Antes de mais nada, é preciso adiantar que a substituição total do leite por soro é impossível. Embora o soro seja derivado do leite, sua composição é totalmente distinta, não permitindo a correta nutrição de bezerras em fase de amamentação. Uma das diferenças é que o soro praticamente não possui gordura (0,8% da matéria seca), embora possua alto valor energético. Esta energia é oriunda de uma alta concentração de lactose (65-70% da matéria seca), o carboidrato do leite. O excesso de lactose provoca diarréia em bezerros (por fermentar no intestino) o que, por si só, já impediria a substituição completa do leite. Esta possibilidade de diarréia é agravada pela alta concentração mineral (desbalanceada) em sua composição. Outro inconveniente é seu baixo teor protéico (10-12% da matéria seca, na forma de albuminas e globulinas), insuficiente para atender às exigências de bezerros recém-nascidos, muito embora a digestibilidade desta proteína seja semelhante à da caseína, a proteína do leite.
Devido a esta alta digestibilidade de sua proteína, o soro seco é muitas vezes concentrado de diversas formas por processos mais sofisticados (soro delactosado ou proteínas concentradas de soro 35 a 70% de proteína bruta), o que permite seu uso principalmente na formulação se sucedâneos lácteos de boa qualidade.
Nas nossas condições práticas, no entanto, quando disponível, o soro encontra-se em sua forma líquida, que tem a desvantagem adicional de possuir teor muito baixo de matéria seca (5-6%). Mesmo com todas as limitações mencionadas, parece existir a possibilidade de aproveitamento deste alimento. É o que demonstrou um experimento realizado no Instituto Tecnológico de Veracruz, no México.
Soro de leite não pasteurizado, proveniente de uma fábrica de queijo fresco foi inoculado com lactobacilos e deixado fermentando em temperatura ambiente por até 48 horas. Esta fermentação teve por finalidade estabilizar o produto e diminuir sua contagem microbiana. O pico da fermentação ocorreu entre 18 e 36 horas. A população de coliformes diminuiu após 24 horas e desapareceu após 36 horas, o que indica que o soro já poderia ter sido utilizado após este período.
Após a fermentação, o soro foi fornecido a 24 bezerros recém-nascidos (Holandês x Zebu e Pardo-Suíço x Zebu), alojados e alimentados individualmente. Três machos e três fêmeas foram destinados aleatoriamente a cada um dos 4 tratamentos testados:
T1) controle, que recebeu 4 litros de leite fresco/dia;
T2) Quatro litros de leite fresco + 2 litros de soro fresco;
T3) Quatro litros de leite fresco + 2 litros de soro fermentado;
T4) Três litros de leite fresco + 3 litros de soro fermentado
O leite foi oferecido até a desmama, aos 3 meses de vida. O soro foi incluído na dieta após o primeiro mês em incrementos de 1 litro por mês até o sexto mês. Os animais também receberam um concentrado à vontade até a desmama e na quantidade fixa de 1 kg/dia após a desmama. Feno de grama estrela também ficou à disposição dos animais durante o período experimental.
Dentre os parâmetros avaliados, a principal observação foi que o fornecimento de soro permitiu economia de concentrado. Um resumo dos resultados pode ser observado na tabela 1.
Tabela 1: Consumo e desenvolvimento
O tratamento T4 teve um consumo superior aos T2 e T3, e semelhante ao T1. Os autores sugerem que este maior consumo deveu-se a uma necessária compensação, em função da substituição parcial de 1 litro de leite por um litro adicional de soro, o que comprova a insuficiência do soro como substituto do leite.
No entanto, os pesos auferidos à desmama ou aos 6 meses de idade não apresentaram diferença estatística (lembre-se que os bezerros continuaram recebendo quantidades crescentes de soro da desmama até os 6 meses de vida). O mesmo foi observado em relação ao ganho em peso médio diário.
Os autores concluem que o soro fermentado pode economizar até 40% do concentrado e pode substituir até 25% do leite na dieta de bezerros.
Comentário do autor: em regiões onde há disponibilidade de soro, esta pode ser uma boa referência para seu aproveitamento. É preciso lembrar que seu custo tem que ser realmente muito baixo (quase gratuito), já que seu teor de matéria seca (onde os nutrientes realmente se encontram) é muito baixo. Cerca de 90% do soro é água!. Procedimento interessante é a fermentação prévia, já que o soro proveniente da fabricação de queijo fresco normalmente não é pasteurizado, o que pode contribuir para a transmissão de determinadas doenças e infecções em geral.
Fonte:
Juarez, F.I. et al. 2002. Using non-pasteurized fermented whey in calf feeding. J.D.Sci. 85, volume 1, pág 239.
Montero, M. et. al, 2002. Fermentation of non-pasteurized whey with probiotic Lactobacilli for calf feeding. J.D.Sci. 85, volume 1, pág. 281.