O queijo, iguaria milenar que encanta paladares em todo o mundo, esconde segredos fascinantes por trás de sua textura, sabores e aromas irresistíveis. Entre esses mistérios, desponta o rendimento, um fator crucial que determina a eficiência da produção e, consequentemente, o custo final do produto.
Matéria-prima essencial e suas influências
Leite é um líquido complexo composto por uma rica variedade de nutrientes. Sua composição físico-química, influenciada por fatores como raça da vaca, alimentação e época do ano, desempenha um papel crucial no rendimento final.
Proteínas: temos basicamente as soro proteínas e as caseínas. As proteínas do soro representam cerca de 20% das proteínas do leite, se dissolvem facilmente na água e não se associam à caseína durante a coagulação. Já a caseína, principal proteína do leite, é essencial para a formação da estrutura do queijo.
A caseína assume o papel principal no drama do rendimento de queijos. Sua capacidade de formar agregados proteicos, denominados coalhada, é fundamental para a retenção de água e gordura durante o processo de fabricação. A palavra grega "κσειν" (kasein) foi incorporada ao latim como "caseus", que também se referia ao queijo em si, é super interessante notar que queijo e caseína, estão intimamente ligados até no nome.
A concentração de caseína no leite é influenciada por diversos fatores, incluindo raça, alimentação e época do ano. Essa concentração impacta diretamente na quantidade de coalhada formada afetando o rendimento do queijo. As diferentes frações de caseína, tais como αs1, αs2, β e κ-caseína, possuem propriedades distintas que influenciam não só formação da coalhada, mas também a retenção de água e na textura do queijo. Além disso, alterações na estrutura da caseína, como desnaturação e proteólise, podem ocorrer devido a variáveis como temperatura, tempo de processamento e ação de enzimas, impactando significativamente o rendimento final do queijo.
A caseína é uma proteína complexa formada por longas cadeias de aminoácidos. Essas cadeias possuem regiões hidrofílicas (que "gostam de água") e regiões hidrofóbicas ("que repelem a água"). Essa dualidade permite que a caseína se organize em estruturas tridimensionais que aprisionam moléculas de água em seu interior. É por isso que cada kg de caseína pode aumentar mais de 1kg de queijo.
Gorduras: Os lipídios do leite, presentes em diferentes formas como glóbulos de gordura, contribuem para a textura, sabor e aroma do queijo. A quantidade e tipo de gordura influenciam na retenção de água e na formação da coalhada, afetando o rendimento final.
Minerais: Sais minerais como cálcio e fósforo são essenciais para a coagulação do leite e a formação da estrutura do queijo. Seu equilíbrio influencia na retenção de água e na qualidade da coalhada, impactando no rendimento.
O cálcio, presente no leite na forma de íons de cálcio (Ca²?), atua como uma ponte molecular crucial na formação da coalhada. Ele se liga às regiões hidrofílicas (que "gostam de água") da caseína, formando pontes entre as cadeias proteicas. Essas pontes permitem que a caseína se agregue em uma rede tridimensional complexa, aprisionando água e gordura dentro da massa do queijo.
O fósforo, presente no leite principalmente na forma de fosfatos, desempenha um papel complementar ao do cálcio. Os grupos fosfato se ligam tanto ao cálcio quanto à caseína, reforçando ainda mais as pontes intermoleculares e estabilizando a rede tridimensional da coalhada. Essa estabilidade garante que a coalhada mantenha sua estrutura durante o processo de produção do queijo.
A lactose, principal o carboidrato do leite, é fermentada pelas bactérias durante a produção de queijos, contribuindo para o sabor, aroma e textura. Sua quantidade e tipo influenciam na acidez do queijo e na retenção de água, afetando o rendimento.
