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Impasse tecnológico

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 23/02/2001

6 MIN DE LEITURA

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Marcelo Pereira de Carvalho

O artigo publicado na semana passada na seção "De Produtor para Produtor", de autoria de nosso colaborador Paulo Sérgio Amoreli da Silveira, médico veterinário e produtor de leite no Sul de Minas, merece uma análise mais profunda.

Para quem não leu o artigo (clique aqui para lê-lo na íntegra), trata-se de uma reflexão do autor, que avaliou o processo evolutivo de sua propriedade nos últimos 27 anos, migrando gradativamente de um sistema extrativista, com quase nenhuma tecnologia aplicada, a um sistema tecnificado, com altos índices de produtividade. Ao longo deste caminho, a evolução foi pautada na técnica e na necessidade do ganho em escala de produção e eficiência do uso dos recursos imobilizados, em função da própria corrosão das margens de lucro forçada pelo mercado, especialmente nos últimos anos. Em resumo, trata-se de um produtor dito "especializado", usando o jargão técnico da moda.

Hoje, decorrido todo este tempo, o produtor está diante de um impasse: melhorou o rebanho, aprimorou a alimentação, a sanidade e o manejo, aperfeiçoou as práticas agrícolas, atingiu índices de produção bem acima da média e, mais uma vez, parece que chegou tarde demais; a remuneração não é suficiente para justificar o capital intelectual e financeiro empatado na atividade. Posto isso, o que fazer: parar, continuar a evoluir (neste caso, para onde ?), ou voltar atrás no sistema de produção ?

Antes que o leitor pense que estamos diante de mais uma lamentação indevida a ser endossada por esta coluna, é preciso antes situar este produtor para que cheguemos ao ponto desta análise.

A Fazenda Planalto, em seu modelo de produção, pode ser considerada uma fazenda de destaque, formadora de opinião em sua região, a ponto de já ter acolhido inúmeros dias de campo patrocinados por empresas de insumos veterinários e agrícolas. Seus proprietários já participaram dos respeitados Simpósios organizados pela ESALQ, apresentando os resultados obtidos no sistema de pastejo rotacionado, do qual foram um dos pioneiros, e do Simpósio Interleite, onde abordaram especialmente as práticas agrícolas, baseadas em plantio direto e na harmonia entre o ambiente e a necessidade de produção vegetal.

Os proprietários, incluindo um engenheiro agrônomo e um médico veterinário, se não moram na propriedade (tarefa que cabe ao outro irmão, que administra a empresa), atuam diretamente na sua gerência e com certeza fogem do estereótipo do produtor de final de semana, que pouco entende da atividade e que muitas vezes reclama sem razão, em cima de índices pífios de desempenho. Se fosse este o caso, pararíamos por aqui a conversa.

Mas não se trata de simples "choradeira". A evolução da fazenda se deu a partir da adoção de várias recomendações técnicas quase que universais. A preocupação com a qualidade do volumoso sempre existiu, o mesmo ocorrendo com práticas agrícolas sustentáveis e que, hoje, tendem à unanimidade, como o plantio direto, do qual certamente a fazenda foi uma das pioneiras em Minas Gerais, integrando a agricultura à pecuária. O investimento em instalações sempre foi modesto e bem pensado, evitando gastos desnecessários e adequando-a na medida das exigências do rebanho. Em manejo, nutrição, sanidade e reprodução, pelo que acompanhei, nosso colunista sempre buscou o mais apropriado ao sistema de exploração, não raro participando ativamente de cursos e reuniões técnicas (sei porque participei de várias delas também).

Enfim, seus proprietários não são paraquedistas na atividade, tendo tradição e uma história que demonstra que cada passo foi dado em seqüência e de forma embasada. Também, não se pode dizer que a propriedade trabalha com índices técnicos inferiores - pelo contrário, certamente está acima da média. Além disto, o argumento de que as condições locais não são propícias à atividade não se aplica; os solos são perfeitamente trabalháveis tanto em relação à topografia como em relação à constituição física e química.

