Um frequente problema encontrado na pecuária de leite é a chamada "síndrome da vaca caída", que se caracteriza pela incapacidade do animal se levantar e progressivamente culmina com o óbito, apesar dos diversos tratamentos empregados.
Supõe-se que entre 70 a 80% dos animais acometidos pelo distúrbio possam ter desenvolvido deficiência aguda de cálcio. Desta forma, abruptamente ocorre uma queda da quantidade deste mineral na circulação sanguínea, comprometendo diversos sistemas do organismo. O cálcio possui como principais funções a solidificação da matriz óssea, tornando o osso mais resistente, tendo ainda fundamental importância na transmissão do impulso nervoso, contração muscular e coagulação sanguínea.
A hipocalcemia pode ocorrer em grandes animais de forma crônica, como a cara inchada em equinos, e também aguda, observada principalmente em vacas com mais de três ordenhas no pós-parto imediato. A mobilização de cálcio sanguíneo para a produção de leite, especialmente nas primeiras horas após o parto, é extremamente elevada e muitas vezes causa desequilíbrio na manutenção do cálcio sanguíneo. A concentração de cálcio no colostro, leite inicial produzido pela vaca, é de 2,2 gramas por litro, ou seja, uma vaca que produza 9 litros de colostro secretou basicamente toda a quantidade de cálcio que deveria estar circulando no sangue. Os principais sinais observados na vaca com hipocalcemia são tremores musculares e posteriormente paralisia muscular e decúbito lateral, evoluindo a óbito frequentemente mesmo com tratamento adequado.
Existem mecanismos responsáveis pela regulação da concentração de cálcio no organismo, associados ao paratormônio (PTH) e vitamina D, os quais agem principalmente aumentando sua absorção intestinal proveniente da alimentação, bem como a retirada deste íon dos ossos para elevar a quantidade sanguínea. No entanto, animais que recebam grande quantidade de cálcio alimentar durante a gestação aparentemente se tornam irresponsivos a estes mecanismos reguladores após o parto, quando ocorre uma queda repentina da concentração sanguínea do mineral. Assim, acredita-se que dietas com baixo teor de cálcio devam ser usadas durante a gestação, com incremento apenas nas duas últimas semanas de gestação, quando a glândula mamária começa a se preparar para produção de colostro. No entanto, apesar de reduzir a incidência do problema, esse procedimento ainda não foi eficaz para eliminar o aparecimento da hipocalcemia.
Há de se considerar a co-participação da hipomagnesemia no processo, uma vez que o magnésio tem importante ação nos mecanismos de absorção alimentar de cálcio e remodelamento ósseo. O magnésio também está presente na constituição óssea e tem importante ação no relaxamento muscular, o que leva ao desenvolvimento de tetania (contração) muscular no caso de uma deficiência. Este sinal pode ser observado em animais que se alimentam exclusivamente em pastos que foram adubados com nitrogênio ou fosfatos, reduzindo a quantidade de magnésio disponível para o crescimento das plantas. Muitas pesquisas demonstram a deficiência subclínica do magnésio em vacas secas, provavelmente associada a pastagens com magnésio insuficiente. Portanto, estes animais se tornariam "resistentes" aos efeitos do aumento de cálcio na alimentação das vacas gestantes, pela ausência do magnésio agindo nos mecanismos regulatórios. Desta forma, explica-se o motivo pelo qual o magnésio se encontra comumente associado à solução de cálcio usada como medicação para reverter a hipocalcemia em vacas. O tratamento é feito de forma rápida, utilizando-se borogluconato de cálcio, com doses adicionais caso necessário, sob assistência de um médico veterinário. No entanto, alguns animais simplesmente não respondem a esta medicação, ou apresentam redução da produção de leite e se tornam predisponentes ao desenvolvimento de mastite, problemas no parto e retenção de placenta, o que acentua a preocupação por formas de prevenção da doença.
Atualmente, tem-se discutido a importância de dietas aniônicas ou catiônicas em vacas durante o período pré-parto. Ânions são substâncias com carga elétrica negativa, e cátions com carga elétrica positiva. O efeito do somatório final das cargas ingeridas na alimentação define o equilíbrio do organismo, o qual utilizará substâncias tampões para sua manutenção. Assim, constatou-se que animais que recebem alimentação com alto teor de cátions, como o sódio, cálcio e principalmente potássio, irão contrabalancear esse excesso de cargas positivas com aumento de bicarbonato circulante, o que tornará o ambiente orgânico alcalino. As alterações de pH interferem com os diversos mecanismos fisiológicos, dentre eles a ação do paratormônio (PTH), que fica impossibilitado de elevar a absorção intestinal de cálcio, bem como mobilizá-lo do tecido ósseo. Um trabalho de Corbellini (1996) demonstrou que a adição de substâncias aniônicas na alimentação pré-parto das vacas gestantes reduziu para 0,6% a incidência de hipocalcemia, contra um resultado de 12,5% da doença em animais que só receberam ração catiônica. A intenção desta dieta é de restabelecer a condição de neutralidade orgânica, quebrada pelos alimentos com alta concentração de carga positiva.
