A demanda mundial de leite caminha para um trilhão de litros e qual o papel da América Latina, em especial do Brasil, neste contexto?
Entre os vizinhos do Cone Sul, o Brasil é destaque: acima de 70% da produção do Cone Sul (55 milhões de toneladas) e quase o dobro da produção leiteira da América Latina & Caribe (96 milhões de toneladas) é brasileira e poderá superar esse volume, tendo em vista a FAO prevê que o aumento da produção de leite ocorrerá, principalmente, nos países em desenvolvimento.
Duas características marcam a pecuária de leite latino-americana: a grande maioria dos países produz leite e não existe um modelo padrão. É grande a diversidade dos sistemas de produção de leite, em alguns, como Argentina, a produção se baseava no uso máximo de pastagens, sendo 60 a 65% da produção em pastagens com aveia (Avena sativa L.) e alfafa (Medicago sativa L.), suplementadas com silagem de milho ou sorgo e feno de alfafa, com complemento concentrado proteico-energético (farelo de soja e milho).
Com algumas variantes, esta dieta era utilizada nas principais bacias leiteiras do país e permitia produções de 8 mil kg/lactação, sendo considerado um sistema de produção de baixo custo e competitivo, permitindo o país se destacar e se fixar como exportador líquido de lácteos.
Hoje muitos produtores migraram para outros sistemas de produção confinados e o desempenho econômico não é o mesmo e estão relativamente estagnados, como vários outros países do cone sul, exceto o Brasil.
O Uruguai se destaca por produzir leite com alta qualidade a pasto e exporta para vários países. Utiliza em sua matriz alimentar trevo branco (Trifolium repens L.), azevém (Lolium perenne L.) e alfafa e a maioria dos sistemas produtivos, são de pequenos produtores. O Chile já não usa tanto pastoreio, mas utiliza muito alfafa na alimentação.
Os países predominantemente de clima tropical, entre eles o Brasil, que respondem por, aproximadamente, 23% da produção mundial do leite e pode crescer, a maioria das propriedades leiteiras ainda são pequenas e também utilizam preferencialmente o pasto como alimento, mas tem enormes dificuldades de serem competitivos e se estabelecerem como exportadores líquidos de lácteos, mesmo havendo forte tendência nas últimas décadas de muitos produtores migrarem para outros sistemas, como o “Compost barn”.
Cada vez será preciso crescer mais com menos recursos naturais, tendo que romper limites, aumentar a produção por meio de ganhos em produtividade, sem aumentar custos, para vencer estes desafios. O desafio crítico e estratégico para a maioria dos países latino-americanos é motivar o produtor a produzir mais para crescer e permanecer na atividade, porque o número de produtores está diminuindo numa proporção muito rápida.
O México, por exemplo, o número de produtores que saem da atividade é acelerado e preocupa seus governantes, porque é o país da América Latina que mais importa leite. É uma tendência global e aparentemente não vai parar tão cedo.
Um estudo com a visão para as fazendas leiteiras nas próximas cinco décadas, deixa claro que o número de fazendas leiteiras diminuirá, mas os tamanhos dos rebanhos aumentarão. No entanto, o número total de vacas leiteiras vão cair à medida que a produção por vaca cresce nos países em desenvolvimento. O que significa produzir mais com menos alimento, aumentando a eficiência alimentar. Essa previsão é estratégica para os países latino-americanos se prepararem para utilizar essa potencial vantagem para liderar o comércio internacional de lácteos nas próximas décadas.
Será premente o uso intensivo e racional dos fatores de produção, buscando-se o equilíbrio entre rendimentos biológicos e rentabilidade. Dentro do ambiente econômico de busca da eficiência para competir no mercado, para o produtor ter lucro máximo, deve optar pelo nível de produção ótimo e não mais pela produção máxima.
Diante dessa complexidade, identificar os parâmetros que mais interferem no lucro pode fazer a diferença e ser fundamental à sobrevivência do produtor na atividade. Neste sentido, não há dúvida de que a alimentação tem um peso substancial e sua seleção passa a ser importante.
Assim, os países latino-americanos, para serem mais expressivos no mercado internacional de lácteos, suas fazendas precisam ser mais competitivas, recorrendo cada vez mais a técnicas modernas de nutrição, genética, sanidade e, principalmente, a escolha da forrageira certa para o bioma certo. Essas devem estar integradas para otimizar o lucro da atividade leiteira.
