A produção de leite pode ser otimizada por meio dos ferramentais lean, trazendo maneiras simples e eficazes para o pequeno produtor produzir o leite com melhor qualidade e obter maior lucratividade.
A cadeia de produção leiteira passa por constantes transformações, assim como qualquer outro segmento do mercado agropecuário.
Hoje, o mercado é bastante competitivo e isso implica na necessidade de criar vantagens que agreguem valor em todo o processo. Valores estes, que são cruciais para a manutenção dos pequenos produtores junto à cultura do leite e ao mercado consumidor.
Ao se falar em produção leiteira, sobretudo em pequenos produtores, muito são os entraves. Dificuldades para acesso à informação, créditos, escolaridade, tecnologia e ausência de assistência técnica qualificada tornam este produtor o elo mais frágil da cadeia, permitindo assim, que as indústrias processadoras detenham a decisão de definição de compra e venda do leite, causando por vezes, prejuízo a quem produz.
Diante deste cenário, este artigo é um recorte de um estudo de dois anos, que objetivou, por meio dos ferramentais lean, propor maneiras simples e eficazes para o pequeno produtor produzir o leite com melhor qualidade e obter maior lucratividade, podendo assim investir na cultura e se livrar das limitações cotidianas.
O estudo ocorreu entre os anos de 2018 e 2020. Utilizou-se a metodologia denominada pesquisa ação, um método qualitativo de abordagem de problemas comumente utilizada para resolução de problemas coletivos com a participação cooperativa e/ou participativa dos envolvidos (MIGUEL, 2012). Ou seja, uma estratégia de pesquisa que visa produzir conhecimento e resolver um problema prático.
A cidade de Tupã – SP, foi escolhida como sede do estudo pela representatividade econômica e social que a atividade leiteira possui para o município. Segundo dados do IBGE (2017) e Instituto de Economia Agrícola (2018), o município conta com um total de 61.369 cabeças de gado, sendo deste aproximadamente de 67% de vacas leiteiras.
Por fim, ao longo do estudo, foi retratada a realidade de 4 propriedades rurais, denominadas PA, PB, PC e PD, a fim de manter o anonimato assegurado via LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados, 13.709/2018).
Perfil dos produtores
O Quadro 1, demonstra um compilado dos índices zootécnicos das propriedades e seguem a rigor a avaliação da unidade animal (UA).
Para encontrar a produção por hectare, utilizou-se da produção total de leite no ano de 2018 e dividiu-se área da propriedade em hectares (Produção/HA). Tais cálculos permitem uma compreensão mais ampla em relação ao atual cenário da atividade leiteira nas propriedades foco do estudo.
Quadro 1 – Índices zootécnicos das propriedades envolvidas no projeto
Identificação das problemáticas
Para identificação das problemáticas envoltas no processo produtivo de ordenha das quatro propriedades, foi necessário entender a condução correta de um processo de ordenha.
Para tal, utilizou-se o estudo de Rosa et al. (2014) denominado Manual de Boas Práticas de Manejo-Ordenha, o qual versa ao longo da obra sobre os 21 cuidados que o produtor deve ter com o rebanho antes, durante e pós ordenha para que o leite mantenha suas propriedades nutricionais adequadas, livre de contaminação e o bem-estar dos animais.
Ferramentas Lean aplicadas
Figura 1 - Ferramentais lean utilizados
Fonte: Elaborado pelos autores.
Dentre tantas possibilidades de ferramental, optou-se por iniciar com o fluxograma (i) para identificar de forma sequencial onde e quais são os erros da ordenha, posteriormente passou-se ao diagrama de Ishikawa (ii) que permite de forma visual verificar potenciais causas, ordenando e relacionando fatores que afetam o processo estudado, ajudando a determinar a causa real de um problema em função dos sintomas demonstrados nos 6M´S matriciais (mão de obra, material, método, máquina, medida e meio ambiente).
Após essas duas etapas, iniciou-se a aplicação do Mapeamento do Fluxo de Valor (VSM) (iii) que, de forma visual, representa todos os elos da cadeia (da chegada de insumos a saída do leite da propriedade) e por fim, o ciclo PDCA (iv) que advém do inglês Plan – Do – Check - Act , que propõe por meio de etapas de planejamento, desenvolvimento, checagem e ação, corrigir todo e qualquer problema envolto no processo produtivo por meio de um plano de ação.
