Durante o período de transição (três semanas antes e três semanas após o parto), as vacas passam por grandes adaptações metabólicas e fisiológicas, sendo considerado um período crítico para os animais. O início da síntese e o aumento rápido da produção de leite não só eleva as demandas de glicose, para a síntese de lactose (açúcar do leite), como também de minerais tais como cálcio (Ca), fósforo (P) e magnésio (Mg). Com isso, ao parto, a crescente demanda nutricional devido à produção de leite, aliada a ingestão de alimento relativamente baixa pela vaca nessa fase, podem permitir que as concentrações séricas de alguns minerais caiam a níveis abaixo do fisiológico. Isto, quando de forma acentuada (clínica), pode levar os animais a apresentarem a síndrome da vaca caída, na qual a vaca perde a habilidade de ficar de pé, uma vez que esses minerais são necessários para as funções nervosas e musculares. No entanto, distúrbios menos intensos (subclínicos) nas concentrações desses minerais podem causar redução na ingestão de alimento, menor motilidade de rúmen e intestino, baixa produtividade, aumento da possibilidade de outras doenças metabólicas e infecciosas e menor eficiência reprodutiva.
Para exemplificar a intensa mudança que a vaca sofre durante esse período, pode-se tomar como parâmetro o que ocorre com o cálcio. Uma vaca de 600 kg de peso vivo possui em torno de 3g de Ca no plasma e apenas 8 a 9g em todos os fluidos corporais extracelulares. Já o colostro produzido por ela contém cerca de 1,7 a 2,3g Ca/kg e o leite cerca de 1,1g de Ca/kg. Se esta vaca produzir 10kg de colostro ela retira aproximadamente 20g de Ca das suas reservas corporais, ou seja, em pouco tempo ela mobiliza quase sete vezes a quantidade de cálcio sanguíneo e de três a 10 vezes mais cálcio do que durante a gestação.
Devido à importância de se manter as concentrações de cálcio entre os limites fisiológicos, os vertebrados desenvolveram um elaborado sistema para manter a homeostase desse mineral, fazendo com que haja um aumento da entrada de cálcio para o sangue sempre que seus níveis caiam. Essa homeostase é principalmente dependente do paratormônio (PTH), que é secretado pela glândula paratireóide quando ocorre uma queda nas concentrações desse elemento. Esse hormônio é o responsável por aumentar a reabsorção de cálcio nos ossos e nos rins, assim como a concentração da enzima responsável pela ativação da vitamina D, que quando ativada, eleva a absorção do cálcio e fósforo no intestino pelo aumento do número de receptores intestinais para estes minerais. Porém, nem sempre, esses mecanismos homeostáticos são suficientes para manter as concentrações de cálcio dentro dos limites fisiológicos.
Estima-se que cerca de 25% das novilhas e 50% das vacas leiteiras dos EUA apresentem algum grau de hipocalcemia após o parto e que muitas permaneçam neste estado até o final da primeira semana de lactação. A hipocalcemia é caracterizada por baixas concentrações séricas de cálcio total (< 8 mg dL-1) e, em geral, é subclínica, muito embora 2-10% dos animais acometidos manifestem a sintomatologia clássica da febre do leite (casos clínicos).
O cálcio possui várias funções no organismo como a mineralização dos ossos, participa na transmissão dos impulsos nervosos, contração muscular, coagulação sanguínea, como componente do leite, está envolvido na atividade de uma ampla variedade de enzimas e é um importante segundo mensageiro, de forma que a sua presença é necessária para que uma célula responda aos estímulos externos através da transcrição de novas moléculas de RNA.
Animais com hipocalcemia, portanto, possuem menor tônus muscular do útero e do esfíncter do teto, que combinados com a imunossupressão presente nesse período favorecem o aumento da incidência de retenção de placenta, prolapso uterino, distocia, metrite e mastite. Também apresentam uma queda mais acentuada de ingestão de alimentos, além da baixa concentração de cálcio sanguíneo ser capaz de inibir a secreção de insulina, agravando com estes dois mecanismos o balanço energético negativo, aumentando a mobilização de gordura e, consequentemente, o risco de cetose e deslocamento de abomaso. Descobertas mais recentes correlacionam a hipocalcemia à imunossupressão durante o período de transição uma vez que níveis de cálcio em células imunes diminuem antes mesmo da redução das concentrações desse elemento no sangue, prejudicando a transmissão de sinais e, consequentemente, diminuindo a resposta dessas células quando estimuladas.
Diversos fatores são predisponentes à hipocalcemia, tais como raça, idade, hipomagnesemia, alcalose metabólica, dentre outros. Vacas das raças Jersey e Guernsey são as mais susceptíveis à hipocalcemia, seguidas das raças Holandesa e Pardo Suíça. Sugere-se que a maior susceptibilidade de algumas raças se deve ao menor número de receptores intestinais para a forma ativa da vitamina D, reduzindo a absorção de cálcio no intestino. Com relação à idade, vacas mais velhas tem mais chances de terem a doença devido a mobilização óssea ser mais lenta. Além disso, em animais com concentrações de magnésio abaixo do normal, há redução da secreção de PTH em resposta à hipocalcemia e diminuição da sensibilidade dos seus receptores nos tecidos-alvos. A alcalose metabólica, pH sanguíneo, acima do limite fisiológico, também pode predispor a hipocalcemia por causar uma mudança na conformação do receptor do paratormônio, o que leva a diminuição da sensibilidade dos tecidos a esse hormônio.
