Em ruminantes a secreção de tampões fosfato e, principalmente, bicarbonato, pela saliva é um processo importante para a manutenção do pH do fluído ruminal dentro de limites fisiológicos compatíveis com a manutenção da fermentação e a saúde de vacas leiteiras.
Em alguns casos, a suplementação de tamponantes pela dieta pode ser benéfica ao desempenho animal. Resposta positiva a este grupo de aditivos alimentares pode ocorrer em manejos alimentares ou formulações dietéticas capazes de causar acidificação excessiva do ambiente ruminal (baixo pH).
Algumas condições acidogênicas merecem ser citadas: dietas com alta proporção de alimentos concentrados visando atender à demanda energética de vacas com alta demanda nutricional; quando forragens finamente moídas, especialmente a ácida silagem de milho, são a base alimentar do rebanho; quando alimentos de alta fermentabilidade no rúmen, como silagem de grão úmido de milho, são uma proporção significativa da dieta; quando não se adota o sistema alimentar de Dieta Completa e toda a alimentação concentrada é fornecida separadamente da forragem e em baixa freqüência diária; ou quando se utiliza dietas excessivamente úmidas capazes de deprimir o fluxo para o rúmen de tamponantes da saliva.
Tamponantes neutralizam ácidos presentes na dieta, produzidos na fermentação ruminal ou no metabolismo animal ou secretados durante a digestão. O termo "tamponante" é usado genericamente em nutrição. Os "tampões verdadeiros" previnem o aumento na acidez (redução no pH) mas não aumentam o pH acima de um determinado valor. Exemplos de tampões verdadeiros seriam o bicarbonato de sódio (NaHCO3), o sesquicarbonato de sódio (Na2CO3NaHCO3 2 H2O) e o calcário calcítico (CaCO3, carbonato de cálcio). Os "alcalinizantes", outro tipo de aditivo alimentar, além de neutralizarem a acidez também podem causar aumento grande no pH. O óxido de magnésio (MgO) é um exemplo de alcalinizante usado na alimentação animal. Desde que vacas em lactação raramente têm problemas com pH ruminal excessivamente alto, a indústria da nutrição tem utilizado o termo "tamponante" para genericamente descrever os tampões verdadeiros e os alcalinizantes.
A acidez excessiva do ambiente ruminal pode afetar o desempenho animal por reduzir o fluxo de acetato para os tecidos, por causar queda na eficiência de síntese de proteína microbiana, por reduzir a digestão ruminal da fibra, por deprimir a ingestão de alimentos, ou através da indução de patologias ligadas à ocorrência de acidose clínica ou subclínica. Quadros de acidose ruminal podem inibir a motilidade do rúmen e desencadear distúrbios morfológicos em tecidos epiteliais queratinizados estratificados, como os dos cascos e da parede ruminal.
Tamponantes podem ter efeito positivo mais pronunciado em animais concomitantemente sujeitos a stress calórico e a manejos alimentares caracterizados pelo fornecimento de forragem separadamente dos concentrados. Nestes casos o calor e a umidade ambientais podem deprimir mais a ingestão de forragem do que a ingestão de concentrados, reduzindo o teor de fibra fisicamente efetiva na dieta e a produção natural de tampões salivares. Desde que animais em stress calórico podem ter perda acentuada de potássio pela sudorese, tamponantes a base deste mineral poderiam substituir os tamponantes rotineiramente utilizados, normalmente à base de sódio. Carbonato de potássio ou bicarbonato de potássio teriam ação química similar aos seus similares de sódio. Esta substituição seria teoricamente mais benéfica quanto menor for o teor de potássio na forrageira utilizada.
O carbonato de cálcio não atua bem em pH acima de 5,5 e portanto não é um bom tampão ruminal. Semelhantemente ao óxido de magnésio, este pode aumentar a digestibilidade do amido no intestino de animais recebendo dietas ricas em grãos. Estes tampões podem aumentar o pH do intestino delgado, melhorando a ação das enzimas envolvidas na digestão intestinal do amido. Dietas ricas em amido, e onde visualmente se observa muita perda fecal deste nutriente, podem mostrar maior resposta à inclusão de óxido de magnésio e carbonato de cálcio. Entretanto, o calcário calcítico é uma fonte de cálcio barata e rotineiramente utilizada. Logo o efeito deste alimento sobre a digestão do amido pode ser considerado um bônus. A utilização do óxido de magnésio também pode ser benéfica por elevar o magnésio na dieta para teores em torno de 0,4 a 0,6% da matéria seca, interessante para propiciar a absorção deste mineral no rúmen-retículo por transporte passivo, uma estratégia eficaz para atuar sobre a homeostase do cálcio no organismo, principalmente em dietas com alto teor de potássio.