A prática demonstra que alimentos a base de silagem de milho, fenos de gramíneas e grãos possuem menores concentrações de cátions do que pastagens verdes e fenos de leguminosas. Portanto, vacas secas recebendo alimentação apenas a base de pasto e/ou leguminosas seriam mais predisponentes ao desenvolvimento de hipocalcemia pós-parto.
Para a administração de dietas aniônicas às vacas secas, deve-se adicionar sais aniônicos à alimentação. Através da consulta a um técnico nutricionista, avalia-se a quantidade de sais catiônicos presentes na dieta, variável de um local para o outro de acordo com as condições de cada propriedade, e calcula-se a quantidade de sais aniônicos a ser administrado. As principais fontes aniônicas utilizadas são sulfatos e cloretos, de amônio, cálcio e magnésio, sendo que os animais apresentam resistência ao consumo destas substâncias pela alteração da palatabilidade do alimento, necessitando utilizar-se uma quantidade mínima de concentrado para mascarar o sabor desagradável. O mais palatável dentre eles é o sulfato de magnésio, e o menos palatável é o cloreto de cálcio.
Como principal contra-indicação da dieta aniônica, tem-se a redução da ingestão de alimentos, observada em várias categorias, mas principalmente em vacas gestantes de gêmeos e novilhas, o que torna o balanço energético negativo nestes animais e pode predispor ao desenvolvimento de cetose no pós-parto ou redução da produção de leite. Existem diversos trabalhos tentando provar a eficiência da dieta aniônica na prevenção da hipocalcemia, sendo que os resultados obtidos são bastante conflitantes, não sendo ainda possível confirmar a verdadeira validade desse método.
Portanto, propriedades que possuam alto índice de hipocalcemia, e que já sentiram o custo que o distúrbio representa na produção, devem atentar para estes problemas de manejo alimentar das vacas secas: fornecimento exagerado de cálcio durante todo o período seco, que tornaria os animais refratários ao PTH no momento do parto para mobilização sanguínea deste elemento; alimentação exclusiva em pastagem adubada com fosfato, reduzindo a quantidade de magnésio e afetando, da mesma forma, a concentração de cálcio no pós-parto imediato; verificar o equilíbrio eletrolítico da alimentação fornecida às vacas secas, principalmente feno de leguminosas ou pastagem previamente tratada com potássio. Apesar de ainda não comprovada pelos pesquisadores, a dieta aniônica pode ser considerada nos casos em que sejam descartados o excesso de cálcio a vacas secas ou hipomagnesemia. Por fim, estas alterações de manejo representam apenas estratégias que podem ser utilizadas, mas com o acompanhamento de um técnico capacitado para identificar o principal problema e sugerir qual método se aplica adequadamente à realidade da propriedade.
Mais informações, consulte as fontes abaixo.
Fontes:
CAVALIERI, F.L.B.; SANTOS, G.T. Balanço catiônico-aniônico em vacas leiteiras no pré-parto. Disponível em: https://www.nupel.uem.br/balanco.pdf
CORBELLINI, C.N. Etiopatogenia e controle da hipocalcemia e hipomagnesemia em vacas. leiteiras. Disponível em: https://www6.ufrgs.br/bioquimica/extensao/defminrum.pdf.
CORBELLINI, C.N. Prevención de la hipocalcemia postparto mediante El balanceo Del aniones y cationes de la dieta preparto. In: GAGLIOSTO, G. Nutricion de la vaca lechera. E.E.A. INTA Balcarce, v.141-157, 1996.
Gomide, C.A; Zanetti, M.A.; Penteado, M.V.C.; Carrer, C.R.O.; Del Claro, G.R.; Netto, A.S. Influência da diferença cátion-aniônica da dieta sobre o balanço de cálcio, fósforo e magnésio em ovinos. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec. V.56, n.3, p.363-369, 2004.
SANTOS, W.B.R.; SANTOS, G.T. Dieta aniônica, no período de transição, para vacas leiteiras. Disponível em: https://www.nupel.uem.br/dieta-periodo-seco.pdf
Schafhäuser J. J. O balanço de cátions e ânions em dietas para vacas leiteiras no período de transição. Revista da FZVA, v.13, n.1, p.112-127, 2006.