No início do ano passado, com os preços nominais aumentando antecipadamente ao produtor, era comum conversar com produtores de leite, cansados de anos seguidos de condições adversas para produção, e notar o ânimo das pessoas: “Este é o ano do leite, ninguém segura”. Acreditavam que os fatores que derrubaram os preços em 2000, quebrando a expectativa, não ocorreriam em 2001.
Os mais realistas acreditavam que os preços não iriam a patamares exorbitantes, talvez nem atingissem os níveis de preços que foram pagos em 2000, porém todos estavam certos que a média do ano seria superior aos preços pagos em 2000.
Observe na figura 1 a comparação entre os preços em reais do leite em valores nominais (moeda
paga) e valores deflacionados pelo IGP-DI (também em reais), de janeiro de 1995 até dezembro de 2001.
Na figura 1, a linha vermelha (valores deflacionados) indica quanto os valores nominais (colunas verdes) valeriam hoje, de acordo com a inflação. Exemplificando, o preço do leite em janeiro de 95, de R$0,23/litro, valeria, na realidade de hoje, R$0,45/litro.
Pela figura 1, observa-se claramente o aumento dos preços do leite, em valores nominais, ao longo dos anos. No entanto, considerando a inflação, o preço do leite só tem reduzido seu valor ao longo dos anos. Analisando períodos mais longos, a queda observada é maior ainda – estima-se perda de valores em torno de 70% nos últimos 20 anos, considerando os preços deflacionados pelo IGP-DI.
Outro fator que animou os produtores foram os aumentos dos preços nominais em 2000. Naquele ano, constantemente quando apresentávamos palestras de mercado de leite aos produtores, muitos se levantam e anunciavam que o ano estava excelente para a pecuária leiteira. Chegou-se a dizer no mercado agrícola que 2000 era o ano do leite. No entanto, observe que o produto continuou perdendo valor em relação à inflação e aos preços pagos para se produzir: os custos de produção. Apesar dos custos, especialmente no caso dos alimentos, também se reduzirem ao longo dos anos, quando considera-se a inflação, a redução ocorre em proporções bem menores que as observadas para o leite pago aos produtores.
Observe na tabela 1, a variação dos preços dos principais insumos utilizados na pecuária leiteira durante o ano 2001 e em comparação com o ano 2000.
Tabela 1: Variações dos preços dos insumos em 2001
Em meados de 2001, antes da redução dos preços do leite, as estimativas mais modestas acreditavam em aumento ao redor de 7% a 8% nos valores médios do leite produzido no ano, quando comparado com o valor de 2000.
Neste período, a Centroleite, em Goiás e no Triângulo Mineiro, começou a pressionar os preços do leite no mercado “Spot”, defendendo os interesses de seus cooperados. A Centroleite buscou inovar a comercialização, realmente ganhava força e representatividade. As indústrias dependiam do leite nacional e a comum redução de oferta de leite nesta época favorecia a pressão por parte dos produtores. Além das medidas antidumping, uma conquista do setor, o mercado internacional inviabilizava a importação para pressionar preços. Todos os problemas pareciam resolvidos.
Porém, o mercado não responde a uma só variável e o produtor de leite pagou do bolso a experiência de conhecer esta realidade. O problema de preços não era só a importação. Outros interesses e fatores agem conjuntamente no mercado e o mais forte é o consumidor. O consumidor prefere o longa vida e prefere comprar em grandes redes varejistas. Atualmente o longa vida representa mais de 70% do mercado de leite fluído e estima-se que até o final da década, mais de 80% das compras no varejo serão feitas em grandes redes de supermercados.
Não se resolve problemas negligenciando a tendência dos consumidores e finalmente parece que todo o setor agrícola do país está aprendendo a ir de encontro com o interesse e as necessidades do consumidor. As novidades que aparecerão este ano confirmarão esta teoria.
No varejo, o interesse é que haja elevado giro de vendas e que se possa manter as margens brutas altas. Para haver elevado giro, partem do pressuposto que o preço deve ser baixo e pressionam as indústrias, pois as suas margens, na medida do possível, devem ser intocadas.
As indústrias, dificilmente conseguirão pressionar as redes varejistas. Segundo pesquisas de empresas de consultorias especializadas, 41% dos consumidores são influenciados diretamente pelo preços, enquanto apenas 2% sofrem influência das marcas.
Para gerar ganhos a indústria deve pressionar preços ao produtor, o que tem feito através de várias formas. No final dos anos 90, a importação era utilizada para pressionar preços, no início de 2001 outra estratégia foi utilizada.
Para atuar no mercado, a informação é fundamental. As indústrias, sabendo do problema que viria na entressafra, manejaram estoques e se preparam para adequar oferta e demanda. Aparentemente visavam não permitir aumentos exorbitantes nos preços do leite, como ocorrido em 2000. É fácil lembrar das notícias veiculadas na mídia, quando tanto se falou que havia uma corrida para produzir leite em pó. No período de safra de 2000/2001, o volume de leite ofertado no mercado formal aumentou 12% em relação ao período de safra do ano anterior e praticamente não houve extra cota naquele ano.
