Embora poucos estudos disponíveis no Brasil reportem especificamente a incidência dos quadros de intoxicação em pequenos ruminantes, dados apresentados por Riet-Correa e Medeiros (2001) para o Estado do Rio Grande do Sul indicam que 7,2% do total de mortes observadas para a espécie ovina ocorrem pelo consumo de plantas tóxicas, resultando em um prejuízo econômico estimado ao redor de US$ 1 milhão ao ano.
Dentre as diferentes espécies de plantas tóxicas descritas no Brasil, destacam-se às do gênero Lantana que são classificadas como plantas arbustivas conhecidas pelos nomes populares de "chumbinho", "camará", "cambará", "bem-me-quer" e "mal-me-quer", apresentando mais de 50 espécies documentadas (BRITO et al., 2004).
A espécie Lantana camara, planta da família Verbenaceae originária das Américas e África, apresenta uma grande importância como causadora de quadros de intoxicação em todo o mundo (MELLO et al., 2005), especialmente por crescer abundantemente em áreas tropicais e subtropicais, representando importante planta invasora de pastagens. Em virtude de sua importância como causadora de prejuízos econômicos e da ampla distribuição no país, os tópicos a seguir descrevem os principais aspectos relacionados aos quadros de intoxicação por Lantana camara.
Lantana camara
Em virtude da beleza de suas folhagens e multiplicidade de cores apresentadas por suas flores, a Lantana camara e suas variedades veem se difundindo pelo Brasil e pelo mundo como importante arbusto ornamental (Figuras 1 e 2). A planta que possui sistema radicular forte, folhas ovaladas e cheiro semelhante ao da erva-cidreira, cresce sob sol pleno sendo bastante resistente a podas, pouco exigente em termos de fertilidade dos solos, possuindo sementes com grande poder germinativo que lhe permitem florescer durante todos os meses do ano e em praticamente todos os Estados brasileiros (ZENIMORI e PASIN, 2006).
Figura 1: Aspecto da folhagem e frutos (verdes e maduros) da Lantana camara (A). Flores multicoloridas de Lantana. (B) *Imagens gentilmente cedidas e adaptadas de Zenimori e Pasin, (2006).
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A beleza das flores, porém, se contrasta com o aspecto tóxico atribuído a grande maioria das variedades pertencentes a esse gênero, responsáveis por quadros graves de intoxicação nas espécies bovina, ovina e caprina. Os principais fatores predisponentes para os quadros de intoxicação natural por Lantana spp incluem a transferência de animais para áreas contaminadas pela planta e a escassez de forragem e/ou pastagens degradas que favorecem a perda de seletividade animal durante o pastejo e consequente consumo de ervas tóxicas.
De acordo com Brito et al., (2004), ovinos apresentam a mesma sensibilidade aos quadros de intoxicação quando comparados aos bovinos, que exibem quadros graves de intoxicação a partir da ingestão de doses únicas de 30 a 40g da planta ou a partir de 10g por 4 a 5 dias consecutivos. Quadros graves de intoxicação também podem ser observados em caprinos consumindo doses únicas a partir de 5g de folhas/kg de peso vivo (OBWOLO e ODIAWO, 1991).
As folhas representam a parte de maior toxidez da Lantana camara, ressaltando-se que a toxicidade se mantém por períodos prolongados de tempo, mesmo após a secagem dessas folhas (BRITO et al., 2004). Fatores como a estação do ano, composição do solo e variação genética da espécie de Lantana parecem influenciar diretamente o grau de toxicidade da planta.
Patogenia e Sinais Clínicos
Os princípios ativos tóxicos da L. camara são os Triperpenos (Lantadenos A e B), que atuam diretamente no fígado causando lesões que dificultam ou impedem a excreção biliar de agentes tóxicos resultantes do metabolismo animal, como é o caso da filoeritrina que representa um pigmento originado da degradação da clorofila presente nas forragens (COSTA, 2009; SCHILD, 2001).
