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Verghese Kurien: o homem que revolucionou a produção de leite na Índia

GIRO DE NOTÍCIAS

EM 17/07/2002

21 MIN DE LEITURA

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O Dr. Verghese Kurien, engenheiro com mestrado em engenharia mecânica nos Estados Unidos (Michigan State University, em 1948), é o pai de um programa gigantesco de fomento à produção de leite na Índia, denominado de "Operation Flood" (Operação Inundação), que vigorou no país de 1970 a 1996, período em que a produção de leite saltou de cerca de 21 bilhões de litros anuais (igual à produção do Brasil, hoje), para mais de 70 bilhões de litros, tornando a Índia o maior produtor mundial. O Dr. Kurien presidiu por 33 anos a NDDB - National Dairy Development Board, instituição que canalizou os investimentos para viabilizar o Operation Flood, bem como se responsabilizou pela administração do projeto.

Antes do Operation Flood, o governo atuava fortemente no setor, sendo responsável pela captação e pelo processamento de parte do leite, concorrendo com um incipiente parque industrial privado. Através do Operation Flood, que foi também acompanhado de uma brusca mudança nas políticas públicas para o setor, o governo deixou de interferir diretamente, apoiando uma estrutura baseada em cooperativas de produtores existentes nas vilas, vinculadas a uniões distritais de produtores que, por sua vez, submetiam-se às federações de produtores. Nestes três níveis hierárquicos, a regra era o comando na mão de produtores, que tinham a autonomia para contratar profissionais do mercado, comercializar o leite e definir preços ao produtor. Para se ter uma idéia da amplitude do programa, ele envolveu, em sua etapa final, cerca de 55.000 cooperativas nas vilas, 170 uniões de produtores e 6,3 milhões de produtores de leite ativos, integrados em um complexo sistema de coleta de leite, planejado a partir de volumes ínfimos de leite por produtor por dia: menos de 2 litros diários.

O Operation Flood envolveu recursos consideráveis. Corrigindo-se todos os recursos disponíveis para valores de 1996, foram desembolsados nada menos do que US$ 2,98 bilhões de dólares, investimento esse que, de acordo com o relatório do Banco Mundial, foi modesto perto dos benefícios, contribuindo para a diminuição da pobreza na Índia.

Dos 80 bilhões de litros de leite produzidos atualmente, que mobilizam nada menos do que 70 milhões de pessoas nas áreas rurais do país, apenas 15% são vendidos no setor formal. Desse volume comercializado formalmente, as cooperativas do Operation Flood respondem por cerca de 60%, contra 40% de empresas privadas.

Mais do que a tentativa de sugerir a transposição de uma programa dessa natureza ao Brasil, que retrata uma realidade em grande parte distinta da nossa, a entrevista exclusiva feita pelo MilkPoint com o Dr. Kurien tem o objetivo de resgatar um pouco da história do leite no país que é o maior produtor mundial, mostrando, ao mesmo tempo, ser possível criar uma indústria competitiva a partir de uma estrutura altamente pulverizada, cujo principal objetivo é o aumento da renda da população rural e a fixação do homem do campo.

Participaram da entrevista com o Dr. Kurien o Prof. Luis Fernando Laranja da Fonseca, da FMVZ/USP, e Marcelo Pereira de Carvalho, editor do site MilkPoint.


Porquê o Sr. teve a idéia de idealizar um programa como o "Operation Flood" ?

VK: Quando entrei na Amul (Anand Milk Union Ltd), uma união de produtores, em 1950, a Índia era uma nação recentemente independente. A cooperativa de leite no distrito de Kaira ajudava os produtores de leite a obter independência econômica. Havia muita coisa a fazer, muitos desafios a suplantar, muitas oportunidades a explorar. Parte da nossa motivação era a noção que tínhamos de que o que estávamos fazendo era importante para as fazendas e para nosso país. Também, havia a recompensa de saber que os produtores, cujas vidas dependiam dos nossos esforços, realmente apreciavam o que estávamos fazendo.

Em 1964, O Sr. Lal Bahadur Shastri, então Primeiro Ministro da Índia, visitou Anand para inaugurar a nova fábrica de ração para bovinos da Amul. Embora estivesse tudo preparado para ele se hospedar em minha casa (naquela época, não havia hotéis para ficar em Anand, quanto mais acomodações apropriadas para um Primeiro Ministro !), ele preferiu pernoitar em uma vila próxima, como convidado de um produtor. O Sr. Shastri jantou com os moradores da vila e depois conversou com eles - até 2 horas da manhã. No dia seguinte, ele observou cuidadosamente o processo inteiro de coleta do leite, de análise de gordura, e do pagamento aos produtores, além da comercialização efetuada pela sociedade cooperativa leiteira.