Com a consolidação da crise de energia elétrica no país, criou-se um forte argumento para reduzir a captação de leite, principalmente nas bacias de Goiás. Algumas indústrias reduziram em até 30% os volumes de leite adquirido dos produtores e das cooperativas no mercado “Spot”.
Neste período, os preços do leite chegaram a cair 35% aos produtores de algumas bacias. O preço do leite “Spot”, que era cerca de R$0,48/litro no meio do ano, chegou em outubro e novembro a R$0,25.
Dizia-se que a crise energética reduzira a demanda por refrigerados, além do que as indústria teriam que economizar energia, como se fossem deixar faltar produtos de sua marca na prateleira.
Curioso que enquanto relatava-se redução na demanda por refrigerados, uma indústria fechou o ano com aumento no volume de vendas de refrigerados acima de 12%, quando comparado ao exercício de 2000, segundo pesquisa da Nilsen. Parte deste resultado foi atribuído ao não repasse de preços ao consumidor, sendo que o produtor acabou pagando a conta.
Nesta época a Centroleite virou um bode expiatório quando jogou-se todas as culpas pela queda dos preços no mercado sobre suas ações.
Também no meio do ano, muitas indústrias passaram a penalizar produtores mais especializados, com base em análises de qualidade de leite, abandonando a coleta de seu produto ou pressionando preços. Em contrapartida, aumentou-se a coleta de leite em bacias mais distantes com qualidade de matéria prima bem inferior à dos produtores penalizados. Reforçou-se então o debate de que, inicialmente, a base do programa nacional de melhoria da qualidade do leite seria, indevidamente, utilizada pela indústria para pressionar preços. Hoje ainda é um dos assuntos mais polêmicos entre os especialistas do setor.
Enfim, o que era possível quanto à existência de manipulação de mercado, tornou-se uma certeza, tanto que as CPIs do leite começaram a “pipocar” por todo o país. A formação de um oligopsônio, como o da indústria da laranja, no mercado de leite passou a ser provável chamando a atenção dos políticos regionais.
Voltando às expectativas de preços do início do ano, quando esperava-se valores superiores de preços em 2001, os preços fecharam em média 2% a 3% abaixo dos valores de 2000. Em reais deflacionados, os preços foram até 12% inferiores em 2001, um verdadeiro balde de água fria no produtor. A inflação (IGP-M) no período foi de 9,7%.
No últimos anos temos tido acréscimo na produção de leite no país, porém os especialistas podem estar superestimando o aumento do volume. Recente divulgação do IBGE confirma a tese, apoiada pela Scot Consultoria, que parte do leite do mercado informal tem migrado para o mercado formal.
Observe na tabela 2 a evolução mensal da recepção diária de leite nos estabelecimentos fiscalizados.
Tabela 2: Recepção mensal de leite nos laticínios e cooperativas fiscalizados
Em 2000, a recepção nos estabelecimentos fiscalizados aumentou 6,5% em relação ao ano anterior (1999). Na época estimava-se um aumento da produção em torno de 5%, com base na recepção do mercado formal. No entanto, segundo levantamento do IBGE, a produção de 2000 foi apenas 3,6% superior à de 1999.
Em 2001, até o mês de setembro, a recepção mensal superava em 14% quando comparada ao volume receptado no mesmo período de 2000. No entanto, a produção não deve ter aumentado nestas proporções. Observe que apenas em 2001 a recepção mensal em todos o meses superou o volume de 1,0 bilhão de litros de leite.
Dentre os motivos que levam o produtor a migrar para o mercado formal, estão as maiores dificuldades no mercado de queijos e o próprio aumento nos valores nominais do leite (figura ou gráfico 1). Lembre-se que os produtores do mercado formal, geralmente pequenos, dificilmente analisam preços de acordo com a inflação.
Em 2000, muitas queijarias passaram a repassar o leite de pequenos produtores no mercado formal, guardando uma margem para si, ou seja, passaram a funcionar como entrepostos.
Para 2002, a crise na Argentina é um dos fatos que tem causado medo nos produtores. No entanto, a princípio, espera-se que não haja efeito maléfico no mercado brasileiro. A importação de leite em pó ainda está protegida dentro das medidas antidumping e a valorização da moeda argentina, causará impacto, inicialmente, nos Estado do Sul que sofrerão maior concorrência dos produtos argentinos (longa vida, queijos, iogurtes, etc).
Há uma linha acreditando que o péssimo ano de 2001 venha a influenciar negativamente na produção de 2002, porém ainda é preciso esperar para ver. Este ano os desafios são grandes, pois o setor precisa buscar importância no mercado internacional e, principalmente, promover maior consumo de leite no mercado interno. O mercado brasileiro tem um potencial, como poucos, dentro do cenário mundial.