado é usado para combater problemas gastrointestinais em humanos e a empresa Lifeway Foods Inc. lançou no mercado americano o Basic Plus, uma bebida à base de kefir, contendo Proventa (colostro) com componentes imunológicos naturais (SOUZA, 2008).

Em muitos países o colostro bovino é usado na alimentação humana, entre eles países Escandinavos, Turquia, Finlândia, Noruega, Austrália, Nova Zelândia, Canadá etc. Os imigrantes alemães descrevem o uso de queijo de colostro, denominado Crost, feito com colostro fresco, sal, açúcar e canela, assado em forno aquecido.

Um fato que chamou a atenção na nossa pesquisa é que produtores com poucos recursos sempre aproveitaram o colostro na alimentação da família. Quer seja fazendo coalhadas, queijos ou pudins (comunicação pessoal).

Segundo Dalton (2012), até pouco tempo, na Nova Zelândia, o colostro não era valorizado. Entretanto, com o reconhecimento do colostro como um alimento saudável e usado por atletas, isso começou a mudar. Nos últimos três anos, empresas de laticínios pagaram aos agricultores um prêmio pelo colostro, em vez de penalizá-los como era comum.

Dalton (2012), cita que um mercado de exportação de alto valor está em desenvolvimento na Ásia para comercialização do colostro, inclusive com preços exorbitantes.

Em 2015, começamos um trabalho para retirar da legislação brasileira a proibição do consumo de colostro por seres humanos. Realizamos, em Brasília, uma audiência pública em novembro de 2015 e uma segunda em agosto de 2016.

Na ocasião, solicitaram-me escrever uma proposta técnica, fundamentando esta mudança na legislação, a qual foi encaminhada ao MAPA, em novembro de 2016.

Após muita luta, em 29 de março de 2017, 65 anos após ter seu consumo proibido, conseguimos que o RIISPOA (Regulamento da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal) tirasse do decreto (DECRETO n.º 9.013) a proibição de uso de colostro por seres humanos.

Na legislação brasileira, não consta mais a proibição do consumo do colostro, entretanto, o Brasil ainda não conseguiu aprovar nenhum produto à base de colostro na constituição nutricional ou colostro em pó para consumo humano. Dessa forma, a solução é a importação.

O colostro é uma iguaria, um superalimento que apresenta nutrientes essenciais com poderosos benefícios da infância até a idade adulta. Alimento que, além de rico em nutrientes e substâncias bioativas, contém bactérias probióticas, e deveria estar no mercado para atender aos consumidores ávidos por alimentos funcionais.

Nosso desafio é que indústrias e cooperativas se deem conta do potencial do colostro bovino, valorizando e proporcionando mais um produto à disposição da população e gerando renda para nossos produtores de leite.

 

Referências

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Decreto n.º 9.013, de 29 de março de 2017, Brasília, DF.

DALTON C. Cooking with Colostrum. Disponível em <https://www.lifestyleblock.co.nz/lifestyle-file/rural-people-a-issues/recipes/item/363.html> acesso em 05 ago 2012.

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. 2011. THE STATE OF FOOD AND AGRICULTURE (FAO) 2010-1011, Disponivel em <https://www.fao.org.br/download/i2050e.pdf> . Acesso em 08 abr 2011.

He, F.; Tuomola, E.; Arvilommi, H.; Salminen S. Modulation of human humoral immune response through orally administered bovine colostrums. FEMS Immunology and Medical Microbiology 31. p. 93-96, 2001

PLAYFORD, R.J.; FLOYD, D.N.; MACDONALD, C.E.; CALNAN, D.P.; ADENEKAN,R.O.; JOHNSON, W.; GOODLAD, R.A. AND MARCHBANK, T. Bovine colostrum is health supplement which prevents NSAID induced gut damage. Gut, v. 44, 653-658. 1999.

SAALFELD, M.H. Uso da Silagem de colostro como substituto do leite na alimentação.  A Hora Veterinária. Porto Alegre ano 27, n. 162, p. 59-62, março/abril, 2008.

SAALFELD, M.H.; PEREIRA D.I.B.; SILVEIRA K.R.K,; GRANDA E.; GULARTE M.A. e LEITE F.P.L.  Silagem de colostro: alternativa sustentável para minimizar a fome no mundo. 4º SIMPÓSIO DE SEGURANÇA ALIMENTAR- 4. 2012 Gramado  Anais... Gramado: FAURGs Rs, 2012.

SAALFELD, M. H. Silagem de colostro bovino: Propriedades e potencialidades de usos. 97 f. 2013. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.

SOUZA, M.A.F. Dos laboratórios aos pontos de venda:Uma análise da trajetória dos alimentos Funcionais e nutracêuticos e sua Repercussão sobre a questão. 2008. Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Humanas e Sociais.

URUAKPA, F.O.; ISMOND, M.A.H.; AKOBUNDU, E.N.T. Colostrum and its benefits: a review. Nutr. Res., v.22, p.755–767, 2002.

*Foto do artigo: By Marguerita Briana Cattell - APSBioGroup, CC BY-SA 4.0, 

MARA HELENA SAALFELD

Mestre em Medicina Veterinária, Pós-Graduação em Gestão de Capital Intelectual, Especialização em Homeopatia e Doutora em Biotecnologia.

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RICARDO MARQUES

VARGINHA - MINAS GERAIS

EM 26/04/2021

Como pode um trabalho técnico elaborado por técnico, com declaração de fonte o RIISPOA como sendo uma publicação da ANVISA????
MARA HELENA SAALFELD

PELOTAS - RIO GRANDE DO SUL - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 26/04/2021

Onde cita que é publicação da ANVISA?
A ANVISA foi citada nas referências. E citamos porque existe a dificuldade de aprovação de produtos a base de colostro ou mesmo o colostro em pó esbarra na ANVISA que não tem aprovado os registros encaminhados para lá.
EM RESPOSTA A MARA HELENA SAALFELD
RICARDO MARQUES

VARGINHA - MINAS GERAIS

EM 26/04/2021

Nas referências mesmo. Quem publicou o RIISPOA, que é o Decreto 9.013/17 foi a Presidência da República. Não foi a ANVISA.
EM RESPOSTA A RICARDO MARQUES
MARA HELENA SAALFELD

PELOTAS - RIO GRANDE DO SUL - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 27/04/2021

Não há citação no texto que foi publicado pela ANVISA. Sabemos quem publicou o decreto. Eu citei a ANVISA nas referências consultadas para escrever o artigo, porque é neste órgão que estariam os produtos aprovados e em comercialização no Brasil. Para escrever um artigo pode-se usar várias referências de bibliografia, e nem por isso constar no texto.

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