A introdução de espécies forrageiras modernas e com grande potencial de resposta ao uso de tecnologias tem sido um fator preponderante para que os sistemas, principalmente a pasto, que são tecnicamente menos produtivos, porém com grandes vantagens comparativas, tenham maior lucratividade.
O ajuste do manejo da pastagem requer conhecimentos prévios sobre os fatores que afetam a produção de forragem e, por consequência, a produção por área. Portanto, na utilização das pastagens, o conhecimento das características morfológicas e fisiológicas da planta é essencial para se estabelecerem procedimentos adequados de manejo. A alfafa, por exemplo, em função de seu potencial produtivo, alta qualidade e capacidade de produzir na maioria dos países latino-americanos, reúne qualificações para se alcançar o nível de produção ótimo e rentável.
Entre os alimentos disponíveis à alimentação de vacas leiteiras, o concentrado tem grande peso no custo de produção de leite e, desta forma, o seu uso deve estar associado à produtividade da vaca e a relação entre preço do leite e do concentrado. Produtividades superiores a 4.500 kg/vaca/lactação é fundamental que se recorra à suplementação com concentrados em pastagens tropicais, exceto quando a alimentação é a base de alfafa.
O nível e o tipo de proteína, assim como o nível de energia do concentrado, também afetam a produção de leite e, consequentemente, o custo de produção.
Poucos trabalhos de pesquisa e de divulgação da alfafa inibem sua difusão em condições tropicais, principalmente em sistemas de produção de leite a pasto e estes devem ser incentivados tendo em vista que, ao revisar uma série de pesquisas, pode se comprovar seu potencial como alimento exclusivo (19,1 a 24,7 kg/vaca/dia) ou quando suplementado (23,1 a 35,0 kg/vaca/dia), independentemente do país onde foi conduzida a pesquisa.
Concluíram que as principais vantagens da utilização da alfafa na dieta de vacas leiteiras, foi eliminar ou reduzir o concentrado, dependendo do nível de produção de leite, assim como diminuir o teor proteico do concentrado, dois fatores importantes na composição do custo de alimentação em sistemas intensivos de produção de leite.
Acrescenta-se, ainda, a menor dependência na utilização da silagem na época da seca e maior taxa de lotação média anual, com consequência positiva na produção de leite por área. A alfafa produz o ano todo, praticamente não tem estacionalidade na produção da forragem, uma característica negativa e predominante nas forrageiras tropicais. Outro ponto relevante, e que também impacta favoravelmente no custo de produção, foi a eliminação da aplicação de fertilizantes nitrogenados no decorrer do ano.
Na revisão “Aprendendo com o futuro”, o foco na melhoria da digestibilidade dos alimentos e na utilização de culturas que aumentam a fertilidade do solo irá melhorar a sustentabilidade das fazendas leiteiras. Cita as vantagens da cultura da alfafa e outros forrageias que têm menos lignina e mais amido, assim como as que utilizam nitrogênio mais eficientemente emergirão e substituirão gramíneas que requerem mais nitrogênio de fertilizantes químicos.
Sistemas a pasto se tornarão mais complexo com a incorporação de leguminosas em sistemas que, tradicionalmente, dependem de gramíneas. Variedades tolerantes à seca e à salinidade terão mais importância à medida que as mudanças climáticas e a irrigação aumentarem (Invited review: Learning from the future - A vision for dairy farms and cows in 2067. J. Dairy Sci. 101:3722–3741 https://doi.org/10.3168/jds.2017-14025).
Em trabalhos mais recentes, pode-se observar as vantagens nutricionais do pré-secado de alfafa na dieta de vacas de alta produção de leite em confinamento, melhorando as funções ruminais e o teor de sólidos do leite.
Tendo em vista estimular a divulgação da alfafa, em 2020 criou-se a Rede de Pesquisa, Inovação e Extensão de Alfafa (REPIE Alfafa), oportunidade que ainda faltava para inserir a cultura da alfafa como opção forrageira número um no Brasil de forma sistêmica e acessível a pequenos e médios produtores, impulsionando, assim, o produtor rural a ter acesso à assistência técnica de qualidade e de forma gratuita. Pelo potencial de multiuso da alfafa e sua capacidade de ser cultivada de Norte a Sul do País, não há dúvidas de que o Projeto Piloto será implantado com sucesso e a REDE - Alfafa consolidada como referência para toda a América Latina. Quem tiver interesse em participar, a REDE opera pelo sistema WhatsApp.
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