Em resumo, não se trata de incompetência administrativa ou "geográfica". O fato de um produtor com estas características estar insatisfeito e manifestá-la a público, após anos e anos de busca dos melhores atalhos técnicos visando à sustentação econômica da atividade, é que nos serve de alerta e de tema para nossa coluna semanal.

Pode-se simplesmente dizer que o produtor em questão escolheu o caminho errado - confinou os animais e adotou um sistema de produção que não gera remuneração suficiente nas atuais condições do mercado de leite (concorrência no mercado de leite, domínio do longa vida, importações, etc). Escolheu explorar animais puros, verdadeiros bibelôs; esqueceu-se de que estamos em clima tropical, paraíso para o crescimento das forragens mas inferno para recordes de produção individual.

E pode ser isto mesmo (muito embora ele certamente tenha comprado a tecnologia que alguém lhe vendeu ao longo destes anos), afinal, hoje se fala cada vez mais em pastejo rotacionado (inclusive irrigado), em animais mais rústicos e em fronteiras agrícolas com baixos custos de produção, aspectos estes distantes da realidade atual deste produtor.

Mas será que se trata simplesmente de um produtor, como muitos outros, que errou redondamente o foco (durante quase 30 anos) apesar de estar sempre em evidência, procurando a melhor tecnologia e sendo inclusive reconhecido por isto ? Ou será que este produtor operou em um ambiente no qual seria quase impossível prosperar ? Será que daqui a alguns anos iremos desconfiar, como está ocorrendo com nosso colega, que produtores tidos hoje como de vanguarda, escolheram também o
"sistema" errado, constatando que o mercado de leite não mais os remunera, sendo necessárias outras peripécias tecnológicas para sobreviverem ?

É evidente que os tempos mudam; empresas outrora líderes de mercado, acabam por desaparecer em questão de poucos anos ou períodos ainda mais curtos. Não pretendo pregar aqui a estagnação ou ir contra a necessidade constante de adaptação e antecipação às tendências. Não se trata da apologia à mediocridade e ao retrocesso. O que discuto aqui é se o ambiente em que o jogo se desenrola é favorável à evolução do setor produtivo, à adoção contínua de tecnologias e à melhoria da qualidade, seja do produto, seja da vida de quem produz. Sabe-se que o produtor de leite é um típico tomador de preço, geralmente conhecendo sua remuneração somente após entregar o produto. Com a concentração na captação e no varejo, com o triste destino da maior parte das cooperativas e com a maior competição global, tal situação tende a piorar - se nada for feito.

É com base neste cenário que nos perguntamos se os atuais produtores de vanguarda, estrelas de dias de campo e de congressos no ano 2000, não serão os mesmos que daqui a alguns anos questionarão a validade de tudo aquilo que criaram ou, ainda, onde é que erraram. Afinal, hoje estão sendo aplaudidos e celebrados como nosso colunista foi no passado recente, o que certamente o encorajou a seguir a trilha que hoje já não sabe aonde o levará. Fica a sensação de se chegar sempre atrasado, de se estar fazendo a coisa certa, para uma época que sempre teima em já não mais existir. De se estar sempre correndo atrás. De fazer papel de bobo.

A busca pelo aprimoramento técnico deve ser sempre um dos objetivos de quem atua no setor, bem como a rápida adaptação às exigências do mercado. No entanto, não se pode esquecer de gerar condições favoráveis para que tudo isto se justifique no futuro.

No atual cenário de mercado do leite (e de outras áreas), tudo começa pela união e organização da classe produtiva, certamente o elo mais fraco da cadeia. Se sua fazenda não tem números tão bons e uma história tão nobre quanto a da fazenda de nosso colunista, você deveria se preocupar ainda mais em criar estas condições e não esperar que elas apareçam em função da boa vontade do mercado - ela não vai existir !

Os países com produção de leite sustentável desfrutam de uma estrutura na qual o produtor de leite tem voz ativa e é parte importante da cadeia de produção. Se os próprios produtores de leite no Brasil não captarem esta mensagem e se movimentarem mais do que hoje o fazem, poderemos muito bem, daqui há alguns anos, constatar que a solução é produzir leite onde há condições propícias para tal, independentemente do sistema de produção adotado, desde que com competência.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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