
Nilson Muniz é formado em propaganda pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), com formação posterior em Ciências Biológicas. Começou sua carreira na Nestlé, onde fazia as chamadas visitas médicas. Depois, se transferiu para o marketing, onde foi gerente de produtos infantis e dietéticos. Teve uma passagem de três anos na sede da empresa, na Suíça, onde atuou em um grupo que desenvolvia produtos para a América Latina. Quando retornou, gerenciou a filial de vendas da Nestlé em Brasília, durante um ano, para depois assumir, em São Paulo, a Unidade de Nutrição da empresa, cargo que ocupou por cinco anos. Depois disso, Nilson assumiu a gerência executiva da Unidade de Lácteos da Nestlé no Brasil, onde permaneceu por mais sete anos. Ao se desligar da empresa em 2001, montou uma empresa de consultoria, mas os projetos foram interrompidos ao receber o convite, no início desse ano, para ser o diretor executivo da Associação Brasileira de Leite Longa Vida (ABLV), que reúne perto de 30 associados. Nilson deu esta entrevista exclusiva ao MilkPoint, comentando o atual momento de mercado e os planos para a associação.
MILKPOINT: Como foi sua vinda para a ABLV?
NILSON MUNIZ: Vim como diretor-presidente, porém por período determinado, com a missão de mudar o estatuto da entidade, visando montar o Conselho Deliberativo da entidade, o que já foi executado. Uma vez votado o estatuto, fui convidado a permanecer, agora no cargo de diretor-executivo. Não existe mais a figura do diretor-presidente da entidade. O que existe é o Conselho Deliberativo, formado por sete integrantes, sendo um presidente e um vice-presidente. Hoje, fazem parte do Conselho Cláudio Teixeira, da GoiásMinas Ind. De Laticínios - Italac (presidente), João Bosco Ferreira, da Cooperativa Central Mineira de Laticínios Ltda - Cemil (vice-presidente), Wellington Silveira de Oliveira Braga, da Cooperativa Agro-Pecuária Vale do Rio Doce - Ibituruna, Tarcísio Antonio de Rezende Duque, da Cooperativa Central de Laticínios do Estado de São Paulo - CCL, Antônio Julião Bezerra Damásio, da Colaso, Frederico Martin Gunnar Dürr, da Avipal S/A - Elegê e Laércio Barbosa, da Usina de Laticínios Jussara S/A. O Conselho tem funcionado muito bem, tem sido muito ativo e me conferido a autonomia necessária para executar os projetos de interesse da entidade.
MKP: E o que a ABLV está buscando com essa renovação?
NM: A ABLV tem cerca de onze anos. Nesse período, teve na presidência o Almir Meireles. Ela conseguiu, como poucas associações, consolidar todos os aspectos legais e tributários, com grandes conquistas nesse sentido. O Almir e a associação trabalharam muito bem as questões relativas as isenções ficais e um tratamento tributário compatível com o que os associados queriam. Também, a gestão do Almir colocou o leite longa vida no mapa, do ponto de vista institucional, junto ao Ministério da Agricultura e a outras entidades. Essa área não nos dá trabalho, embora seja preciso permanecer atentos, uma vez que pode-se acordar um dia e se deparar com um novo imposto ou deixar de obter conquistas que estavam praticamente certas, como foi o caso da MP do Bem, que perdeu a validade e não foi votada. Não se pode dormir sobre aquilo que já foi conquistado. De qualquer forma, o foco hoje está no fomento. Primeiro, através do longa vida, queremos valorizar o leite, o que está muito alinhado com o que foi discutido na última reunião da Câmara Setorial. Também, queremos que a rentabilidade do segmento melhore. Uma das coisas que queremos fazer é permitir ao associado entender melhor o seu negócio. Para isso, investiremos em workshops para 2006 e uma maior integração entre os associados. Estamos construindo também um projeto de comunicação do leite longa vida, para ser colocado em prática quando tivermos os recursos. Essas ações estarão alinhadas aos eventuais projetos de marketing institucional que venham a ser feitos no país.
MKP: No aspecto da rentabilidade, o Sr. considera que o número de empresas competindo é um fator que preocupa?
