O conceito por trás dessa técnica era promover uma adaptação dos microrganismos ruminais às rações mais ricas em concentrado, fornecidas no início da lactação. Dessa forma seriam minimizados os problemas de acidose ruminal, recusa de alimentos e ocorrência de distúrbios metabólicos que frequentemente ocorrem em animais nessa fase.
Além disso, as vacas teriam outros benefícios com essa prática, como maximização do consumo de matéria seca, provisão de mais propionato para suportar a intensa gliconeogênese hepática, redução na mobilização de reservas gordurosas, e aumento no tamanho das papilas ruminais, aumentando a capacidade de absorção de ácidos graxos voláteis no rúmen.
Um dos pesquisadores que mais publicaram trabalhos e artigos sobre esse tema é o Doutor Ric Grummer, da Universidade de Wisconsin, nos EUA. Estudei muitos dos seus textos, alguns deles utilizo regularmente como consulta. E recentemente tive um choque, quando o Doutor Grummer nos surpreendeu, dizendo para esquecermos tudo o que ele tinha dito ou escrito nos últimos 15 anos sobre o assunto.
Isso ocorreu no mês passado, no excelente X Curso Novos Enfoques na Produção e Reprodução de Bovinos, promovido pela Conapec Jr., coordenado com extrema competência pelo Professor José Luiz Moraes Vasconcellos, o Zequinha, da UNESP de Botucatu. Nesse evento o Doutor Grummer apresentou novos conceitos para se trabalhar a alimentação de vacas leiteiras no período de transição, que serão discutidos neste radar.
Vamos rever e re-avaliar os argumentos que sempre deram sustentação à recomendação de aumentar a densidade energética das rações de transição, analisando sua sustentabilidade face aos dados e informações disponíveis atualmente.
Adaptação Microbiana
Surpreendentemente, apesar de esse ser um dos argumentos mais fortes a favor do aumento no fornecimento de concentrado para vacas pré-parto, não tem respaldo científico. Não há pesquisa que mostre as alterações na população microbiana do rúmen no período de transição, e nem como essas alterações poderiam ser influenciadas pela alimentação.
Na literatura há dados que mostram ser necessários 15-20 dias para que o ambiente ruminal se adapte a uma mudança brusca na alimentação, mas realmente é necessário aumentar o fornecimento de concentrado nas últimas 3 semanas de gestação?
No caso de vacas a pasto que recebem no cocho apenas concentrado isso pode fazer sentido, mas para vacas que recebem ração completa não. O consumo de rações completas resulta em menores quantidades de concentrado sendo consumidas por um período mais longo de tempo, o que reduz a chance de prejudicar a população microbiana.
Outro ponto a considerar é que o consumo de vacas em transição é inerentemente baixo, de forma que é pouco provável que esses animais ingiram rapidamente grande quantidade de concentrado, a ponto de provocar picos excessivos de produção de ácidos no rúmen.
Além disso, o consumo normalmente aumenta gradativamente pós-parto, de forma que as vacas naturalmente são introduzidas a rações ricas em concentrado nesse período. Ou seja, as vacas podem ser adaptadas após o parto, quando começam a receber uma ração para lactação.
Maximização do Consumo de Matéria Seca
É consenso geral que o fornecimento de rações mais ricas em CNF (carboidratos não fibrosos) antes do parto promove o aumento no consumo de MS. Há muito pouco debate sobre isso na comunidade científica. A premissa para se adotar essa prática é que o balanço energético negativo seria minimizado, de forma que mobilizariam menos gordura do tecido adiposo, o que resultaria em menor incidência de cetose e fígado gorduroso. No entanto, vários trabalhos tradicionais não dão suporte a essa recomendação.
Em primeiro lugar, novilhas consomem menos MS que vacas adultas, em relação ao peso vivo, e mesmo assim via de regra apresentam menos problemas de fígado gorduroso pós-parto. Em segundo lugar, vacas que recebem alimentação restrita nas últimas 3 semanas de gestação, seja por menor oferta, seja por aumento no teor de volumoso das rações, não sofrem maior ocorrência de fígado gorduroso ou aumento na concentração sanguínea de corpos cetônicos, sintoma de ocorrência de cetose.
Como tanto novilhas como vacas que receberam alimentação restrita apresentam menor queda no CMS pré-parto, o grupo de pesquisa da Universidade de Wisconsin passou a trabalhar com a hipótese de que a magnitude da queda no CMS está mais relacionado à quantidade de gordura mobilizada do tecido adiposos do que a ingestão total de MS. E de fato, a compilação de dados de alguns estudos recentes feita pela equipe do Dr.Grummer deu suporte a esta hipótese.
Assim, o objetivo no manejo de vacas em transição deve ser evitar reduções significativas de consumo nesse período. A aumento no fornecimento de concentrado pré-parto resulta em aumento no CMS total, predispondo as vacas a quedas mais dramáticas de consumo no início da lactação.
