Ariane Dantas - Professora da Escola Técnica Estadual “Dona Sebastiana de Barros” (São Manuel/SP)
Eunice Oba - Docente Titular do Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp (Botucatu/SP)
Por comportamento materno, ou maternal, reconhece-se, em mamíferos, o conjunto de cuidados que a mãe oferece a seus filhotes a fim de proteger e suprir suas necessidades, bem como auxiliar na sobrevivência e propagação da espécie, sendo, portanto, determinante no desenvolvimento morfo e fisiológico da cria. Trata-se de características complexas, instintivas, inatas e específicas para cada espécie (FRASER e BROOM, 1990).
Durante o início do período pós-parto, os eventos comportamentais entre mãe e bezerro têm grande influência na sobrevivência do neonato, além de consequências diretas sobre os desempenhos produtivos e reprodutivos durante a sua vida adulta (DUBEYA et al., 2017). Em mamíferos, também existe um período crítico conhecido como imprinting, onde um vínculo mãe e recém-nascido é estabelecido. O sucesso de tal acontecimento varia de acordo com a aprendizagem adquirida por habilidades cognitivas específicas à espécie (PARANHOS DA COSTA e CROMBERG, 1998).
Os cuidados maternos, em particular nas búfalas, se expressam desde a preparação da mãe para o nascimento da cria e se mantêm por todo o período de lactação, sendo que os mesmos modificam-se de acordo com o tempo e crescimento dos filhotes (POINDRON, 2005).
Com a proximidade do parto, as búfalas gestantes apresentam diversas alterações comportamentais, sendo essas muito semelhantes as observadas em bovinos (HAFEZ e HAFEZ, 2004). Na preparação para o parto, as búfalas se afastam do grupo e buscam um local calmo e tranquilo para acolher os filhotes após o nascimento e demonstram aumento na agressividade em relação a intrusos (GORDON, 1996).
Além disso, o tamanho do úbere aumenta com aproximadamente 30 dias antes do parto, sendo que, em primíparas, isto pode acontecer um pouco mais cedo. Andrabi e Gill (1993), em estudos realizados em búfalas sobre a avaliação do comportamento da fêmea próxima ao parto e sua relação com os seus respectivos neonatos mostraram que a distensão do úbere e das tetas ocorre de 2,4 a 1,8 dias antes do parto, respectivamente, bem como a produção e liberação de colostro.
Mais próximo ao parto, ocorre liberação de muco viscoso pela vagina, relaxamento dos ligamentos e músculos da pelve e da cauda, bem como a vulva torna-se edemaciada. Todavia, estes sinais podem durar de 2 a 8 horas até a iminência do parto. As búfalas apresentam-se mais agitadas e inquietas, nota-se que caminham e batem a pata no chão repetidamente, olham para e tentam cheirar e lamber a região do flanco, movimentam bastante a cauda, as pupilas dilatam-se e diminuem a ingestão de alimentos. Também aumentam a intensidade e frequência da vocalização, sendo esse, o sinal óbvio de aproximação do parto (MOHAMMADA et al., 2013).
Durante o trabalho de parto, as búfalas levantam-se e deitam-se diversas vezes, desde a exposição da bolsa até a expulsão completa do bezerro, podendo parir deitada ou em pé. Os partos ocorrem preferencialmente à noite ou nas primeiras horas do dia e são marcados pelo aumento no número e intensidade das contrações, extensão da cauda do animal, distensão da cérvix, flexão da articulação do quadril e tendão das patas traseiras (FISCHER e BODHIPASHKA, 1992).
Ocorre o encaixe gradual e progressivo do feto no conduto pélvico materno, exposição e rompimento da bolsa, exibição dos membros anteriores do bezerro, focinho, cabeça, tórax e por fim membros posteriores e anexos embrionários (MODY et al., 2002). Ressalta-se ainda que em búfalas dificilmente observa-se a necessidade de intervenção do homem para retirada da cria.
As búfalas realizam a limpeza dos filhotes, ingerindo os anexos embrionários junto da placenta e mantêm suas crias o mais próximo possível de seu corpo para estimulá-los a se levantar e se direcionar ao úbere para mamarem, bem como afim de mantê-los sempre aquecidos (MURPHEY et al., 1991). A ingestão do saco amniótico e da placenta fornece nutrientes para a mãe e remove pistas olfatórias do pós-parto para potenciais predadores (PARANHOS DA COSTA e ANDRIOLO, 2000). A expulsão dos restos placentários pela fêmea pode variar de 2 até 12 horas.
Os cuidados maternos podem ser diretamente dirigidos aos filhotes, como por exemplo as lambidas, em particular da área genital, que os limpam e estimulam a defecação e micção, enquanto os indiretamente relacionados aos filhotes, classificam-se as atividades ligadas ao aumento da agressividade que permite vigiar e afastar intrusos com maior atenção. Com o ganho de independência dos filhotes, há diminuição da responsividade materna e o desmame tende a acontecer naturalmente (ANDRIOLO et al., 2001).
O comportamento materno é regulado pela interação de diversos elementos neuroendócrinos, desta forma, mudanças nesses fatores podem interferir diretamente na preparação pré e pós-parto. O início do comportamento materno depende primariamente de alterações hormonais que ocorrem durante a gestação e o parto (GONZÁLEZ-MARISCAL e POINDRON, 2002).
Durante a gestação, há secreção contínua de progesterona pelo corpo lúteo e placenta, sendo fundamental na manutenção da gestação e lactogênese, contudo, com a proximidade do parto, seus níveis plasmáticos diminuem, enquanto, as concentrações plasmáticas do estrógeno aumentam (SENGER, 2005). Essa variação dos níveis plasmáticos de estrógenos estimula a produção e liberação de prolactina e ocitocina, os quais induzem a manifestação de comportamentos maternos em relação à cria (McDONALD, 1969).
Considerações finais:
O comportamento materno é, portanto, resultado da interação de diversos fatores e seu entendimento é fundamental para o desenvolvimento e sobrevivência dos filhotes. Desse modo, o estudo do comportamento materno no contexto da etologia e produção de búfalos é imprescindível, uma vez que os cuidados com os neonatos bubalinos podem causar grande impacto no desenvolvimento ponderal, fato esse de expressiva importância aos criadores.
Referências bibliográficas
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