O mercado lácteo, apesar do cenário ainda nebuloso, começa a mostrar sinais de recuperação nos preços ao produtor. De acordo com o Cepea-Esalq/USP, após três meses de valores médios praticamente estáveis, houve reajuste na média nacional de março, de 1,78% - no valor bruto - chegando a R$ 0,6087/litro. Se essa reação ainda não é generalizada, ao menos a sequência de baixas foi interrompida e, os mais pessimistas apontam estabilidade, sinal de que o fundo do poço já foi alcançado. Nesse momento, uma recuperação mais consistente dos preços é dependente de três fatores em especial: o volume da produção interna e as importações de leite em pó, do lado da oferta, e o comportamento da demanda.
Os primeiros sinais de reação dos preços foram dados pelo mercado internacional. Assim como no mercado interno, essa reação internacional dos preços é devida à queda do volume de produção, o que se deve, entre outros fatores, às dificuldades enfrentadas pelos produtores que, em função dos baixos preços recebidos pelo produto, reduziram a produção para este ano em vários países, colaborando para a equalização da oferta e demanda. Por outro lado, o final da safra nos países do hemisfério sul também é fator de queda da produção.
Nos dois últimos leilões online realizados pela Fonterra (03/03 e 01/04/09), houve alta dos preços para todos os períodos contratuais para o leite em pó integral, de 16,6% e 3,6%, respectivamente. Os preços de exportação no Oeste da Europa e na Oceania também mostram reação no último mês, mais observável nesta última quinzena. Nada muito significativo em termos absolutos, mas é um sinal relevante. Sobre os preços futuros do leite Classe III nos Estados Unidos, o que se vê é uma sequência de alta de preços, sendo que os valores para o próximo mês de maio encerraram a sessão de segunda-feira (06/04) a US$ 0,2491/kg de leite, alta de 5,15% em 30 dias.
Gráfico 1. Evolução dos preços de exportação de lácteos do Oeste da Europa, em dólares por tonelada.
Clique na imagem para ampliá-la.
O Rabobank, banco holandês especializado em agribusiness, estima que a oferta de leite em 2009 no mercado mundial será igual à de 2008. No grupo dos 8 principais países, também espera-se estabilidade, contra 1,6% de aumento em 2008. Esses dados foram apresentados no Interleite Sul 2009, realizado em Chapecó entre os dias 26 e 28 de março.
Em relação à produção para este ano, no início de março o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) reduziu a estimativa de produção de leite dos Estados Unidos para 2009. No relatório sobre Estimativas de Oferta e Demanda Agrícolas Mundiais (World Agricultural Supply and Demand Estimates - WASDE), a produção para 2009 foi projetada em 85,5 bilhões de quilos, menos que os 85,77 bilhões de quilos projetados no mês de fevereiro. Os Estados Unidos foram, em 2008, o fiel da balança do mercado internacional, exportando grande quantidade de leite. Por isso, a menor produção é um aspecto importante.
Argentina e Uruguai - principais origens das importações brasileiras - também passam por dificuldades e devem ter oferta mais restrita de leite. Os dois países enfrentaram uma grave seca, que reduziu drasticamente a disponibilidade de alimento para o gado. O ano de 2009 será de pouco pasto no Uruguai, com o país entrando no inverno quase sem reservas. A produção este ano será, portanto, mais dependente do uso de concentrado. Embora tenha-se a produção de silos de grão úmido ou planta inteira de sorgo e milho, estes cultivos também têm sido afetados pela seca. Na Argentina, além da situação de seca, o último mês foi marcado por protestos dos produtores em frente às indústrias, reclamando pelos baixos preços recebidos pelo produto. A Argentina começa 2009 com produção levemente menor do que em 2008, quando o aumento passou dos 5% sobre 2007.
No mercado interno, a oferta de leite também está diminuindo, sendo esse o principal fator responsável pela recuperação de preços que começa a ser vista. De acordo com o Índice de Captação de Leite do Cepea, o volume captado em fevereiro foi 2,8% menor que o de janeiro, queda normal para o período (final de safra). Contudo, o recuo de 8,6% em comparação com fevereiro de 2008 pode ser preocupante, podendo sinalizar a desmotivação dos produtores. Ainda segundo o Cepea, as maiores reduções no volume recebido pelas empresas ocorreram em Minas Gerais e em Goiás. Desde setembro de 2008, o volume mensal captado é inferior em relação ao mesmo mês do ano anterior, sendo que essa redução, além de constante, tem aumentado.
Gráfico 2. Variação da captação em relação ao mesmo mês do ano anterior (%).
Clique na imagem para ampliá-la.