E fatores de manejo que interferem com o consumo de alimentos, tais como falta de espaço no cocho, falta de controle de stress térmico, e mudanças muito bruscas de lote, resultam em prejuízo ainda maior para vacas que recebem rações ricas em concentrado no período de transição.
Minimização da Mobilização de Reservas Gordurosas
O principal argumento a favor da maximização do consumo pré-parto é que isso vai melhorar o balanço energético no início da lactação, de forma que haverá menor necessidade de mobilização de reservas. Presume-se que isso ocorra em função da maior formação de precursores gliconeogênicos (propionato) no rúmen, com consequente menor necessidade de mobilização de gordura.
Se a vaca entre em balanço energético negativo antes do parto, normalmente não é muito intenso, e dura poucos dias. Assim, alguns técnicos e pesquisadores têm postulado que não vale a pena formular uma ração de transição com mais energia do que o necessário, a não ser nos últimos dias antes do parto. Na verdade, há dois argumentos interessantes contra a adoção de rações ricas em energia no pré-parto.
Um deles é que a mobilização de reservas gordurosas é um fenômeno natural, comum a todos os mamíferos, que faz parte da adaptação à lactação. Dessa forma, acredita-se que o fornecimento de energia extra não vai minimizar a mobilização de gordura. Há evidências suficientes para acreditar que o aumento da densidade energética das rações de transição não reduzem a incidência de fígado gorduroso.
Para dar ainda mais solidez a esse argumento, alguns estudiosos acreditam que o fato de passar por um balanço energético negativo moderado no final da gestação acaba "preparando" o fígado para as dramáticas mudanças que acontecem após o parto, como o aumento no nível de ácidos graxos livres no sangue, o que é benéfico para a vaca.
Um segundo argumento contra o aumento na densidade energética das rações de transição é a possibilidade de a vaca desenvolver resistência à insulina, o que resultaria em aumento na mobilização de gordura pós-parto, com consequente aumento na incidência de distúrbios metabólicos. Os dados que sustentam esse argumento baseiam-se em experimentos onde se alimentou as vacas com altos níveis de concentrado durante todo o período seco, de forma que podem estar relacionados a vacas com escore de condição corporal excessivo ao parto.
Adaptação do Epitélio Ruminal
É consenso geral de que o fornecimento de mais CNF no período de transição contribui para o elongamento das papilas ruminais, o que aumenta a capacidade absortiva dos AGVs produzidos no processo fermentativo ruminal. Com o aumento no consumo de concentrado pós-parto, a produção de AGV no rúmen aumenta. Se esses compostos não forem eficientemente removidos do meio, o pH ruminal cai bastante, tornando a vaca suscetível à acidose. Nesse contexto, quanto maior a capacidade de absorção das papilas, melhor.
No entanto, estudos recentes não dão suporte a essa teoria, principalmente se a mudança da ração de transição para a ração de início de lactação não for muito drástica. As evidências levam a crer que o fornecimento de concentrado adicional no pré-parto a fim de promover a desenvolvimento do epitélio ruminal só faz sentido se houver uma mudança muito drástica no perfil da ração de transição para a de início de lactação.
Aumento na Produção de Leite
Se o aumento na densidade energética das rações de transição resultasse em redução na ocorrência de distúrbios metabólicos pela menor mobilização de reservas no início da lactação, melhor adaptação da flora microbiana a rações com maiores teores de CNF e maior capacidade de absorção de AGV no rúmen, com menor ocorrência de acidose, seria de se esperar melhor desempenho produtivo das vacas no início da lactação.
A tabela 1 resume os resultados de 9 trabalhos conduzidos nos últimos 10 anos, nos quais se avaliou a resposta produtiva ao aumento na densidade energética das rações de transição. Em nenhum deles se observou diferenças significativas na produção de leite, o que é um indício bastante sólido de que o teor de CNF das rações de transição não afeta a produção de leite na lactação subseqüente.
Tabela 1. Resumo de estudos recentes que avaliaram o fornecimento de rações com alto ou baixo teor de CNF, iniciando na secagem (Grum et al., 1996, Douglas et al., 2004), ou 3 a 4 semanas antes do parto (todos os demais). Valores seguidos por * indicam diferença significativa (P<0,05) entre os tratamentos.
Conclusões
Não há evidências de que as rações de vacas no período de transição devam ser mais densas em energia. Há alguns indícios que sugerem que quedas drásticas no CMS pré-parto devem ser evitadas.
No entanto, tudo leva a crer que isso se relaciona mais a aspectos de manejo (mudanças abruptas na alimentação imediatamente antes do parto, falta de espaço no cocho, superlotação de instalações, ocorrência de stress térmico) do que ao fornecimento de uma ração com relação volumoso:concentrado inadequada. Obviamente, alimentos de qualidade muito ruim devem ser evitados, principalmente volumosos.
Literatura citada
GRUMMER, R. R.; KULICK, A. High Forage or High Grain for Prefresh Transition Cows?. X Curso Novos Enfoques na Produção e Reprodução de Bovinos. Uberlândia, 2006. Conapec Jr.