Consequentemente, a implantação de tanques de refrigeração do leite nas propriedades rurais tem por objetivo diminuir a velocidade de multiplicação das bactérias láticas e evitar a acidificação do leite. Esta prática foi implantada progressivamente e praticamente por todas as propriedades leiteiras para o cumprimento das regras previstas para a melhoria da qualidade do leite no Brasil.
A Instrução Normativa nº 62 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicada em 2011, determina que o leite cru deve ser mantido refrigerado na propriedade rural e atingir a temperatura de 4°C em tanques de expansão ou 7°C em tanques de imersão, em um período não superior a 3h após o término da ordenha. A permanência do leite nas propriedades poderá ser de, no máximo, 48h, sendo recomendado como ideal um período de tempo não superior à 24h.
A prática de refrigeração do leite na propriedade rural tem aumentado significativamente a qualidade do leite cru com relação ao controle de micro-organismos mesófilos, no entanto, a refrigeração prolongada pode favorecer o desenvolvimento de bactérias psicrotróficas. As bactérias psicrotróficas são micro-organismos deteriorantes que apresentam capacidade de multiplicação mesmo em temperatura de refrigeração. Consequentemente, mantêm seu potencial deteriorante em baixas temperaturas, comprometendo a eficiência da refrigeração como método de conservação do leite.
A maioria dos psicrotróficos apresenta temperatura ótima de multiplicação entre 20 e 30°C, ou seja, são micro-organismos mesófilos capazes de se adaptar ao frio alterando seu metabolismo. O metabolismo dos micro-organismos psicrotróficos em baixas temperaturas torna-se predominantemente lipo-proteolítico, expressando-se pela produção de enzimas lipolíticas e proteolíticas.
O gênero Pseudomonas é predominante entre os psicrotróficos encontrados no leite, sendo as espécies Pseudomonas fluorescens e Pseudomonas putida as mais frequentemente encontradas. A maioria dos psicrotróficos é inativada pela pasteurização e/ou outros processos térmicos, contudo, psicrotróficos formadores de esporos do gênero Bacillus podem resistir a estes processamentos.
As bactérias psicrotróficas, apresentam crescimento lento, mas produzem grandes quantidades de enzimas (lipases e/ou proteases) que resistem ao processo de pasteurização, até mesmo do processo UHT (Ultra High Temperature) e que podem causar alterações sensoriais nos derivados lácteos.
Os principais pontos de contaminação do leite por bactérias psicrotróficas são os latões, tanques de expansão, água residual de equipamentos, utensílios de ordenha e tetos higienizados inadequadamente, sendo a água residual dos tanques de expansão, dos latões, os tetos higienizados inadequadamente e a clarificadora importantes pontos de contaminação.
O leite obtido em condições higiênicas e com baixas contagens iniciais quando estocado por até 48h a 4°C tende a manter controlada as contagens de psicrotróficos, no entanto, o mesmo leite estocado a 48h por 7°C pode apresentar alterações em função do desenvolvimento destes micro-organismos. Além disso, as contagens de bactérias psicrotróficas podem aumentar consideravelmente durante o transporte do leite até o laticínio, uma vez que a temperatura tende a aumentar em alguns graus centígrados, mesmo quando feito em tanques isotérmicos. Se a distância a ser percorrida é longa, o efeito da multiplicação destas bactérias no leite pode ter grande impacto na qualidade dos produtos lácteos.
Não há dúvidas que o rápido abaixamento da temperatura do leite após a ordenha é uma das estratégias mais eficazes para garantir a boa qualidade microbiológica do produto, no entanto, a refrigeração do leite por si só não é garantia de qualidade. É extremamente importante que o leite cru seja obtido em condições higiênico-sanitárias adequadas para diminuir a contaminação inicial e, desta forma, a redução da temperatura pode manter a contagem microbiana em níveis baixos. No entanto, deve-se evitar abusos no tempo e temperatura de estocagem, o leite deve ser conservado a no máximo 4°C por até 48h para manter sua qualidade microbiológica.
Nossa próxima matéria será sobre as lipases e proteases produzidas pelas bactérias psicrotróficas e seus impactos na qualidade dos produtos lácteos.