Considerando que há diferenças regionais - algumas regiões já sentem de forma mais expressiva a queda de produção - as políticas de preços pelas indústrias também sofrem variações. O mercado interno não sinaliza ainda uma forte recuperação, mas a queda de produção favorece o aumento dos preços ao produtor, sendo que a tendência de alta é maior em estados em que a produção caiu em níveis mais significativos, e onde há maior disputa pelo produto (ex: Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba). Apesar de não serem unânimes as perspectivas para elevação de preços para o pagamento de abril, a maioria das indústrias deve reajustar os valores em cerca de 3 a 5 centavos, segundo agentes do setor consultados pelo MilkPoint. Na última quinzena, sentindo os efeitos do menor volume de leite disponível, o mercado spot mostrou reajuste em torno de 5 centavos, chegando a R$ 0,70/litro no centro-oeste e sudeste.
No setor atacadista, o leite longa vida mostrou nova recuperação nos últimos quinze dias. Segundo fontes do setor, com exceção dos estados do Sul - nos quais o produto se mantém a preços estáveis - o litro do leite longa vida está sendo negociado entre R$ 1,40 e R$ 1,50, sendo que há indústrias falando em valores na casa de R$ 1,65. Nesse contexto, o que se pode observar é que algumas empresas paulistaspodem ter sido beneficiadas pelo efeito do pedido de recuperação judicial da Nilza. Afinal, o laticínio do nordeste de São Paulo tinha participação relevante no mercado de São Paulo, e a redução de sua produção abriu espaço para outros laticínios locais, haja visto que o leite de fora do estado é taxado.
Em pesquisa realizada pelo MilkPoint no varejo de Piracicaba-SP, nota-se o aumento de 4,6% no preço do longa vida na 2ª quinzena de março, quando comparado à 1ª quinzena. Na mesma comparação, o queijo tipo mussarela mostrou queda de 7,7% na segunda quinzena enquanto o preço do leite em pó integral permaneceu estável.
O leite em pó, embora com estoques mais baixos, permanece com preços ruins, porém estáveis. Novos contratos de exportação não foram fechados até então, mas há negociações sendo feitas com Venezuela e Argélia, a preços superiores aos do mercado internacional (por volta de US$ 3.000/tonelada, uma vez que o Brasil tem condições de oferecer produto fracionado, que é melhor cotado no mercado). O mercado de queijos, por sua vez, não está em um bom momento, sendo que no último mês os preços no atacado apresentaram queda de cerca de 1 real por quilo, segundo informaram agentes do setor, atingindo por volta de R$ 7,00/quilo.
Um fator a se notar, que pode estar retardando ou até evitando a recuperação dos preços, é o aumento das importações de leite em pó. Motivo de preocupação em janeiro - quando o volume comprado fora do país superou 10 mil toneladas -, as importações voltam a trazer insegurança com os resultados de março, divulgados pelo MDIC (Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior): foram importadas quase 12 mil toneladas de leite em pó (equivalente a 98,4 milhões de litros de leite), sendo 9,589 mil toneladas de leite em pó integral (cerca de 78,6 milhões de litros), ao preço médio de US$ 1.798/tonelada. Do volume de leite em pó integral - 9,589 mil toneladas - 69% são provenientes da Argentina (ao preço médio de US$ 1.856/t) e 31% foi comprado do Uruguai (em média, US$ 1.669/t). Ou seja, não entrou leite em pó integral de fora do Mercosul.
Quanto ao volume exportado de leite em pó, foram embarcadas apenas 1,725 mil toneladas (equivalente a 14 milhões de litros de leite), ao preço médio de US$ 3.754/t (todo o volume foi de leite em pó integral), sendo 1,3 mil toneladas destinadas à Venezuela.
Ficam, então, duas grandes questões: primeiro, até que ponto a queda de produção nacional, que certamente continuará nos próximos meses, será suprida com leite do Mercosul, considerando que a oferta nesses países não está boa; se faltar leite nos vizinhos, haverá aumento de preços internamente, pois o leite de fora do bloco pagará 27% de imposto. A segunda questão é até que ponto vai a alta de preços no atacado e no varejo. Por enquanto, só o longa vida ensaia elevação. Do outro lado, em algumas regiões o mercado de leite ao produtor e spot se aquece. Veremos uma situação como 2007, em que os produtos no atacado e varejo subiram significativamente, permitindo ganhos para toda a cadeia, ou como 2008, em que a elevação de preços ao produtor nessa época não encontrou uma contrapartida no elo seguinte, colocando as indústrias em dificuldade? Ainda estamos longe dessa situação: os preços de longa vida no atacado estão próximos aos verificados nessa época no ano passado, enquanto o leite ao produtor está cerca de 10 centavos mais baixos.
Embora ambas as opções possam acontecer, o fato é que, hoje, o cenário de curto prazo mais provável é de aumentos moderados ao produtor, sem espaço para grandes saltos. Apesar do mercado dar sinais de recuperação, esta ainda se dá de forma lenta e com certa insegurança. A queda no volume de captação, apesar de esperada para esta época do ano, é significativamente maior quando comparada ao ano passado, refletindo as dificuldades enfrentadas pelos produtores, que responderam com a redução da produção. Por outro lado, a questão das importações é de extrema relevância, já que pode afetar os preços nacionais, impedindo a recuperação.
Gráfico 3. Volume das exportações e importações de leite em pó.
Clique na imagem para ampliá-la.