Figura 1: Esquema representando, da esquerda para a direita, a ligação paratormônio-receptor em situações normais (A), em alcalose metabólica (B) e em casos de hipomagnesemia (C) (Adaptado de Goff, 2009).
A forma utilizada para retirar o animal da alcalose metabólica é através do manejo da dieta, com redução das concentrações de potássio (K) e/ou adição de sais aniônicos. Com isso, a acidose metabólica compensada provocada pela dieta aniônica causa uma ativação nos mecanismos de mobilização óssea (paratormônio), aumenta a concentração de vitamina D ativa no sangue e consequentemente melhor absorção de cálcio na dieta, além de aumentar a concentração do cálcio ionizado livre, que é o cálcio realmente utilizado pelo organismo.
Desempenhando um papel tão importante para determinar a saúde da vaca no início de lactação, o diagnóstico da hipocalcemia subclínica é de extrema importância e relevância nos rebanhos leiteiros. Porém, o quadro de hipocalcemia subclínica é difícil de diagnosticar com exames de rotina nas fazendas, exigindo a utilização de exames complementares laboratoriais.
Normalmente, a concentração de Ca mais baixa no sangue ocorre nas próximas 24 horas depois do parto, sendo esse momento o melhor para avaliarmos a ocorrência de hipocalcemia subclínica em um rebanho. É sugerido que uma proporção menor do que 30% dos animais com hipocalcemia subclínica seria a ideal.
Pesquisas realizadas pela Escola de Veterinária da UFMG demonstram a ocorrência de hipocalcemia subclínica em até 75% dos animais em sistema confinado, enquanto em outro estudo, em sistema semi-intensivo, foi encontrada uma grande diferença da prevalência de hipocalcemia ao longo do ano. No verão, enquanto os animais permaneciam no pasto foi observada uma prevalência de 25% e de 70% no inverno com os animais sendo suplementados. Outro estudo feito com vacas em free stall, no entanto não encontrou nenhum animal no quadro de hipocalcemia clínica ou subclínica (Figura 2). Isso demonstra uma grande variação na ocorrência desse problema metabólico e que independente do sistema empregado, a hipocalcemia pode estar presente, mas que a sua prevenção é possível, sendo muito dependente dos manejos pré-parto adotados, especialmente a nutrição das vacas no final da gestação, manejo de alimentação e cuidados imediatos pós-parto.
O fósforo também é um mineral com inúmeras funções no organismo e faz parte de várias moléculas e enzimas. Como o cálcio e o magnésio, durante o período de transição a homeostase do fósforo passa por alguns desafios. Antes mesmo do parto, durante o final da gestação, o desenvolvimento fetal pode afetar as concentrações séricas de fósforo, pois necessita de até 10g de fósforo por dia para o seu crescimento. Depois do parto, a produção de leite pode requerer até 1g de fósforo/kg de leite produzido.
Em animais que desenvolvem quadros de hipocalcemia é comum que ocorra também queda nas concentrações de fósforo, pois com a queda do cálcio sanguíneo o paratormônio é secretado em grandes quantidades no organismo, promovendo a perda urinária e salivar de fósforo.
O paratormônio também afeta o metabolismo do magnésio, modificando o limiar renal para eliminação urinária, diminuindo a eliminação através da urina, aumentando a reabsorção óssea e promovendo o aumento da concentração plasmática desse elemento. Alguns autores observaram elevação nas concentrações de magnésio no parto por causa do aumento das concentrações do paratormônio. Quando o PTH se liga aos receptores nos ossos ou rins, normalmente inicia-se a ativação da adenilato ciclase, resultando em produção de AMP cíclico, um segundo mensageiro importante na transdução de sinais celulares. Já em alguns tecidos, as interações PTH-receptor também causam ativação da fosfolipase C, resultando em produção dos mensageiros diacilglicerol e inositol 1,4,5-trifosfato, que também atuam na transdução de sinais nas células. No entanto, para que a adenilato ciclase e a fosfolipase C exerçam sua atividade completamente, íon Mg necessita ocupar o sítio de ligação existente nestas enzimas. Esses mecanismos corroboram evidências de que a hipomagnesemia subclínica crônica (concentração de magnésio entre 1,6 e 1,8 mg/dL) aumenta a susceptibilidade de vacas à hipocalcemia. Como a manutenção dos níveis circulantes de Mg é quase totalmente dependente da dieta, o fornecimento adequado desse elemento é fundamental, especialmente no controle da hipocalcemia.
Os minerais cálcio, fósforo e magnésio são de extrema importância para o animal apresentar o máximo desempenho na sua produção. Porém, as vacas de leite passam normalmente por um período de transição no qual ocorrem vários desequilíbrios no metabolismo geral, incluindo o metabolismo mineral. Por isso, deve se ficar atento e tentar minimizar a incidência e a gravidade destes desequilíbrios, já que existem algumas técnicas para isso, a fim de diminuir as consequências na saúde e produção do animal.
Os minerais devem ser avaliados em conjunto, uma vez que existem varias inter-relações entre eles e seus mecanismos de controle.
Figura 2: Níveis de cálcio sanguíneo de vacas no periparto em diferentes situações. Situação A: animais da raça Holandesa confinados; Situação B: animais mestiços em sistema semi confinado; Situação C: animais mestiços em sistema semi confinado no verão; Situação D: animais mestiços em sistema semi confinado no inverno; Situação E: animais da raça Holandesa confinados.