Irrigar é diferente de molhar o pasto e a principal diferença é o fator humano: o usuário. Sem educação para o uso, o "feitiço" pode voltar-se contra o feiticeiro e mesmo os bons sistemas de irrigação não trarão os benefícios desejados.
Desde quando se intensificou o uso de sistemas pressurizados de irrigação (aspersão, microaspersão, gotejamento etc.), o foco sempre foi o equipamento, a parte visível e tocável. Algumas pessoas chegaram a dizer que ninguém se preocupava com manejo da irrigação, que era perda de tempo. As profundas mudanças ocorridas na conjuntura mundial e brasileira encarregaram-se de provar que o manejo da irrigação é muito mais importante do que se imaginava.
O manejo adequado inclui a manutenção dos equipamentos e o monitoramento da água nos sistemas de produção, e pode reverter uma situação desfavorável em benefício. Para que essa mudança seja adequada é necessário conhecer o equipamento de irrigação, o clima, o solo, e a necessidade de água das plantas.
Manejo do sistema de irrigação
Com relação ao equipamento, o custo de aquisição não deve ser o único fator de decisão na escolha de um sistemas de irrigação. O custo total de um sistema de irrigação é composto por: (a) aquisição e instalação; (b) financeiro; (c) manutenção; (d) operação (mão-de-obra e energia).
A escolha deve ser baseada no menor custo total. Como o fator mais aparente é o preço de compra do equipamento, geralmente o produtor decide pelo sistema de menor custo, esquecendo-se dos gastos com manutenção, energia e mão-de-obra. Como o artigo trata de irrigação de pastagens, serão abordados apenas temas relativos à irrigação por aspersão.
Um levantamento preliminar feito pela Embrapa Pecuária Sudeste em sistemas de produção de leite no estado de São Paulo mostrou que a maioria das propriedades tem sistemas de irrigação com alta potência instalada por unidade de área irrigada (7,5 a 20 CV/ha), aspersores de médio a grande porte e alta pressão de operação (40 mca ou superior). Muitos dos sistemas foram adquiridos sem prévia análise ou projeto de adequação à área irrigada, e muitos deles foram reaproveitados de outros cultivos, do próprio produtor ou de terceiros.
Esses sistemas de irrigação geralmente não estão bem adequados à tarefa proposta e têm custo total muito elevado, reduzindo os ganhos dos produtores. Os principais fatores de elevação de custos referem-se à energia gasta para operar tais sistemas de irrigação. Em quase todos os casos observados, é possível irrigar essas áreas com bombas de menor potência (1 a 4 cv/ha), utilizando aspersores de menor pressão de operação (20 a 25 mca) e fazendo o redimensionamento dos sistemas.
A tabela abaixo serve para exemplificar a mudança de um sistema de irrigação da Embrapa Pecuária Sudeste, que foi convertido de alta potência/área (12,5 cv/ha) para um sistema de baixa potência/área (4 cv/ha). O sistema inicial operava 8 h/dia (4 h/dia na irrigação e 4 h na mudança de linhas) durante 120 dias/ano. O novo sistema de irrigação continua operando 120 dias/ano, mas durante 9 h/dia, sem interrupção da irrigação para mudança de aspersores nas linhas.
Tabela 1. custo de energia e mão-de-obra para irrigação de pastagens
(Embrapa Pecuária Sudeste)
A maior variação ocorreu na mão-de-obra, cujo custo foi reduzido em 93%. O custo da energia diminuiu 28% e o custo total de irrigação foi reduzido em 70%, mostrando que o planejamento dos sistemas tem grande influência sobre os custos e os resultados obtidos.
Manejo de água em pastagens irrigadas
Quando o estresse hídrico for o fator limitante à produção, as áreas de pastagem podem beneficiar-se grandemente da irrigação. Conhecer a necessidade de água das plantas forrageiras possibilita adotar práticas de manejo que otimizem a produção da pastagem e o uso de terra, água e energia.
Há três formas mais comuns de determinar a quantidade de água a ser aplicada via irrigação: o manejo via solo, o manejo via clima e o manejo misto (solo + clima).
No manejo via solo, a lâmina d´água (quantidade) de irrigação é determinada medindo-se a umidade do solo em dois períodos subseqüentes, em intervalos regulares (Ex.: um ou dois dias). Com um cálculo relativamente simples é possível usar a diferença entre a umidade anterior e a umidade atual do solo para determinar a quantidade de água que saiu de uma camada de solo (Ex.: 25 mm em 50 cm). A partir daí, basta repor essa água para voltar ao estado de máximo armazenamento. A medição da umidade deve ser feita a partir de amostras do solo retiradas no campo, e essa é a principal limitação do método: freqüentes amostragens. Mesmo com o uso do método do forno de microondas (Souza et al., 2002), é necessário retirar amostras de solo em diversas partes da área irrigada, a fim de determinar a umidade média do solo.
No manejo via clima utiliza-se dados obtidos em experimentos científicos para simular o consumo de água da planta nas condições locais de clima, extrapolando os resultados para outros locais. Conhecendo o consumo de água da planta e a capacidade de armazenamento de água no solo, é possível fazer uma estimativa da umidade atual do solo e decidir se há, ou não, necessidade de irrigar. É o chamado balanço hídrico.
