O BEA pode ser definido como o estado do animal frente as suas tentativas de adaptação ao ambiente em que se encontra (BROOM, 1986). Dessa maneira, quanto maior o desafio imposto pelo ambiente em que o animal é criado, maior a dificuldade na adaptação, o que poderá comprometer seu bem-estar.
Em ambientes artificiais, de confinamento de bezerros nas fazendas leiteiras, por exemplo, quando os animais são impedidos de expressar certos comportamentos, seu bem-estar é reduzido. Esses comportamentos são denominados de alta motivação, ou seja, são aquelas atividades consideradas como prioritárias pelo sistema de controle cerebral (BROOM & JOHNSON, 1993).
No Brasil, grande parte da criação de bezerras é feita em sistemas de abrigos individuais chamados de “casinhas tropicais”. Ou seja, as bezerras ficam presas por uma corda com acesso restrito ao pasto (quando tem), ração e água em cochos individuais e sem acesso às outras bezerras, do 1º dia de vida ao 60º dia (isso pode variar dependendo do manejo da fazenda; existem fazendas que deixam as bezerras nesse abrigo até o 90º dia).
Os bovinos são animais gregários, quando os bezerros são separados das mães, logo depois ou algumas horas depois do nascimento – o que gera grande estresse –, e colocados em abrigos individuais, são impedidos de expressar seu comportamento natural, de cuidar um do outro, de brincar e de correr.
Na fase de aleitamento, usa-se os abrigos individuais, pois acredita-se que trarão algumas vantagens ao produtor em relação ao custo de implantação e à facilidade no manejo. Segundo a Embrapa Pecuária Sudeste (panfleto informativo “Casinha Tropical”), as vantagens são:
1) Permite que o bezerro seja criado individualmente;
2) Acesso controlado a leite, ração e água;
3) Leve e de fácil mobilidade;
4) Melhor controle sanitário dos animais;
5) Dispensa o uso de cama ou estrado;
6) Baixo custo;
7) Reduz a incidência de pneumonias e diarreias, doenças comuns em bezerros criados em ambientes mal arejados e úmidos (Embrapa Pecuária Sudeste).
Entretanto, para alguns pesquisadores, o abrigo individual não é a melhor opção quando se considera o comportamento do animal. O trecho a seguir foi retirado do Manual Boas Práticas de Manejo – Bezerros Leiteiros (PARANHOS DA COSTA & SILVA, 2011): “A criação em casinhas tropicais consiste no alojamento dos bezerros de forma individual ao ar livre, com acesso a um pequeno abrigo individual. Este tipo de criação os bezerros têm mobilidade limitada, uma vez que, ficam amarrados, com acesso ao abrigo (casinha) e a uma pequena área externa. Este tipo de instalação facilita o aleitamento, o controle da quantidade de ração ingerida, a aplicação de medicamentos e a identificação de problemas. Porém, priva o animal de expressar parte de seus comportamentos naturais.”
Nesse tipo de abrigo individual, ainda se observa o uso de baldes para aleitar os bezerros – apesar de já existir tecnologia, como sugadores do tipo mamadeira – o que se caracteriza na restrição do comportamento de sugar, tão importante para os bezerros, que em vida natural sugaria as tetas da mãe.
As consequências de tal privação são o aumento da frequência de estereotipia oral (BERGERON et al., 2006), caracterizado por sugar outras bezerras e partes das instalações, e o rolamento de língua, aliados à possível redução no ganho de peso (DE PASSILLÉ, 2001). Ainda, a presença de estereotipia constitui um bom indicador de redução no grau de BEA (BROOM & JOHNSON, 1993). Outros exemplos de comportamentos de alta motivação que podem ser restritos em sistemas produtivos são o pastejo, a relação mãe-filho e a formação de grupos sociais naturais.
Nesse mesmo sentido, alguns estudos têm mostrado resultados positivos (menos mortes, menor uso de antibióticos; Paranhos da Costa & Silva, 2011) quando bezerros, anteriormente mantidos em baias individuais e com pouca interação social com o humano, passaram a ser criados coletivamente e receber interações positivas dos tratadores.
