A Nova Zelândia é o maior exportador de produtos lácteos do mundo e se orgulha de fornecer produtos de baixo custo e alta qualidade para mais de 120 países em todo o mundo. Ter produtos de qualidade significa não somente que esses têm um bom sabor, mas que têm um prazo de validade mais longo, garantem melhores rendimentos, têm menos devoluções de clientes e garantem que você tenha acesso a mercados como a Europa, que possui restrições nas especificações dos resultados de qualidade como, por exemplo, contagem de células somáticas (CCS). (Os europeus querem beber leite de vacas saudáveis). Para vender produtos lácteos para a Europa, a CCS média, por fazenda, não pode ser maior que 400.000. Isso significa que, como um país que exporta para a Europa ou qualquer outro país que adota os padrões europeus, você não pode ter uma fazenda que tem uma média de CCS de mais de 400.000 por um período de três meses e não melhorar no mês seguinte. Dessa forma, a CCS é um assunto muito sério na Nova Zelândia.
Conforme descrevi anteriormente em meu artigo sobre contagem bacteriana total (CBT), muitos brasileiros que vão à Nova Zelândia não entendem como gerimos tão boa qualidade. Os produtores da Nova Zelândia comumente não usam pré-dipping, por exemplo, e também muitas fazendas têm somente sistemas básicos para detectar a mastite clínica. Da mesma forma, eu fiquei um pouco surpreso quando vim pela primeira vez ao Brasil. Por exemplo, vi fazendas investindo muito dinheiro nos melhores produtos como pré-dipping e pós-dipping, investindo tempo e recursos extras durante a ordenha no preparo dos tetos das vacas quase à perfeição e detectando bem. Porém, ao mesmo tempo, eu vi excessivos danos nos tetos causados por excesso de ordenha, alto vácuo, equipamentos que não são regulados ou mantidos (bombas à vácuo, teteiras, etc) e um ambiente, que na pior das hipóteses, era apenas pura lama.
A Nova Zelândia tem um dos melhores resultados para CCS no mundo, média de CCS de 185.000/ml para 2011 e 2012, e muitos rebanhos têm uma CCS média de menos de 100.000/ml sem muito trabalho. Nos próximos parágrafos, tentarei explicar como fazemos isso.
Sistema de pagamento
Na Nova Zelândia, a qualidade é obrigatória, de forma que as fazendas são penalizadas pela baixa qualidade e não são incentivadas pela alta qualidade. O sistema de pagamento de uma companhia de lácteos típica está listado abaixo. Um ponto demérito equivale a 5% de penalidade, de forma que uma fazenda com 400.000-499.000/ml de CCS recebe 5% de penalidade e uma fazenda com mais de 1.000.000/ml recebe uma penalidade de 100%. Alguns outros detalhes do sistema – se uma fazenda tem uma média de mais de 400.000/ml por três meses ou se tem três resultados de mais de 1.000.000/ml consecutivos, pode possivelmente ser suspensa do fornecimento de leite.
Note também que a frequência de testes de CCS é diária e a fazenda recebe seu resultado no dia seguinte. Isso dá ao produtor a informação necessária para controlar a CCS no rebanho e avaliar efetivamente se seu sistema de controle está funcionando.