Ele ficou muito impressionado pelo trabalho realizado pela Amul e me perguntou qual seria o segredo do sucesso, especialmente ao se notar - da forma exata como ele falou - que as indústrias controladas e administradas pelos governos não iam nada bem.

Expliquei a ele que a Amul era propriedade dos produtores de leite e a administração da cooperativa estava nas mãos dos seus representantes legitimamente eleitos que, por sua vez, contrataram profissionais como eu para gerenciar seu negócio. Depois, expliquei ao Sr. Shastri que através dessa estrutura a Amul permanecia próxima aos seus membros, sendo sempre sensível às suas necessidades.



O Sr. Shastri manifestou o desejo de que o modelo da Amul fosse replicado por todo o país. A partir da sugestão dele, floresceu a organização chamada India's National Dairy Development Board (NDDB). Após algumas tentativas mal sucedidas, nos primeiros anos, para reunir fundos dos governos estaduais e nacionais para os programas com leite, a NDDB formulou este programa único que se chamou Operation Flood, que não só permitiu a replicação do modelo, mas também tornou a NDDB uma instituição auto-sustentável.

Da onde vieram os recursos ?

VK: Os recursos para custar a primeira fase do projeto Operation Flood foram gerados a partir da venda de leite fluido reconstituido, a partir de commodities doadas pela FAO (Food and Agriculture Organization), através do World Food Programme (WFP). Dessa forma, 126.000 toneladas de leite em pó desnatado e 42.000 toneladas de óleo de manteiga foram doados via WFP para esta finalidade. Estas commodities foram utilizadas para reconstituir o leite, que foi vendido pelos canais de comercialização das cooperativas de leite aos preços de mercado, visando gerar recursos para o programa. A partir daí, os recursos para a segunda e terceira fases do Operation Flood foram gerados através de novas doações de commodities, empréstimos do Banco Mundial e receitas internas. Os detalhes a respeito desses recursos financeiros e seu uso extremamente produtivo podem ser lidos no livro "India: The Dairy Revolution", escrito por Wilfred Candler e Nalini Kumar, publicado pelo Banco Mundial em 1998.

Que métodos foram utilizados para estimular a participação dos produtores de leite nas cooperativas e organizá-las como distritos produtivos ?

VK: Para estimular a participação dos produtores, três aspectos foram considerados essenciais. Primeiro, os produtores de leite precisavam receber um preço que remunerasse adequadamente o leite produzido. Segundo, todo o leite produzido deveria ser coletado duas vezes ao dia, o ano todo. Terceiro, para promover a produção de leite e a produtividade, a cooperativa deveria oferecer rações, serviços veterinários e serviços de inseminação artificial a preços adequados.



Alem disso, havia a necessidade de criar a infra-estrutura para a coleta eficiente do leite em áreas rurais, seu transporte e processamento e, finalmente, para a comercialização do leite e seus derivados em áreas urbanas e semi-urbanas. Isso significava construir e expandir fábricas de leite para processar todo o leite ofertado pelos produtores, além do fato do leite e derivados precisarem ter qualidade para ser oferecidos aos consumidores.

Também significava desenvolver uma rede para o transporte e armazenamento do leite, estabelecer câmaras de frio por todo o país e colocar em funcionamento outros mecanismos necessários para ajustar disparidades regionais e flutuações estacionais da demanda e oferta de leite.

Que métodos são utilizados para coletar o leite ?

VK: O leite é coletado dos produtores através de cooperativas de leite localizadas em cada vila. Os produtores trazem o leite para a cooperativa toda manhã e toda tarde. O leite é analisado quanto à qualidade, pesado e transferido para latões de 40 litros para ser então transportado por caminhão, no intervalo de uma ou duas horas. Os profissionais contratados pelas cooperativas continuamente revisam a logística desse processo, de forma a otimizar o custo de coleta e, ao mesmo tempo, garantir que o leite cru chegue à fábrica no máximo 4 horas após a ordenha. Estamos agora instalando resfriadores de leite nas cooperativas das vilas, o que alterará o método de coleta, passando de latões para tanques. Esta mudança também implica na obtenção de leite de qualidade superior e na economia dos custos de transporte.

Como funciona funciona a logística do Operation Flood, conhecida pelo sistema National Milk Grid ?

VK: O maior objetivo para se operar o National Milk Grid (NMG) é transportar leite de áreas com excedentes (na zona rural) e torná-lo disponível em diferentes áreas que demandam leite, especialmente nas áreas urbanas e nas metrópoles. Mais de mil caminhões com tanques isotérmicos e cerca de cem tanques ferroviários fazem parte do National Milk Grid para executar esta tarefa de transportar leite das áreas produtoras para os centros de demanda.