Possíveis soluções ao abrigo individual
1) Se a fazenda possuir este tipo de abrigo, recomenda-se a adequação dessa instalação (construção em linha e realocação semanal das bezerras; Figura 2); Os benefícios poderiam ser:
•Maior contato social;
•Maior disponibilidade de sombra;
•Maior área para descanso;
•Menor desgaste da área;
•Melhor limpeza e desinfecção da área;
•Maior espaço para movimentação.
2) Se a utilização dos abrigos individuais ainda for a primeira opção, deve-se avaliar a possibilidade de soltar os bezerros por algumas horas durante o dia, para que possam brincar e interagir entre si (Manual de Boas Práticas de Manejo – Bezerros Leiteiros). Ainda, o enriquecimento ambiental é uma ferramenta que deve ser levada em consideração. Em um estudo, Ninomya e Sato (2009), observaram que o enriquecimento ambiental para bezerros aumentou o comportamento de limpeza e diminuiu o comportamento agonístico, concluindo que enriquecer o ambiente para bezerros criados em sistema confinado pode melhorar o BEA.
Outros problemas críticos na criação de bezerros no Brasil
1) Machos (trecho retirado de Bond et al., 2012):
“Como não podem ser inseridos no ciclo produtivo para reposição, os machos são tratados como um subproduto do sistema de produção. As alternativas mais utilizadas atualmente são a criação de vitelo ou o abate na primeira semana de vida, assim como a cria para consumo na própria fazenda.”
“A produção de vitelo nos métodos tradicionais oferece restrições severas ao bem-estar dos animais. Métodos alternativos foram desenvolvidos, com melhorias ao bem-estar dos animais, como alojamento em grupos e fornecimento de dieta sólida (XICCATO et al., 2002). Porém, existem poucos estudos quanto à viabilidade de tais sistemas no contexto brasileiro (COSTA et al., 2001; ROMA JUNIOR. et al., 2008), sendo que as questões relativas ao bem-estar não são abordadas ou são brevemente mencionadas. Os animais vendidos para o abate na primeira semana de vida podem sofrer restrições de bem-estar, principalmente devido ao baixo preço pago por eles. Por serem animais de baixo valor e que não geram lucro direto à propriedade, na prática, costumam ser relegados a um segundo plano. Os bezerros podem sofrer restrições alimentares, algumas vezes, severas e podem ser alojados em ambientes estéreis e pouco confortáveis até o momento do transporte. Uma vez que o bezerro é gerado no contexto da atividade leiteira, o seu bem-estar é de responsabilidade de todos aqueles envolvidos na cadeia produtiva, incluindo produtores, responsáveis técnicos, processadores, comerciantes e consumidores.”
Além da visão mais ética em relação aos bezerros, sabe-se que para a produção de leite, a manutenção de gestação e o nascimento de machos é um dos fatores de diminuição da produtividade e aumento dos custos de produção. Um método que deve ser considerado para atender as demandas ética e de produção é a sexagem de espermatozoides, objetivando-se mais nascimentos de fêmeas.
2) Procedimento de mutilação:
O mochamento é um exemplo disso. Acredita-se que o melhor momento de retirada dos botões córneos dos bezerros seja antes dos três meses de idade, utilizando-se para isso anestésicos e analgésicos. Entretanto, são diversas as formas existentes para que o procedimento seja feito, e em todas elas o processo é doloroso, pois não respeita o sofrimento dos animais. São alguns deles: curetagem, o uso de serra, cisalhamento, ferro quente e pasta cáustica (SYLVESTER et al., 1998).
Se a fazenda acredita ser necessário o mochamento, do ponto de vista do BEA, é extremamente necessário que esse processo seja feito na época e de maneira correta, como citado anteriormente.
3) Aleitamento artificial:
Convencionalmente, os bezerros são separados da mãe logo após o nascimento e recebem quantidade restrita, 10% do peso vivo, de dieta líquida durante toda a fase de aleitamento, nesse momento são observados crescimento lento e comportamento depressivo, sob manejo convencional, características que podem ser atribuídas à falta de nutrientes na dieta líquida (BITTAR & SILVA; Milkpoint, 2013).