O armazenamento de água no solo pode ser determinado por meio da curva de retenção de água, que é feita por laboratórios de diversas universidades e institutos de pesquisa brasileiros. Já o consumo de água das plantas, conhecido como evapotranspiração (ET), pode ser estimado por diversos métodos, com diferentes graus de complexidade. A maioria deles calcula a chamada "evapotranspiração de referência" (ETo), que é o consumo de água de uma cultura-padrão (geralmente a grama batatais) e utiliza fatores de ajuste (coeficiente de cultura, ou Kc) para calcular a evapotranspiração das demais culturas (ETc).
Os métodos mais comuns são: Blaney-Criddle (1950), Camargo (1983), Penman-FAO (Doorenbos & Pruitt, 1997). Desses, o mais preciso é o de Penman-FAO, mas há necessidade de vários dados climáticos, que só podem ser obtidos em estações meteorológicas convencionais ou automáticas. Isto demanda mão-de-obra bem treinada e eleva o custo de se obter os dados necessários, levando ao desinteresse por parte da maioria dos produtores rurais. O método mais simples é o de Camargo (1983), que utiliza tabelas de radiação solar para cada local e a temperatura média do ar, calculando a ETo por meio de uma simples equação. Para chegar à evapotranspiração de uma cultura, basta multiplicar o valor de ETo pelo respectivo coeficiente da cultura (Kc).
Também há métodos de cálculo de ETo e ETc baseados na evaporação de água, que são mais simples e têm menor custo. O mais popular é o método do tanque Classe A, um tanque com dimensões padronizadas, no qual se mede a evaporação de água e utiliza-se coeficientes de ajuste para calcular a evapotranspiração de referência (ETo) e da cultura (ETc). O tanque deve ser preenchido com água até 5 cm da borda do tanque, e o nível de água não deve baixar mais que 7,5 cm da borda. O tanque deve ser feito em chapa de aço galvanizado No. 22 ou de aço inox, ficar instalado sobre um estrado pintado de branco e nivelado, com o fundo a 5 cm do nível do solo. A principal limitação desse método é o manejo do tanque, pois pode haver problemas com aves e outros animais, que bebem a água do tanque e causam distorções em suas leituras.
Rassini (2002) desenvolveu um método de manejo da irrigação utilizando o tanque Classe A e, posteriormente, adaptou o método ao uso do evaporímetro de Piché (pronuncia-se "Pichê"), que é um tubo de vidro com uma extremidade fechada e outra aberta, na qual se coloca um círculo de papel de filtro preso por uma alça metálica. O evaporímetro é pendurado com a extremidade aberta, e a água evapora através do do papel de filtro. O rebaixamento do nível da água dentro desse tubo de vidro pode ser medido, pois o Piché tem marcações, tal como uma proveta de laboratório, nas quais se mede a evaporação de água a cada dia. O método de Rassini (2002) relacionou a evaporação de água do Piché à evapotranspiração de algumas culturas forrageiras, entre elas o capim Tanzânia, capim Coast-cross, braquiarão (B. Brizantha) e alfafa. O autor concluiu que o consumo de água das forrageiras estudadas variou de 55% a 72% da evaporação do tanque Classe A ou do Piché. Esse método é simples e de baixo custo, principalmente se for usado o Piché, e pode ser utilizado em propriedades de qualquer porte.
Conclusões
O manejo da irrigação envolve os cuidados com o equipamento (sistema de irrigação), desde seu projeto à manutenção, e também o controle da aplicação de água.
O principal fator de sucesso é o grau de formação e informação dos usuários da irrigação.
Sistemas de irrigação não devem ser adquiridos considerando apenas o preço de compra, mas também o custo de manutenção e operação (mão-de-obra e energia).
Há diversos métodos que podem ser utilizados no manejo da água, em pastagens ou em outros cultivos, e a escolha do método depende das condições do usuário utilizá-lo de modo adequado. Nem sempre o método mais preciso é o melhor método.
Qualquer método de manejo de água é melhor que nenhum método.
Referências bibliográficas
BLANEY, H.F.; CRIDDLE, W.D. Determining water requirements in irrigated areas from climatological and irrigation data. USDA (SCS) TP-96, 1950. 48 p.
CAMARGO, A.P., CAMARGO, M.P.B. Teste de uma equação simples para estimativa da evapotranspiração potencial baseada na radiação solar extraterrestre e na temperatura do ar. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE AGROMETEOROLOGIA, 3, Campinas, SP. Anais... Campinas: Sociedade Brasileira de Agrometeorologia/IAC, 1983, p. 229-244.
DOORENBOS, J.; PRUITT, W.O. Necessidades hídricas das culturas. Trad. de H.R. Gheyi, J.E.C. Metri, F.A.V. Damasceno. Campina Grande: UFPB, 1997. 204 p.
RASSINI, J.B. Irrigação de Pastagens: freqüência e quantidade de aplicação de água em latossolos de textura média. São Carlos: Embrapa Pecuária Sudeste. 7 p. (Embrapa Pecuária Sudeste : Circular Técnica 31), 2002.
SOUZA, G.B.; NOGUEIRA, A.R.A.; RASSINI, J.B. Determinação de matéria seca e umidade em solos e plantas com forno de microondas doméstico. São Carlos: Embrapa Pecuária Sudeste, 2002. (Embrapa Pecuária Sudeste, Circular Técnica, 33).