Controle de mastite na fazenda
1. Manejo de Ordenha
Na Nova Zelândia, uma ordenha rápida e eficiente é essencial. As vacas não devem gastar muito tempo esperando para serem ordenhadas e os ordenadores não devem gastar muito tempo ordenhando. Isso ajuda a manter as vacas e os ordenadores felizes. Uma vaca feliz e um ordenhador feliz são dois dos ingredientes essenciais para se ter uma baixa CCS. Isso também significa que as vacas não são ordenhadas excessivamente e que o ordenhador aproveita todas as vantagens da oxitocina natural da vaca. Isso também é essencial para se ter úberes e tetos saudáveis. O pré-dipping junto com a detecção de mastite é aplicado a cada ordenha durante o período de colostro; depois disso, o pré-dipping não é mais recomendado, mas sugere-se que os produtores continuem com a detecção periódica. O quão frequentemente o produtor detecta a mastite clínica varia de fazenda para fazenda. Algumas fazendas menores somente detectam quando o resultado da CCS diária aumenta dramaticamente ou sobe para mais de 200.000; e outros detectam diariamente, mas somente um teto por dia; e outros detectam diariamente todos os tetos (normalmente nas ordenhas da manhã). Nesse momento, a Nova Zelândia está pressionando pela melhora na detecção para tentar obter uma média nacional abaixo de 150.000/ml novamente. Após as teteiras serem removidas, os produtores aplicam um produto pós-dipping que tem 7-10% de emoliente. Os produtores são aconselhados a adicionar até 5% a mais de emoliente (normalmente glicerina) quando as condições de clima e da fazenda estão desafiadoras (muita chuva e lama) e no começo da lactação. O pós-dipping é aplicado com um spray, e não em um, copo para tornar o processo de ordenha mais rápido. Aplicadores de pós-dipping automáticos também são comuns.
2. Equipamentos
O sistema da Nova Zelândia é sazonal, de forma que o equipamento de ordenha recebe uma manutenção anual antes do início de cada estação. A Nova Zelândia desenvolveu seu próprio equipamento de ordenha padrão que difere um pouco do padrão ISO usado no Brasil e em outros países do mundo. Uma importante diferença é o nível de vácuo – operamos a níveis levemente menores do que no Brasil. Por exemplo, a linha média recomendada é de 47kpa no Brasil, enquanto na Nova Zelândia recomendamos 42-46. O equipamento na Nova Zelândia geralmente operará no menor nível da escala (42kpa neste exemplo) para tentar e prevenir danos nos tetos. Outro importante ponto é que todos os técnicos que fazem a manutenção do equipamento de ordenha precisam ser qualificados em um curso padronizado de manutenção de equipamentos de ordenha executado em benefício da indústria pela QCONZ.
As teteiras são trocados pelo menos uma vez a cada estação, mas normalmente com uma maior frequência, seguindo as orientações dos fabricantes. A Nova Zelândia tem seu próprio fabricante de teteiras, de forma que todas as encontradas no mercado são de alta qualidade. A Nova Zelândia também trabalha muito para garantir que os revendedores saibam quais teteiras recomendar e que os produtores saibam quais comprar.
O funcionamento dos equipamentos, as provas de manutenção e a substituição das teteiras são avaliados nas auditorias anuais das fazendas.
3. Ambiente
A NZ é um país que recebe muita chuva, de forma que é tomado um cuidado especial para garantir que minimizemos os efeitos da lama. As fazendas investem em drenagem dos piquetes, nos acessos à sala de ordenha e em corredores. Como expliquei em meu artigo, os corredores das fazendas na Nova Zelândia são geralmente melhores do que a maioria das estradas de terra no Brasil. Um ambiente bem conservado e um sistema baseado em pastagem garantem que os tetos das vacas estejam, em geral, limpos e secos durante e entre as ordenhas, o que minimiza a contaminação por mastite ambiental e também reduz os efeitos dos danos nos tetos.
4. Tratamento de vacas secas
No mínimo, vacas problemáticas ou vacas com níveis mais altos de CCS são tratadas com protocolo para vaca seca. Muitas fazendas tratam todas as vacas secas, embora essa prática possa mudar devido aos interesses internacionais em reduzir o uso de antibióticos. Além disso, o uso de selantes para tetos está se tornando mais comum, especialmente em rebanhos maiores.
5. Renovação do rebanho/descarte
O rebanho é testado 4 vezes por ano para produção (volume) e saúde animal (CCS). Esses dados são usados para ajudar os produtores a tomar decisões sobre descarte de animais. Em geral, cerca de 15-25% dos animais são abatidos por ano dependendo das condições de mercado, etc. Uma atenção especial também é aplicada na criação de novos animais (ambiente higiênico, etc.) para garantir que o rebanho esteja sendo substituído por animais saudáveis.
