O setor leiteiro da Argentina está passando por um momento difícil após a seca. Durante o Congresso de Laticínios organizado pelo Movimento Crea, que aconteceu em Rosário e contou com a participação de 800 participantes entre produtores, empresários e profissionais do setor, procurou-se mostrar o estado atual da atividade e também os caminhos para o futuro da indústria leiteira argentina.
José Trombert, gerente de produção primária da García Hnos Agroindustrial e assessor do setor lácteo da Ciasfe, participou do encontro como moderador de um dos painéis onde destacou que “o setor lácteo está passando por um momento complexo”.
O especialista disse que “estamos vindo de uma seca muito forte que impactou de diversas formas, mas, sobretudo, na preparação das reservas, na possibilidade de produzir alimentos”.
“Hoje, estamos saindo desse momento complexo porque é possível fazer uma reserva, ainda que de segunda linha. Foi um inverno ameno, foi possível plantar gramíneas e alfafas, que estão sendo consumidas", explicou ele.
Por outro lado, ele disse que "o preço dos grãos, que é um dos principais custos da fazenda, caiu há três ou quatro meses, principalmente o preço do milho, e o leite continuou subindo".
Trombert destacou que “hoje estamos em um cenário onde com um litro de leite você pode comprar 2 quilos de milho e isso já te coloca em uma situação de alimentação muito mais favorável, é uma boa relação”, avaliou.
O benchmark da empresa sediada em Governador Crespo, mais conhecida pela marca Tregar, apontou que o laticínio continua saindo da crise e o setor industrial vem se ajustando, acompanhando a inflação com altas. "O leite está a um valor médio de 100 pesos (US$ 0,37) o litro, mas começam a faltar respostas porque a exportação está estagnada e o leite em pó está a um valor de 3.200 ou 3.300 dólares a tonelada", disse sobre o principal produto exportável.
Ainda assim, destacou que “no mundo não é um valor tão ruim se for analisado, mas na Argentina é pelo diferencial cambial que temos e porque há retenções de 9% no leite para exportação”, ele enfatizou.
Nesse sentido, explicou que hoje “a exportação não está ativa, não porque não possa ser feita, mas porque os números não fecham”. Ele disse que cerca de 20 pesos (US$ 0,075) por litro de leite são perdidos na exportação.
À porta de uma crise
O cenário também é complexo no mercado interno, porque há mais leite e não há válvula de exportação. “Está ficando saturado e começam a surgir sinais importantes de que há excedente de leite no mercado”, disse Trombert.
“Vejo um futuro sombrio se não houver uma saída que poderia ser temporária com uma correção do câmbio exportável e retirada de retenções, o que permite vender para o exterior e assim descomprimir o mercado interno”, disse o empresário e engenheiro agrônomo.
Ele também disse que "o mercado interno está experimentando pequenas quedas no consumo devido à situação macroeconômica da Argentina".
Trombert alertou: "Estamos às portas de uma crise, porque temos o pico de produção nos meses de agosto e setembro e se não houver produção exportável será muito preocupante porque não será possível colocar o leite e isso pode causar sérios problemas”.
Paralelamente à situação do comércio exterior, o consumo no mercado interno cai mês a mês, principalmente o tipo de produtos mais consumidos. “Quando você mede em equivalente de leite, não cai tanto. Sim, se tem commoditizado e praticamente 70 ou 75% dos produtos consumidos são produtos com pouco valor agregado como leite fluido, queijo cremoso para pizza e queijo em barra", afirmou, explicando que "caiu muito o consumo de sobremesas, iogurtes, queijo ralado, com maior valor agregado e que deixam mais rentabilidade e permitem que a cadeia de laticínios funcione melhor”, disse.
O futuro da indústria
Durante o Congreso Lechero Crease, ele discutiu o futuro do setor. Trombert moderou o painel formado por líderes da área agrícola de Santa Fé, Buenos Aires, Entre Ríos e Córdoba e, neste âmbito, puderam ser expostos alguns dos desafios que enfrenta a indústria de laticínios.
“O setor lácteo é incrível, tem uma resiliência extraordinária que lhe permitiu ultrapassar esta seca”, afirmou e ficou maravilhado porque continuam apostando em mudanças importantes como a robótica, a inteligência artificial.
“Claramente, a produção de leite está se concentrando aos poucos em unidades de produção maiores e o Congresso do Crea mostrou um pouco isso”, disse o especialista.
Os grupos de produtores que estão agrupados no Crea são claramente produtores líderes e não são a média dos produtores do país. Eles se diferenciam pela gestão da atividade. “Sem dúvida, são produtores de ponta, administram muito bem”, disse Trombert em um congresso que reuniu cerca de 800 pessoas.
No congresso, além de discutir o futuro, eles tentaram ver o setor leiteiro por outro ângulo, principalmente como o produtor pode fazer emocionalmente para superar crises e ser mais eficiente por unidade de produto tecnológico. Foi dada muita atenção ao fator humano e à formação de pessoas.
A profissionalização do setor
Trombert falou sobre a abordagem que os agrônomos podem realizar na fazenda leiteira e disse que é fundamental nos processos de capacitação de pessoal e na incorporação de tecnologia no laticínio. Mas também para ajudar o produtor no planejamento e gestão.
Nesse sentido, ele se referiu ao fato de que o crescimento da atividade tem ocorrido basicamente pela incorporação de insumos, mas o caminho da eficiência por unidade de insumo ainda precisa ser melhor percorrido.
“Se adubei com 50 quilos e hoje adubo com 100, logicamente o pasto vai render mais, mas não por unidade de insumo”, esclareceu. "Não se trabalhou tato na eficiência por unidade de insumo", acrescentou.
Para o especialista, “eficiência seria produzir mais com o mesmo recurso”, ou seja, “se eu arrendar uma terra e colocar mais vacas, com certeza vou conseguir mais leite. Nisso o agrônomo tem que contribuir e colaborar muito”, destacou Trombert.
Além disso, ele destacou que existe um espaço para os profissionais que têm que ver o que é sustentabilidade, a medição da pegada de carbono. “O setor lácteo com a pecuária está, entre aspas, sendo atacado por um setor da população que o rotula como poluidor devido às emissões de carbono. Há uma boa parte do que terá de ser feito no futuro em questões como com afluentes e fertilização e medição de pegadas de carbono em geral”, sublinhou.
As informações são do Edairynews, traduzidas e adaptadas pela equipe MilkPoint.