Tamponantes também podem ser interessantes quando animais são transferidos de dietas com alto teor de forragem para dietas com alto teor de concentrados. É atrativo o uso de tamponantes no período peri-parto (Período de transição, dias -21 a +21 com relação ao parto). Entretanto, tamponantes não deveriam ser suplementados antes do parto. Tamponantes são fontes líquidas de cátions (Ex: Na+ e K+). Estes têm efeito inverso a um sal aniônico e podem aumentar a incidência de vacas com hipocalcemia clínica e subclínica no rebanho. Outros motivos justificam a não necessidade de tamponantes no pré-parto: o pH ruminal não é ácido nos dias que antecedem o parto, pois neste período a ingestão de matéria orgânica fermentável no rúmen é fisiologicamente baixa, e dietas de transição têm teor de forragem adequado para não causar acidose ruminal (normalmente em torno de 60% da matéria seca). Caso se almeje o uso de tamponantes no período de transição, a suplementação poderia ser iniciada logo após o parto.
O mecanismo de ação dos tamponantes pode não ser único. Tamponantes não têm consistentemente afetado variáveis descrevendo o balanço ácido-básico de bovinos, seja a nível ruminal ou sistêmico. Portanto, estes podem não estar atuando unicamente como tampões ruminais ou metabólicos. Tem sido proposto que a ação benéfica de tamponantes seria conseqüência da ação dos mesmos sobre o consumo de água e a velocidade de passagem da fase fluida da digesta pelo rúmen, afetando, portanto, a proporção do amido dietético que escapa da fermentação ruminal. Entretanto, o efeito do bicarbonato de sódio sobre o pH ruminal parece não ser completamente explicável pelo aumento induzido na taxa fracional de passagem da fase fluida ruminal (Kohn & Dunlap, 1998).
A adição de tamponantes à dieta pode afetar positivamente o teor de gordura no leite e o consumo de matéria seca. A resposta em aumento de consumo à inclusão de tamponantes é aguda. O fornecimento de tamponante eliminou a queda no consumo quando vacas foram abruptamente mudadas de uma dieta com teor adequado de forragem para uma dieta com baixa forragem e alto amido (Pereira et al., 1999) (Figura 1). Neste experimento o efeito positivo do bicarbonato sobre a ingestão de matéria seca não se explicou por ação do tamponante sobre a fermentação ruminal. Interessantemente, foi observada uma maior freqüência de vacas com pH ruminal abaixo de 5,8 nos tratamentos recebendo bicarbonato. A correlação positiva entre a suplementação com tamponante e o consumo de matéria seca pode explicar a maior incidência de valores baixos de pH ruminal nos animais suplementados com este aditivo. Em outros experimentos de larga escala vacas consumindo tamponantes também tiveram maior ingestão diária de alimentos e produção de leite no início da lactação, mas com pH ruminal semelhante (Kilmer et al., 1980) ou inferior (Rogers et al., 1985) aos animais não suplementados. O bicarbonato também não afetou a concentração de D-lactato no plasma, mais uma vez mostrando a ausência de efeito do tamponante sobre a fermentação ruminal (Pereira et al., 1999). Maior capacidade tamponante sistêmica (Rogers et al., 1985) pode estar envolvido na resposta em consumo de matéria seca à suplementação com bicarbonato.
Apesar das teorias explicando o baixo teor de gordura no leite (NRC, 2001) também envolverem mecanismos não atuáveis por suplementação com tamponantes, quanto menor o teor de gordura no leite, maior o potencial de resposta à suplementação com tamponantes. Uma relação variando de 2 a 3 para 1 entre bicarbonato e óxido de magnésio tem sido freqüentemente adotada pela indústria. É bem utilizada inclusões de bicarbonato à dieta variando de 0,8 a 1,0% da matéria seca, correspondente a um consumo diário entre 150 e 250 gramas por animal. Recomendações de inclusão de óxido de magnésio são normalmente ao redor de 0,4% da dieta. Vacas irão absorver o sódio, o magnésio, o potássio e o cálcio eventualmente contido nos tamponantes, portanto é importante verificar se o teor dietético destes minerais está dentro de limites adequados. Quando da definição do uso de tamponantes considere que resposta mais acentuada à suplementação ocorrerá em rebanhos adotando dietas ou manejos alimentares potencialmente acidogênicos, e ocorrerá mais nitidamente naqueles apresentando baixo teor de gordura no leite.
Referências citadas:
Kilmer et al., 1980. Journal of Dairy Science, 63: 2026.
Kohn & Dunlap., 1998. Journal of Animal Science, 76: 1702.
National Research Council. 2001. Nutrient Requirements of Dairy Cattle. 7a ed.
Pereira et al., 1999. Journal of Dairy Science, 82: 2716.
Rogers et al., 1985. Journal of Dairy Science, 68: 646.
Figura 1: Consumo diário de matéria seca de vacas Holandesas durante os 7 primeiros dias após mudança abrupta de uma dieta com teor adequado de forragem para uma dieta com baixa forragem e alto amido suplementada () ou não () com 0,8% da matéria seca de bicarbonato de sódio. O valor V é o consumo médio de matéria seca durante o período pré-experimental de padronização no qual os animais consumiam a dieta com teor adequado de FDN oriundo da forragem (Pereira et al., 1999).