Contagem Total de Bactérias (CBT): A CBT representa a quantidade total de bactérias presentes no leite, incluindo microrganismos benéficos e patogênicos. Níveis elevados de CBT podem indicar más práticas de higiene na ordenha, armazenamento e transporte do leite. Pode, também impactar no rendimento, das seguintes formas:
- Competição por nutrientes: bactérias indesejáveis podem competir com as bactérias starter responsáveis pela fermentação do queijo, impactando na produção de ácido láctico e na formação da coalhada, afetando o rendimento.
- Degradação da caseína: algumas bactérias podem degradar a caseína, a principal proteína do leite, reduzindo a quantidade disponível para a formação da coalhada e, consequentemente, o rendimento do queijo.
- Perdas de gordura: bactérias lipolíticas podem degradar a gordura do leite, resultando em perdas de peso e redução do rendimento.
- Defeitos de qualidade: bactérias patogênicas podem causar doenças em consumidores e levar ao descarte de queijos, impactando negativamente o rendimento final.
Contagem de Células Somáticas (CCS): a CCS representa o número de células somáticas presentes no leite, principalmente leucócitos, que migram do sangue para a glândula mamária em resposta a infecções, principalmente mastite. Níveis elevados de CCS indicam inflamação da glândula mamária, podem afetar a qualidade do leite e reduzir o rendimento:
- Alterações na caseína: a inflamação da glândula mamária pode alterar as propriedades da caseína, dificultando a formação da coalhada e reduzindo o rendimento do queijo.
- Perdas de proteína: leucócitos degrada proteínas do leite, como a caseína, levando à perda, e impactando no rendimento.
- Perdas de minerais: a inflamação pode alterar o equilíbrio mineral do leite, afetando a atividade das enzimas envolvidas na coagulação e na retenção de água, impactando no rendimento.
- Defeitos de qualidade: leite com alta CCS pode apresentar sabor amargo e textura defeituosa, levando ao descarte de queijos e impactando negativamente o rendimento final.
Gerenciando CBT e CCS para Maximizar o Rendimento
O controle rigoroso da CBT e da CCS é fundamental para garantir a qualidade do leite e maximizar o rendimento de queijos. Práticas adequadas de higiene na ordenha, armazenamento e transporte do leite, além de medidas para prevenir a mastite em vacas, são essenciais para manter baixos níveis de CBT e CCS.
Processos de Coagulação
A coagulação, etapa crucial na produção de queijos, é a transformação do leite líquido em massa, denominada coalhada. Essa “sinfonia” bioquímica é conduzida por enzimas, que agem sobre as proteínas do leite, principalmente a caseína. Pode ocorrer de várias formas:
- Coagulação enzimática: a coagulação mais comum na produção de queijos, utiliza enzimas como por exemplo a quimosina (coalho)
- Coagulação ácida: a acidificação do leite por adição de ácidos orgânicos, geralmente ácido lático ou cítrico promove a precipitação da caseína, resultando em uma coalhada mais fraca e com maior teor de umidade.
- Coagulação láctea: o ácido láctico produzido pelas bactérias promove a precipitação da caseína, resultando na formação da coalhada.
Fatores que influenciam a coagulação:
- Temperatura ideal para a coagulação varia de acordo com o tipo de enzima e queijo desejado.
- O pH do leite influencia a atividade das enzimas e a solubilidade da caseína, impactando na formação da coalhada.
- O cálcio é essencial para a atividade da quimosina e a formação da coalhada.
- Composição do Leite de um modo geral, a concentração de proteínas, gordura e minerais no leite influencia na formação da coalhada.
Aprisionando de sólidos na Massa
A retenção de sólidos na massa do queijo, principalmente gordura e caseína, é fundamental para determinar o rendimento final. Essa retenção depende da capacidade da coalhada de aprisionar esses componentes durante o processo de fabricação. Fatores que influenciam a retenção de sólidos:
- A coagulação enzimática geralmente resulta em maior retenção de sólidos do que a coagulação ácida ou láctea.
- Grão menores da coalhada retêm menos gordura e caseína, isso não por uma questão bioquímica mas por motivos mecânica, quanto menor o grão, geralmente maior a quantidade de finos que perde-se no soro.