NM: É interessante analisar a questão sob uma perspectiva histórica. Embora existente no mercado brasileiro desde 1972, o longa vida permaneceu com baixa participação de mercado até o início da década de 90. Nesse período em que ele não cresceu, o leite pasteurizado também não cresceu. Nesse período em que o longa vida não tinha importância, o pasteurizado não conseguiu ser o vetor do crescimento do consumo de leite no Brasil. Muito provavelmente, por não atingir os mais diversos mercados, fruto da cadeia de frio ineficiente que temos no país. O leite longa vida é um fenômeno relativamente recente, que surgiu como produto relevante a partir da década de 90, com os investimentos feitos por diversas empresas, particularmente da Parmalat. Entre 1993 e 2003 o leite longa vida teve uma expansão espetacular. É muito raro ver uma categoria de produto que tenha tido tamanho crescimento. Houve anos em que o crescimento atingiu incríveis taxas de 40 a 50% ao ano. Em 10 anos, saiu praticamente do zero, de 3 a 4% de participação, chegando a 74% do total do leite fluido, que é o que representa hoje. Lógico que, nos últimos três anos, o crescimento foi mais baixo, mesmo porque nos atuais níveis de participação de mercado, não poderia ser diferente. Mas, de qualquer maneira, o crescimento do longa vida tem se mostrado, ano a ano, maior do que o crescimento do consumo de leite em geral. O leite longa vida é ainda o vetor do crescimento do consumo de leite no Brasil e, em locais onde esse consumo ainda é baixo, não tenha dúvida que ele desempenhará esse papel também.
Essa é a perspectiva de crescimento. Agora, voltando à questão do grande número de indústrias e de marcas presentes no mercado, é importante primeiro destacar a diferença entre marcas existentes e marcas presentes, ou seja, aquelas que realmente estão no mercado. Embora existam cerca de 140 marcas, cerca de metade, ou setenta, são efetivamente encontradas no mercado, disputando as gôndolas. Não é tanto assim, se levarmos em consideração o Brasil inteiro. Há outras categorias, como leite em pó e leite condensado, onde também existem dezenas de produtos concorrendo. Agora, como todo segmento em fase de desenvolvimento, há um momento de acomodação e o mercado irá dizer, daqui a um tempo, quantas indústrias e quantas marcas permanecerão.
MKP: Dá para dizer então que a primeira etapa, a de crescimento, foi bem feita. Agora, o que precisa é trazer de volta a rentabilidade para o segmento? O setor precisa se reinventar?
NM: Não diria que precisa se reinventar, mesmo porque possui uma base muito bem inventada, que está aí. A imagem do leite longa vida é muito boa, caso contrário não teria as vendas que tem. As dificuldades encontradas hoje no segmento de leite longa vida também existem nos outros segmentos do mercado de lácteos.
MKP: O longa vida tem uma dependência considerável do grande varejo. Até que ponto isso é ruim?
NM: Não tenha dúvida. Mas há o outro lado que não pode ser esquecido. Estar no grande varejo é o desejo de todos aqueles que lançam um produto no mercado. Com sua abrangência, o grande varejo é fundamental para fazer com que os produtos lácteos atinjam a maior parte da população. Os números do longa vida, nesse quesito, são espetaculares. O leite em si está presente em 99% dos lares. O longa vida está presente em cerca de 85% dos lares do Brasil, índice muito maior que os apresentados pelo leite em pó e pasteurizado. O consumo é limitado por questões mercadológicas, pelo custo logístico em determinados lugares, mas não por aceitação.
MKP: E o que pode ser feito para que a parte, digamos, ruim de depender do grande varejo possa ser reduzida?
NM: O que vemos com maior preocupação não é o quanto de leite longa vida está no varejo. Como disse, é um sonho de qualquer indústria, estar em redes que atingem todo o Brasil. O problema é o tratamento que o comércio dá ao leite, ao transformá-lo em um produto de tráfego, em grandes pilhas nos corredores, desvalorizando-o. Isso pode vir a prejudicar a imagem junto ao consumidor, reduzindo o valor, especialmente quando são feitas grandes promoções de preço, o que acaba trazendo o leite para um patamar de preço que não é bom para o setor. Nesse sentido, o preço praticado hoje não reflete a realidade do mercado, ou seja, se você considera o preço da matéria-prima, os insumos e impostos, o preço final ao consumidor não remunera a cadeia e, muitas vezes, não reflete também a negociação que foi feita com o supermercado. Muitas vezes o produto está sendo vendido sem nenhuma margem, com um esforço extraordinário do varejista para vender o produto, assim como faz com outros produtos. Sobre isso, certamente, o varejo tem responsabilidade. Olhamos isso com preocupação.
"O preço praticado hoje para o leite longa vida não reflete a realidade dos custos do produto."
MKP: E há como resolver isso?
NM: É complicado resolver, porque o varejista, ao comprar seu produto, é soberano ao definir sua política de comercialização. Há como valorizarmos o produto junto ao consumidor e, nesse sentido, trazer o varejo junto. Assim que tivermos um plano definido, o varejo será acionado. Do ponto de vista comercial, para o varejo é interessante também que o produto tenha maior valor. Pense que, em um mercado que gera R$ 5 bilhões por ano, algumas redes têm 10% desse volume. Se elas conseguirem melhorar 10% no preço, refletindo melhor a realidade de custos, melhorarão seus lucros e poderão remunerar a indústria e o produtor.