Lean na prática
No presente estudo, aplicando os ferramentais Lean, foram encontrados os seguintes resultados (Figura 2 a 6). O diagrama de Ishikawa (ii), após aplicação, mostrou a origem das cinco causas mais relevante de problemáticas nas propriedades (Figura 2).
Figura 2 - Cinco principais causas relevantes de problemáticas – Diagrama de Ishikawa
Fonte: Elaborado pelos autores.
Em uma escala de 0 a 10, sendo 10 o cenário ideal e 0 o pior cenário, o diagrama apontou nas propriedades a necessidade de melhoria frente a tais problemáticas:
- Ausência/ineficiência de transferidor da ordenha para o tanque de resfriamento,
- Controle de litros de leite produzido/por animal,
- Controle de qualidade,
- Utilização de boas práticas para manejo animal,
- No âmbito estrutural, a distância entre galpão de ordenha e tanque de resfriamento.
Já com a aplicação do Mapeamento do Fluxo de Valor (iii), foi possível entender toda a relação que existe entre as propriedades rurais, os fornecedores de insumos e a indústria leiteira. Novas problemáticas foram identificadas com a aplicação do ferramental, tal como estoque de insumos acondicionados de forma irregular.
Figura 3. Recorte de ponto de atenção identificado – Mapa Fluxo de Valor
Fonte: Elaborado pelos autores.
Utilização do ciclo PDCA como estratégia para solução das problemáticas identificadas
Figura 4. Ciclo PDCA na prática
Fonte: Elaborado pelos autores.
Embora haja diversos e distintos pontos a se melhorar na propriedade leiteira, destacou-se juntamente com os proprietários os 6 principais pontos a acertar, a fim de ter ganhos rápidos.
Impacto das ações corretivas
Aquisição de equipamentos, investimento em estrutura e demais ações impactaram diretamente não só na qualidade do leite, bem como no nível de bem-estar dos animais e na qualidade de vida dos produtores.
Vale ressaltar que as informações aqui dispostas, estão disponíveis na integra no estudo: Ferramentas lean na eficiência do processo de manejo de ordenha em propriedades rurais familiares, sendo este, de livre acesso e passível de replicação em outras propriedades e culturas.
Sobre a pesquisa: Desenvolvida em parceria com o programa de Pós-Graduação em Agronegócio e Desenvolvimento e principalmente com o Projeto de Extensão Kamby (PROEX/UNESP), da Faculdade de Ciências e Engenharia, UNESP, Câmpus Tupã.
Agradecimento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Processo: 424722/2018-6
Autores
Me. Guilherme de Andrade Ussuna – Administrador de Empresas, Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Agronegócio e Desenvolvimento, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Engenharia, Câmpus Tupã.
Prof. Dr. Eduardo Guilherme Satolo – Docente da Faculdade de Ciências e Engenharia da UNESP, Câmpus Tupã.
Prof. Dra. Priscila Ayleen Bustos Mac-Lean – Docente da Faculdade de Ciências e Engenharia da UNESP, Câmpus Tupã
Referências
BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm> .Acesso em: 27 fev. 2021.
ROSA, M.S; COSTA, M.J.R. P; SANT´ANNA, A. C; MADUREIRA, A.P. Manual de Boas Práticas de Manejo-Ordenha. 2ªEd. Jaboticabal: Funep, 2014.
TURRIONI, J.; MELLO, C. Pesquisa – ação na engenharia de produção. IN: MIGUEL, P.A.C. Metodologia de pesquisa em engenharia de produção e gestão de operações. Rio de Janeiro: ABEPRO, 2012. p. 149 – 167.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agro 2017. Brasília: Ibge, 2017.
INSTITUTO DE ECONOMIA AGRICOLA – IEA. Valor de produção: Estatística de produção dos principais produtos da agropecuária Paulista 2018. Disponível em: < https://ciagri.iea.sp.gov.br/nia1/subjetiva.aspx?cod_sis=1&idioma=1 > Acesso em: 15 dez. 2018.