Visitando fazendas de leite, é comum ouvir que devem ser fornecidos 4 litros de leite ou sucedâneo por dia para bezerras durante a fase de aleitamento, entretanto essa “regra geral” pode não atender às demandas desses animais de maneira apropriada.
Segundo um estudo feito por Lee, et al (2009), mesmo fornecendo a mesma quantidade (começando com cerca de 7 litros de leite por dia, procedendo o desaleitamento gradual) de sucedâneo e leite integral para bezerros, o desempenho daqueles que receberam leite foi melhor.
Ainda, outro estudo (Khan et al, 2007) comparou dois grupos: 1) bezerras que receberam 10% de seu peso vivo em leite e 2) bezerras que receberam 20% de seu peso vivo em leite. Os resultados mostraram que bezerras que receberam mais leite durante o aleitamento, tiveram maior ganho de peso, maior ingestão de matéria seca, maior eficiência alimentar, melhor funcionamento do rúmen e menor ocorrência de diarreia.
4) Sombreamento em abrigos individuais:
Muitas vezes, a sombra projetada não parece suficiente para os bezerros (Figura 3).
Em alguns casos, o material utilizado na confecção da casinha é ineficiente em proteger o bezerro do sol: “(...) em climas quentes os animais de raças europeias estão preferindo ficar ao calor do sol forte, ao invés de ficar na sombra escaldante de um abrigo de telhas de alumínio”, escreveu um profissional no Milkpoint (Figura 4; Foto de Luiz César Machado; Milkpoint, 2012).
Algumas pesquisas têm indicado que é possível ter benefícios econômicos e considerar o bem-estar de bezerros criados em fazendas leiteiras, utilizando abrigos que levem em consideração o comportamento natural dos animais. É necessário que as pesquisas continuem e que esse tipo de informação seja divulgado e chegue ao cenário rural, para que a mudança seja feita.
É necessário que o produtor se posicione em relação ao bem-estar das bezerras e dos outros animais jovens. As bezerras de hoje serão as novilhas de amanhã e as lactantes do futuro. Uma bezerra bem cuidada pode ser uma vaca mais saudável e mais produtiva. Fiquem atentos!
Referências bibliográficas
BERGERON, R. et al. Stereotypic oral behaviour in captive ungulates: foraging, diet and gastrointestinal function. In: MANSON, G.; RUSHEN, J. Stereotypic animal behaviour: fundamentals and application to welfare. Wallingford: CABI, 2006. p19-57.
BOND, G.B. et. al. Métodos de diagnóstico e pontos críticos de bem-estar de bovinos leiteiros. Ciência Rural, Santa Maria, v.42, n.7, p.1286-1293, 2012.
BROOM, D.M. Indicators of poor welfare. British Veterinary Journal, London, v.142, p.524-526, 1986.
BROOM, D.M.; JOHNSON, K.G. Stress and animal welfare.Londres: Lower Academic, p. 228, 1993.
DE PASSILLÉ, A.M. Sucking motivation and related problems in calves. Applied Animal Behavior Science, Amsterdam, v.72, p.175-187, 2001.
LEE, H.J. et al.Influence of equalizing the gross composition of milk replacer to that of whole milk on the performance of Holstein calves. J Anim Sci., v. 87(3), p. 1129-1137
NINOMIYA, S. e SATO, S. Effects of 'Five freedoms' environmental enrichment on the welfare of calves reared indoors. J Anim Sci., v. 80(3), p. 347-51, 2009.
PARANHOS DA COSTA, M. J. R.; SILVA, L.C.M. Manual Boas Práticas de Manejo – Bezerros Leiteiros. Jaboticabal, Funep, 2011.
SYLVESTER, S.P. et al. Acute cortisol responses of calves to four methods of dehorning by amputation. Australian Veterinary Journal, Saint Leonards, v.76, p.123-126, 1998.