Suporte às fazendas/Assistência técnica
Treinamento
A assessoria técnica sobre a qualidade do leite é passada aos produtores e aos profissionais de saúde animal através de cursos padronizados de treinamento em todo o país, normalmente conduzidos pela QCONZ. Os produtores também têm acesso à materiais informativos, treinamento sobre mastite e uma ferramenta de resolução de problemas pela internet.
A questão mais importante aqui é que todos recebam o mesmo treinamento e dê a mesma assessoria. Todo mundo canta a mesma canção.
Assistência técnica
Quando um produtor recebe uma penalidade, eles também recebem rapidamente a visita técnica de um profissional qualificado em saúde animal para resolver o problema. Note que a pessoa que faz a assessoria precisa ter completado um curso padronizado de treinamento. Na maioria dos casos, essa visita é feita gratuitamente, desde que a pessoa que faça a visita seja da QCONZ ou outra empresa técnica qualificada.
Aplicação do controle de mastite da Nova Zelândia no Brasil
O sistema neozelandês de controle de mastite é o mesmo sistema recomendado em todo o mundo e comprovado por pesquisas. No Brasil não é diferente. Algumas recomendações que eu teria aos produtores brasileiros seriam:
• Garanta que seu nível de vácuo esteja de acordo com as recomendações da CBQL e peça a seu técnico para usar o nível mais baixo das recomendações.
• Manutenção regular de seu equipamento de ordenha.
• Trocar as teteiras/borrachas regularmente e seja cuidadoso se usa produtos paralelos.
• Garanta que sua bomba de vácuo esteja adequada e que você tenha alguma reserva de ar suficiente.
• Ordenhe de forma eficiente – coloque os copos calmamente e sem sobressaltos e os retire com o vácuo totalmente desligado – evite a sobre-ordenha.
• Use um bom produto de pós-dipping com abundância de emoliente e garanta que você cobriu todo o teto.
• Se você usa pré-dipping, garanta que você tenha uma rotina eficiente. Se você decidir parar de usar pré-dipping, monitore o número de casos clínicos, teste usando CMT, etc, para garantir que você não precisa.
• Se você detectar mastite – trate-a. Pequenos grumos são mastite. Não espere para tratar, trate-a imediatamente. Se você tem funcionários, garanta que eles estejam detectando e tratando eficientemente.
• Pratique o tratamento da vaca seca usando um bom produto. Isso funciona e vale bem a pena o investimento.
• Por favor – se você tem problemas com o ambiente, faça algo sobre isso. Tente reduzir os efeitos da lama em sua fazenda, melhore os acessos, melhore os corredores, melhore a área de permanência dos animais, forneça mais sombra, melhore a drenagem, etc. Dê atenção especial à área de pré-parto.
• Torne a prevalência de mastite uma parte de seu processo de decisão para o descarte de vacas. Teste todo o rebanho para CCS 4 vezes por ano. Tenha uma taxa de descarte de cerca de 15-25%.
• Tenha um bom processo de criação de bezerras, você precisa substituir seu rebanho com novilhas fortes e saudáveis.
E, em geral, tente focar mais na condição do teto – ter um teto saudável que não é prejudicado pelo ambiente ou durante a ordenha é vital.
Algumas notas sobre o pré-dipping
O pré-dipping não é tão comumente usado ao redor do mundo como você pode pensar. É usado em 50% ou menos das fazendas da Inglaterra, Europa, Uruguai, Argentina e Chile e dificilmente é usado na Austrália e na Nova Zelândia. Eu acredito que é mais comumente usado nos Estados Unidos, mas mesmo lá, seu custo benefício é questionado.
Pesquisas na Nova Zelândia (clima frio e subtropical, sistemas de pastagens) e Austrália (clima tropical e subtropical, sistema de pastagens) mostraram que o pré-dipping não funciona para as realidades lá. Outras pesquisas em outros locais do mundo mostram que sua efetividade está entre 0-15% na redução de novos casos clínicos, dependendo de qual pesquisa você lê.