- O pH da massa do queijo influencia na solubilidade da caseína e na retenção de gordura.
- A temperatura durante o processamento influencia na estrutura da coalhada e na retenção de sólidos.
- Atividade de enzimas proteolíticas pode degradar a caseína e reduzir a retenção de sólidos.
Perda de sólidos no soro
Na produção de queijos, a perda de sólidos no soro representa um desafio para a indústria, impactando diretamente o rendimento final. Tudo que está por trás dessa perda é fundamental para otimizar os processos e maximizar a eficiência da produção
Controlar rigorosamente os parâmetros de processamento, como temperatura, pH e tempo, para otimizar a formação da coalhada e minimizar a perda de sólidos no soro, bem como monitorar a qualidade do leite para garantir a composição ideal de proteínas, gordura e minerais, que influenciam na retenção de sólidos. Utilizar aditivos específicos, como cloreto de cálcio, para aumentar a força da coalhada e reduzir a perda de sólidos no soro.
Monitoramento de perdas durante a produção
A minimização da perda de finos durante a fabricação de queijos exige experiência, conhecimento técnico e atenção aos detalhes em todas as etapas do processo. Profissionais experientes na produção de queijos podem ajustar as técnicas e os parâmetros de fabricação de acordo com as características do leite e do tipo de queijo desejado, buscando sempre otimizar o rendimento e a qualidade final do produto.
Utilizar equipamentos adequados e em bom estado de conservação durante todo o processo de fabricação do queijo. Implementar técnicas adequadas de coagulação, corte, mexedora, prensagem e salga, de acordo com o tipo de queijo desejado é de fundamental importância. A adição de coagulantes auxiliares, como cloreto de cálcio, pode ajudar a fortalecer a coalhada e reduzir a perda de finos.
O teste de Imhoff, também conhecido como teste de volume sedimentável, é um método padronizado para avaliar a estabilidade da coalhada do leite durante a fabricação de queijos. Essa técnica se tornou uma ferramenta essencial para o controle de qualidade na indústria queijeira. O teste é realizado em um cilindro de vidro graduado chamado cilindro de Imhoff. O soro da coalhada é colocado no cilindro e deixado em repouso por um período específico (geralmente 60 minutos). Durante esse tempo, os finos de queijo sedimentam no fundo do cilindro, enquanto a parte superior do soro se torna límpida. Após o período de repouso, o volume de sedimento (finos de queijo) no fundo do cilindro de Imhoff é medido em mililitros (mL). Essa medida fornece uma indicação da quantidade de finos presentes no soro. Apesar de simples esse teste é um indicador objetivo para tomar ações referente a processos.
Por fim, o rendimento de queijos é um indicador crucial na indústria láctea, revelando a eficiência da produção e, consequentemente, a lucratividade da empresa. O rendimento tem uma relação direta com o custo de fabricação dos queijos, pois o leite é o principal insumo. Um maior rendimento significa que mais queijo é produzido a partir da mesma quantidade de leite, reduzindo o custo por unidade de produto. Para otimizar o rendimento e aumentar a lucratividade da produção de queijos, é fundamental:
- Controlar rigorosamente os parâmetros de processamento: monitorar e controlar temperatura, pH, tempo de processamento, pressão e outros parâmetros durante a fabricação para garantir a retenção máxima de água e sólidos no queijo.
- Utilizar técnicas de fabricação eficientes: implementar técnicas otimizadas de coagulação, prensagem e outras etapas do processo para minimizar a perda de água e sólidos.
- Monitorar a qualidade do leite: assegurar a qualidade do leite utilizado, com foco na composição ideal de proteínas, gordura e minerais, para garantir um alto rendimento.
- Investir em pesquisa e desenvolvimento: apoiar pesquisas e desenvolver novas tecnologias para aumentar o rendimento e reduzir custos.
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Referências:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/B9781845690601500089
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/B9781845690601500089
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1111/j.1471-0307.1994.tb01264.x