Quais foram os benefícios do "Operation Flood" ?

VK: Os benefícios do Operation Flood são muitos e estão bem descritos na publicação do Banco Mundial, mencionada anteriormente. Porém, posso fazer um resumo do que o Banco Mundial disse sobre o Operation Flood:

- Lição 1: um projeto de investimento bem concebido, como suporte de uma mudança de política pública previamente adotada e apropriada, pode produzir resultados além da proporção dos investimentos envolvidos. Isso ocorre em parte porque soluciona o problema da "propriedade", e em parte porque evita a necessidade de criar uma instituição ao mesmo tempo em que se espera desta instituição justamente implementar o projeto. Esta lição destrincha intencionalmente a extensão exata das causas envolvidas.

- Lição 2: pelo aumento da renda, um projeto aparentemente simples, que envolve uma única commodity, pode ter benefícios múltiplos, incluindo nutrição, educação (especialmente de meninas) e criação de postos de trabalho. Isso coloca uma questão que se refere à eficiência relativa de projetos de produção que têm o objetivo de reduzir efetivamente a pobreza, em comparação a projetos de saúde, nutrição e educação destinados a eliminar a pobreza de forma indireta, ou ainda projetos locais de desenvolvimento, destinados a atuar de várias maneiras simultaneamente. Apesar de não ser um projeto especificamente destinado a um perfil determinado de produtor, cerca de 60% dos beneficiários eram produtores pequenos ou marginais, além de pessoas sem propriedade da terra.

- Lição 3: ao se focar um projeto em uma atividade predominantemente realizada por pessoas mais pobres, é natural que a maior parte dos beneficiários seja pessoas de baixa renda, oferecendo uma alternativa a projetos que são orientados para atingir os pobres.

Porque o programa terminou ?

VK: O programa Operation Flood foi lançado com objetivos específicos, baseados em alguns princípios, tendo uma data inicial e uma data final. Dessa forma, quando os objetivos foram atingidos - dentro do cronograma projetado - o programa foi considerado encerrado.

O Sr. acha que programas como esse podem ser implementados em qualquer país do terceiro mundo ?

VK: O Programa Operation Flood foi implementado a partir da adoção do modelo da Cooperativa Amul, comumente referido como o "padrão Anand". Esse padrão implica em uma estrutura cooperativista com 3 níveis hierárquicos: as cooperativas nas vilas, as uniões de produtores e as federações estaduais, todas livres da interferência do governo e com liberdade gerencial e comercial. Pode-se mencionar aqui que o padrão Anand é único e modelado para satisfazer as necessidades e aspirações dos pequenos produtores de leite. Eu acho que todos os elementos necessários para que a estrutura cooperativista fosse baseada em pequenos produtores de leite e bem sucedida, foram cuidadosamente considerados e ponderados adequadamente no padrão Anand. Conseqüentemente, eu acho que há espaço para programas similares que podem vir a ser implementados em vários outros países em desenvolvimento. Claro que a sintonia fina do programa teria de ser cuidadosamente considerada a partir do ambiente socio-econômico e político do país onde se deseja implementar o programa. A NDDB está avaliando maneiras de colaborar com outros países em desenvolvimento para utilizar o modelo Anand para aplicação no setor lácteo. É importante notar que o sucesso destes programas não depende apenas da estrutura do projeto e da participação dos produtores, mas também do apoio e do suporte governamental, do ambiente legislativo propício, da orientação de mercado e da disponibilidade de profissionais comprometidos com o seu sucesso.

Falando agora sobre a produção de leite na Índia, qual é a média de produção e o preço pago pelo leite ?

VK: Na Índia, cerca de 75% dos produtores são pequenos, marginais ou mesmo sem-terra. Eles possuem entre 1 e 3 vacas apenas. Um produtor típico de leite pode possuir um rebanho misto de vacas de leite e búfalos, ou apenas búfalos. Há diferenças substanciais no tipo de raça utilizada pelos produtores nas diferentes partes da Índia. É difícil, portanto, definir uma produção média por cada produtor. Pela mesma razão, é difícil computar o preço médio pago pelo leite. O que pode ser dito de forma geral é que a produção de leite média por vaca gira em torno de 800 a 1400 litros/ano e depende da região e do animal. O preço atual recebido pelo leite de vaca é Rs. 8 a 9/kg (US$ 0,16 a US$ 0,18/kg) e Rs. 10 a 11/kg (US$ 0,20 a US$ 0,22/kg) de leite de búfala.