Em virtude desse mecanismo particular de lesão, pode-se definir a intoxicação por Lantana spp como fotossensibilização hepatógena (semelhante a que ocorre nos quadros de intoxicação por Brachiaria decumbens), levando a degeneração hepática que se manifesta por icterícia (mucosas amareladas), urina de cor marrom-escura, anorexia, diarréia, depressão, desidratação, edema pulmonar, estase e compactação ruminal e fotossensibilização. Esta última se manifesta como uma dermatite localizada no focinho, úbere e em áreas de pele branca (MÉNDEZ e RIET-CORREA, 2001) que tendem a se espalhar pelo corpo do animal formando cascas e feridas profundas de difícil cicatrização.
O exame histopatológico frequentemente revela vacuolização citoplasmática e necrose hepática, além de lesões dos túbulos renais (OBWOLO e ODIAWO, 1991). O diagnóstico da intoxicação é baseado na observação dos sinais clínicos associados a ocorrência da planta como contaminante das pastagens.
Tratamento e Prevenção
Embora não exista tratamento eficaz para a intoxicação por Lantana spp (COSTA, 2009), medidas como a lavagem gástrica ou ruminotomia dos animais acometidos com a remoção do conteúdo gástrico contendo toxinas e substituição por líquido ruminal proveniente de animais sadios, substâncias tampão e pasto verde picado representam medidas adjuvantes no tratamento (MÉNDEZ e RIET-CORREA, 2001).
Segundo Riet-Correa e Medeiros (2001), a prevenção e o controle das intoxicações por plantas deve-se basear no conhecimento dos fatores associados as plantas, aos animais, ao ambiente ou ao manejo que determinam a ocorrência, frequência e distribuição geográfica das intoxicações, incluindo:
1 - o manejo dos animais e das pastagens tais como evitar o pastoreio excessivo, utilizar animais de espécies ou idades resistentes a determinadas plantas e evitar colocar animais recentemente transportados com fome ou sede em pastagens contaminadas por plantas tóxicas;
2 - a utilização de cercas para isolar áreas contaminadas por plantas tóxicas;
3 - a eliminação das espécies tóxicas, arrancando-as manualmente, utilizando herbicidas, roçando, capinando, lavrando, queimando ou pelo pastoreio com animais não-susceptíveis;
4 - a utilização de sementes controladas para evitar a difusão de espécies tóxicas;
5 - a confecção de fenos e silagem evitando a sua contaminação por espécies potencialmente nocivas aos animais.
Referências bibliográficas
BRITO, M.F., TOKARNIA, K.H., DÖBEREINER, J. A toxidez de diversas lantanas para bovinos e ovinos no Brasil. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.24, n.3, p.153-159, 2004.
COSTA, A.M.D. Plantas tóxicas de interesse pecuário nas microrregiões de Araguaína e Bico do Papagaio, Norte do Tocantins. 2009. 107p. Dissertação (Mestrado Área de Concentração: Produção Animal) - Universidade Federal do Tocantins - Araguaína/TO, 2009.
MELLO, F.B., JACOBUS, D., CARVALHO, K. et al. Effects of Lantana camara (Verbenaceae) on general reproductiveperformance and teratology in rats. Toxicon, v.45, p.459-466, 2005.
MÉNDEZ, M.C., RIET-CORREA, F. Intoxicações por plantas e micotoxinas. In:___ RIET-CORREA, F.; SHILD, A.L.; MÉNDEZ, M.C.; LEMOS, R.A.A. Doenças de Ruminantes e Eqüinos. São Paulo: Varela, 2001. vol.2, p.220-230.
OBWOLO, M.J., ODIAWO, G.O. Clinicopathological features of experimental low-dose Lantana camara poisoning in indigenous Zimbabwean goats. Zimbabwe Veterinary Journal, v.21, n.1, p.1-7, 1991.
RIET-CORREA, F., MEDEIROS, R.M.T. Intoxicações por plantas em ruminantes no Brasil e no Uruguai: importância econômica, controle e riscos para a saúde pública. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.21, n.1, jan./mar, 2001.
SCHILD, A.L. Fotossensibilização Hepatógena. In:___ RIET-CORREA, F.; SHILD, A.L.; MÉNDEZ, M.C.; LEMOS, R.A.A. Doenças de Ruminantes e Eqüinos. São Paulo: Varela, 2001. vol.2, p.177-180.
ZENIMORI, S., PASIN, L.A.A.P. Aspectos da biologia floral de Lantana (Lantana camara L.). Revista Univap, (Anais do X Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e VI Encontro Latino Americano de Pós Graduação), v.13, n.24, 2006.