Aos 52 anos, Huguette é dona da fazenda São João True Type, cujas terras se espalham por 1.170 hectares no município de Inhaúma, a 85 km de Belo Horizonte. Todo o leite da fazenda é vendido para a Cooperativa Central de Produtores Rurais de Minas Gerais (CCPR), que tem 50% de participação no capital no laticínio Itambé - os outros 50% pertencem à Vigor.
O leite vai preferencialmente para a fábrica da Itambé mais próxima, em Sete Lagoas. Lá é transformado em leite condensado, que abastece mercados de várias regiões do país, e em leite em pó, vendido nas regiões Norte e Nordeste. A planta de Pará de Minas, de onde saem iogurtes, também recebe ocasionalmente leite da fazenda São João.
O rebanho de vacas holandesas de Huguette produz, em média, 33,4 mil litros por dia. Em 2014, quando 1.100 - de um total de 1.300 animais - estavam em lactação, a produção foi de 11,8 milhões de litros. Sua meta é bater nos 16 milhões de litros em cinco anos.
Gráfico 1 - Evolução dos 6 maiores produtores de leite - Top 100 MilkPoint 2010 - 2015
Fonte: Top 100 MilkPoint 2015
A pecuarista não revela o faturamento da fazenda. Mas levando em conta o volume de leite produzido na propriedade e o valor que a cooperativa paga por litro, a receita girou em torno dos R$ 14 milhões no ano passado. Isso sem contar a receita com os leilões de animais de vacas e bezerras.
Viúva e mãe de três rapazes, a empresária divide seu tempo entre a sede da fazenda e sua casa na capital mineira. Rafael, o mais velho, está também no dia a dia da propriedade. Marcel, 18, estuda engenharia química; Victor, de 17, está no Canadá, num programa de intercâmbio.
Há pouco mais de três anos, quando seu marido Flávio de Noronha Guarani morreu, Huguette teve de enfrentar não só o baque da perda com também um mar de boatos de que a fazenda seria vendida. "A gente ouviu muito isso, que iríamos vender ou que iríamos quebrar depois que o Flávio faleceu. Todo dia vinha um falando: 'Ah, você já vendeu? quando vai vender'", lembra a empresária. Flávio e Huguette haviam adquirido a fazenda em 1994, mas só em 2002, depois de um longo período de preparo, o projeto de leite começou a rodar. Flávio era acionista do Banco Mercantil do Brasil, de Minas, e um dos sócios de uma fábrica da Coca-Cola.
Ter uma fazenda era um sonho que ele trazia da juventude e que agradava muito à mulher. O pai de Huguette, um francês da região de Loiret foi fazendeiro na França e depois no Marrocos antes de se mudar para o Brasil. Casou-¬se aqui com uma mineira. Huguette nasceu em Belo Horizonte.
Para Jacques Gontijo, presidente da CCPR e ex-¬colega de faculdade de Flávio, foi Huguette quem influenciou o marido a apostar na pecuária leiteira. "Ela sempre gostou muito do leite e se mostrou muito determinada e uma produtora muito competente." Há três anos, diz a empresária, a fazenda tem importado embriões de qualidade superior de vacas holandesas de uma grande fazenda do Wisconsin, EUA. "Já devo ter investido aqui uns R$ 50 milhões, desde o início do projeto", disse, enquanto circulava com a reportagem por um dos cinco galpões que abrigam as vacas.
Este ano, ela faz um novo investimento. O plano é agregar mais 800 vacas até o fim do ano ao rebanho que era de 1.300 vacas em 2014. Cerca de 400 já foram adquiridas. O aumento está associado a uma mudança que Huguette começou a testar na fazenda: os novos animais não serão mantidos nos galpões com temperatura e umidade controladas, onde hoje o plantel de holandesas é alimentado no coxo. Os novos, mestiços de gado holandês com gir - com 3/4 ou 7/8 da raça holandesa - ficarão no pasto, numa área irrigada por um pivô central.
São animais mais resistentes. E tratá-los assim é, acima de tudo, uma forma de reduzir a dependência de mão de obra. Huguette afirma que precisa de cinco funcionários para cuidar dos cerca de 400 animais que já estão sob o novo sistema, no pasto irrigado. Os 1.100 animais em lactação confinados carecem de cuidados mais diretos de cerca de 40 funcionários. A fazenda tem atualmente 79 funcionários.
Gado leiteiro para produção em larga escala no pasto irrigado é um modelo que faz sucesso na Nova Zelândia e em algumas regiões menos frias dos EUA, conta a empresária. "Estamos começando esse projeto e lá na frente vamos avaliar se ficarão os dois sistemas (confinamento e pasto) ou se um vai predominar".
Descontraída e aparentando estar muito à vontade no papel de fazendeira, Huguette lembra que chegou a estudar com o marido a possibilidade de investir num laticínio próprio. A ideia não está descartada. "Está em stand by", diz. Outra ideia que não está descartada é de uma sociedade e mesmo de uma venda. É um assunto que ela trata com cautela para não dar asa a novas especulações. "Minha fazenda não está à venda", avisa. "Mas estou sempre aberta a conversas em torno de negociações para venda e para sócios. No momento, no entanto, não estou buscando nenhuma das duas possibilidades."
No Top 100 MilkPoint 2015, além de Huguette aparecem os nomes de outras cinco mulheres. A mais bem colocada atrás dela é Caroline Seibt, de Presidente Olegário, também em Minas Gerais, na 16ª posição. "É um universo muito masculino", diz Huguette. "Mas nunca senti nenhum tipo de preconceito. Para mim sempre o que chega é receptividade, acolhimento, curiosidade. Quase como se eu fosse uma referência."
A reportagem é do Valor Econômico, adaptada pela Equipe MilkPoint.