MKP: Nota-se também uma mudança na concepção das embalagens, que estão bem mais atrativas. Como o Sr. vê esse processo?
NM: Acho promissor, mas o que está travando a velocidade desse processo é justamente a baixa rentabilidade, que dificulta novos investimentos. Analisando o longo prazo, ou seja, como o mercado deverá estar redesenhado, a modificação das embalagens vai justamente no sentido de valorizar o produto junto ao mercado. As indústrias mais pró-ativas já começam a se colocar em evidência, no intuito de competir em um mercado que está difícil. As inovações não estão somente nas embalagens, mas passam também pelo desenvolvimento de produtos, como leites fortificados, aromatizados, produtos com ferro, sem lactose, etc. Há diferentes propostas, e empresas com visão mais apurada de suas perspectivas futuras já começaram a investir em embalagem, marca, algumas ações regionais de marketing e em produtos. Nesse grupo, entram os produtos com ingredientes funcionais, que embutem promessas ligadas à saúde.
MKP: Quando se fala em leite longa vida, sempre se aponta a questão dos custos de processamento e embalagem. Até que ponto essa é uma questão importante, ou faz parte do pacote de valor oferecido?
NM: A questão é muito importante, pois sempre se deve perseguir a melhoria da rentabilidade e uma das maneiras de fazê-lo é reduzir custos onde for possível. Posso garantir que hoje esse é o foco das empresas. Porém, do jeito que o mercado está configurado atualmente, a margem de manobra é muito pequena. Não há espaço para barganha nas etapas de composição dos custos e na comercialização. Hoje o cenário da cadeia láctea é praticamente inverso do que tínhamos há 10 ou 15 anos atrás, quando a produção de leite era insuficiente, o trade não tinha a força atual e poucas empresas dominavam os segmentos. O que vemos hoje é leite in-natura sobrando, mas mesmo assim com valor maior que a média histórica, um comércio concentrado e uma competição acirrada em todos os segmentos do mercado de lácteos. Quanto ao leite de modo geral, bem como quanto aos outros produtos lácteos, precisamos fomentar o consumo, estimular a exportação e com isso "enxugar" o excesso da produção. Enfim, devemos perseguir o equilíbrio entre produção e consumo e trazer o preço do produto final para um patamar condizente com os custos e, principalmente, com o significado dos produtos lácteos na vida do consumidor, que hoje paga muito mais por produtos que estão longe de oferecer-lhe os benefícios dos produtos lácteos, particularmente os do leite de consumo.
MKP: Falando em fomentar, como o Sr. vê a movimentação do setor, junto à Câmara Setorial, de desenvolver um projeto de marketing institucional em larga escala?
NM: Vou usar uma frase que foi utilizada na reunião: este é o momento. A mobilização vem quando todos são impactados. Não podemos afundar abraçados. Toda a cadeia é impactada e talvez o produtor seja o mais impactado, pois de nada adianta produzir e não ter para quem vender. Precisa-se falar melhor do leite - não se fala bem do leite, nem o setor fala, nem o governo fala. Acho que a iniciativa vem em boa hora.
MKP: Como está o leite longa vida no mundo hoje?
NM: Não há uma relação definida entre consumo de leite longa vida e características de desenvolvimento, por exemplo. Há países que têm baixo desenvolvimento e alto consumo de leite pasteurizado, assim como há países altamente desenvolvidos e com alto consumo de longa vida, como é o caso da França, onde 98% do mercado são de leite longa vida, da Alemanha, da Espanha e da Bélgica. São todos os mercados de bom poder aquisitivo e alto nível de escolaridade, que têm no leite longa vida a principal forma de consumo de leite fluido. E foi nesses mercados onde surgiu o próprio conceito de pasteurização. Há outros aspectos mercadológicos, bem como a disposição das indústrias em investir na implantação dos possíveis modelos, de modo a configurar o mercado local segundo seus objetivos.
MKP: O Sr. veio da área de marketing da Nestlé, uma empresa que sempre trabalhou muito bem as suas marcas. Como é agora estar em um segmento cuja valorização das marcas é um grande desafio?
NM: Não é objetivo da ABLV trabalhar marcas de produtos, tarefa destinada aos próprios associados. Efetivamente passei por profunda experiência no processo de criação e sustentação de marcas, coisa que você só consegue fazer se entender muito bem as categorias dos produtos que maneja. Hoje, naturalmente, meus olhos estão voltados para a categoria "leite de consumo", com foco no leite longa vida. Me sinto estimulado e feliz com minha missão.
