Entre as promessas de Trump, está a de fechar mais a economia norte-americana e frear os acordos comerciais, com o intuito de proteger a produção e o emprego nos Estados Unidos. Essas barreiras são ruins porque só agora os Estados Unidos abriram as portas para a carne brasileira, não obstante a objeção dos pecuaristas norte-americanos. Mas é um acordo, por ora, de dimensão limitada. As cotas de exportação são pequenas. É na promessa de frear acordos, no entanto, que o Brasil pode levar vantagem.
Mais do que vantagem, terá mais tempo para fazer uma lição de casa que nunca fez, a de buscar acordos comerciais pelo mundo. Trump promete abortar o que poderá ser um dos principais algozes do agronegócio brasileiro: o TPP (acordo Transpacífico, que engloba 12 países).
Com ele, os Estados Unidos teriam acesso a uma boa fatia do mercado mundial agrícola. Sem reduções de tarifas, os países componentes do acordo já representam US$ 57 bilhões para as exportações do agronegócio norte-americano. Ou seja, 43% de todas as vendas externas do país nesse setor. Imagine uma redução a zero das tarifas comerciais entre esses países nos próximos anos.
Apenas cinco países — Japão, Malásia, Vietnã, Nova Zelândia e Brunei — somam 257 milhões de habitantes e já importam US$ 17 bilhões de produtos agropecuários norte-americanos.
As portas abertas dos 11 países do Transpacífico para os Estados Unidos significariam uma tarefa mais árdua para o Brasil negociar carnes, milho e até soja nesses mercados. E isso ocorreria exatamente agora que o país busca mais ênfase no mercado asiático. A missão de Donald Trump para abortar acordos comerciais, inclusive o Transpacífico, não será fácil.
De um lado, terá o apoio dos eleitores de cidades onde fábricas foram fechadas, devido às importações industriais de outros países. De outro, no entanto, terá a pressão do cinturão agrícola, grande apoiador do novo presidente, para que mantenha esse caminho aberto para seus produtos agropecuários. Trump é apenas mais um passageiro da Casa Branca. Ele poderá retardar os acordos comerciais, mas, se não fizer isso agora, outros farão. O Brasil ganha tempo nesse período de atraso.
Números
O fluxo de comércio entre Brasil e Estados Unidos ficou em US$ 39 bilhões nos dez primeiros meses deste ano. Apenas 9% desse valor se refere a produtos do agronegócio. Na lista das principais exportações do Brasil para os norte-americanos estão café, produtos hortícolas, frutas, preparações de carnes, tabaco e açúcar. O café lidera, com receitas de US$ 800 milhões neste ano.
Do lado das importações, poucos produtos do agronegócio aparecem com destaque na lista das compras brasileiras. Um deles são os cereais, cujos gastos brasileiros somaram US$ 177 milhões até outubro. O Brasil é dependente dos Estados Unidos, no entanto, em fertilizantes e produtos químicos destinados à agricultura.
'Se esse protecionismo vier em forma de novos subsídios, nós teremos problemas', diz Maggi
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, considerou nesta quarta-feira que o Brasil poderá "ter problemas" no setor de exportações caso o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, adote de fato uma postura "protecionista".
"Penso que a relação pode piorar sim. Talvez o que vai mais incomodar não é o acesso dos produtos agrícolas nos EUA. A nossa pauta de mercadorias para eles é de produtos que eles não produzem por lá. Então, não há uma competição interna em muitos produtos brasileiros lá. Mas, eles são muitos fortes em áreas que somos competidores mundo afora. E se esse protecionismo vier em forma de novos subsídios para a agricultura norte-americana, ai nós teremos problemas", afirmou Blairo Maggi ao jornal O Estado de São Paulo.
Apesar dos receios, na avaliação do ministro um dos reflexos de ampliação do protecionismo por parte do novo governo norte-americana seria a retaliação de outros países também atingidos pelas medidas. "Se pegarmos a China, por exemplo, e ela tiver sanções de algo que produzem para os Estado Unidos, óbvio que podem também decidir, por exemplo, que deixarão de comprar mais carne deles. É um tipo de raciocínio que pode ocorrer. Por isso que eu falo, não é porque você ganhou uma eleição, que você faz o que pensa que quer fazer, há regras, há compromissos, que fazem você repensar as coisas que declarou durante as eleições", disse Maggi
Incertezas
A conversa do ministro com a reportagem, ocorreu logo após ele se reunir em Brasília com representantes de uma empresa norte-americana de equipamentos agrícolas. "Também perguntei para eles, o que ia acontecer agora. Todos me disseram que ninguém sabe", disse Maggi.
Questionado se essa incerteza também não causaria instabilidade no setor, o ministro respondeu: "Acho que sim, mas Trump é um fato consumado. Deixadas as paixões de lado temos que aguardar para ver os rumos que serão dados".
A primeira ida de Maggi aos Estados Unidos, após a eleição de Trump, está prevista para ocorrer no próximo mês de fevereiro, ocasião em que pretende avançar com alguns acordos bilaterais.
As informações são de Mauro Zafalon, para o jornal Folha de São Paulo e do jornal O Estado de São Paulo.