As vantagens de não usar pré-dipping são várias e incluem menores custos do produto, menores custos de mão de obra e uma rotina de ordenha mais rápida/maior eficiência. Um problema importante que vejo no Brasil com o pré-dipping e a rotina de pré-ordenha é o atraso na colocação da teteira (mais de 2 minutos – não aproveitando a oxitocina e o processo natural de descida do leite), que leva a uma sub-ordenha (que pode causar mastite, mas também significa menos leite no tanque e menos dinheiro no banco para os produtores). Uma rotina lenta pode também causar um atraso na retirada do equipamento, significando que você pode ter uma sobre-ordenha, danos nos tetos e mastite.
Em muitos casos, descobri que a rotina pré-ordenha no Brasil causa mais danos e mais mastite que previne a doença. Mesmo tento dito isso, eu recomendo o uso de pré-dipping para muitas fazendas no Brasil, desde que isso seja feito com uma rotina rápida de ordenha, isto é, os copos sejam colocados dentro de 2 minutos e sejam tirados rapidamente após a ordenha estar completa.
Algumas pesquisas sobre pré-dipping
Nova Zelândia
JH Williamson, andSJ Lacy-Hulberta, 2013: Effectofdisinfectingteats post-milkingorpre- and post-milkingonintramammaryinfectionandsomaticcellcount. New ZealandVeterinaryJournal, January. Online: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/00480169.2012.751576?journalCode=tnzv20&#preview
“A desinfeção dos tetos pós-ordenha aplicada com spray é um componente essencial no controle de mastite na Nova Zelândia. Não houve benefícios da adição da adição de desinfecção pré-ordenha”.
EUA
Pankey, J.W., andDrechsler, P.A., 1993: Evolutionofudderhygiene: Premilkingteatsanitation. VeterinaryClinicsof North America: Food Animal Practice. 9:519-530. Online: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8242456
“O pré-dipping reduziu a incidência de novas infecções intramamária (IMIs) e novos casos de mastite clínica. Infelizmente, certos fatores anularam esses efeitos positivos. Esses fatores precisam ser definidos. Os produtores devem monitorar os efeitos do pré-dipping para determinar se o investimento em produto e tempo tem um retorno econômico sob as condições de sua fazenda leiteira”.
Inglaterra
Hillerton JE, Shearn MF, Teverson RM, Langridge S, Booth, JM 1993.Effectofpre-milkingteatdipping onclinicalmastitisondairyfarms in England. J Dairy Res.Feb;60(1):31-41. Online: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8436665
“Não parece haver justificativa para o uso indiscriminado do Dipping dos Tetos Pré Ordenha (PMTD) apesar de a maioria das fazendas e grupos de riscos poder se beneficiar de uma melhor atenção ao controle convencional de mastite”.
Sobre o QCONZ (QualityConsultantsof New Zealand)
A QCONZ é uma empresa de serviços que fornece treinamento, consultoria, assistência técnica e serviços de auditoria para a indústria de lácteos na Nova Zelândia, Austrália, Brasil, América do Sul e Ásia. No Brasil, o QCONZ inspeciona fazendas BPF para DPA e implementou o Sistema Mineiro de Qualidade do Leite (SMQL) em mais de 120 companhias de lácteos em Minas Gerais. A QCONZ também já realizou outros projetos para DPA, BRF, Itambé, Bela Vista, LBR, Unilever, Sebrae Minas, SENAR Minas, SECTS Minas, Emater Minas e Balde Cheio Rio, entre outras organizações líderes na indústria de lácteos.
Informação
Bernard Woodcock também será palestrante do Interleite Brasil que acontecerá nos dias 11 e 12 de Setembro, em Uberlândia, MG. No evento, ele abordará sobre "Gestão da Qualidade do Leite". Clique e veja a programação completa do evento.