Qual a porcentagem do leite destinado ao mercado formal ?

VK: O mercado formal, que reúne cooperativas, empresas privadas e empresas governamentais, processa 15% da produção total. Considerando 80 bilhões de litros anuais, são cerca de 12 bilhões de litros/ano (nota do MilkPoint: o mercado formal é semelhante ao brasileiro, hoje por volta de 13 bilhões anuais). Estima-se que 50% do leite indiano é consumido nas próprias vilas rurais. Os outros 35% são comercializados no mercado informal (nota do MilkPoint: novamente, uma porcentagem muito parecida com a brasileira).



É permitido vender leite cru na Índia ?

VK: Sim, é permitido, desde que sujeito a alguns padrões estabelecidos no Ato de Prevenção da Adulteração de Alimentos (Prevention of Food Adulteration Act).

O Sr. acredita ser possível viver produzindo 50 litros por dia no mercado atual ?

VK: Isso dependeria da renda obtida com os 50 litros por dia ser suficiente para cobrir as despesas a partir de um determinado padrão de vida. Se um produtor de leite produzir 50 litros por dia ele poderia faturar, hoje, entre US$ 10 e 12 por dia. Se assumirmos que o custo de produção fica entre 50 e 75% do preço de venda, então a renda mensal deste produtor alcança de US$ 75 a US$ 180. Aparentemente, essa renda é muito superior à renda per capita na India, que é de menos de US$ 41 mensais.

Que proporção do leite é coletado por cooperativas, em comparação a empresas multinacionais ?

VK: Em 2000, as cooperativas de leite coletaram cerca de 17 milhões de quilos por dia, ou o equivalente a 5,84 milhões de toneladas anuais, o que representa 15% do leite comercializável no país. O volume coletado por empresas multinacionais não é conhecido, uma vez que estas não informam publicamente e nenhum órgão fornece essa informação. Eu acredito que as empresas multinacionais e o setor privado em geral deve estar processando entre 5 e 6% do volume de leite comercializável.

Qual é a tendência para a captação de leite por cooperativas na Índia: está crescendo, está estagnada ou diminuindo ?

VK: A coleta de leite por cooperativas está crescendo de forma muito satisfatória. O volume de leite anualmente coletado pelas cooperativas, nos últimos 6 anos, registrou um crescimento acumulado anual de mais de 7%.

Porque o governo indiano lançou um programa de estímulo às indústrias privadas, incluindo também a abertura de mercado ?

VK: Em 1991, o governo indiano passou por sérios problemas no balanço de pagamentos. Para vencer a crise, a Índia elaborou um programa de ajuste estrutural com o apoio do FMI e do Banco Mundial. Uma parte desse ajuste envolvia novas diretrizes econômicas, com ênfase na desregulamentação, liberação e globalização. Daí vieram os incentivos às companhias privadas.

Quais são os efeitos da globalização no comércio mundial, em relação ao setor lácteo da Índia ?

VK: As regras da OMC deveriam promover o comércio justo, mas parece que o benefício só atinge empresas multinacionais e outros negócios pertencentes às nações avançadas. Eu acredito que a maior globalização vai eventualmente causar mais problemas para a agricultura e para o setor lácteo nas nações em desenvolvimento da Ásia e da Europa Oriental. Por exemplo, as nações ricas subsidiam suas exportações de leite em pó e óleo de manteiga em valores que atingem 63 a 65% - e a OMC não tem nenhuma resposta para isso. De acordo com um relatório recente da FAO, os preços agrícolas internacionais são decrescentes para todas as commodities, sejam elas trigo, milho, cacau, café, algodão, açúcar, chá ou banana. Se a OMC tinha o objetivo de eliminar todos os tipos de subsídios e assegurar o comércio justo desde 1995, então porque os preços internacionais da produção agrícola não estão se firmando em patamares mais altos ?

Em relação às exportações de produtos lácteos, fui informado que a aplicação seletiva de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (acordo SPS) e a fixação de padrões como determinado pela Comissão do Codex Alimentarius (CCA) e pelo Escritório Internacional de Epizootias (OIE), como base para o comércio internacional no setor pecuário, tem se mostrado muitas vezes discriminatórios contra países em desenvolvimento.

A indústria láctea indiana é competitiva mundialmente ? Obs: o relatório do Banco Mundial mostra que os preços de leite em pó na Índia são mais altos do que os praticados no mercado mundial. É verdade ? Onde estaria o problema - seria o sistema pulverizado de coleta que eleva os custos de captação, ou é fruto das distorções de mercado ?

VK: Os preços de leite em pó são mais altos na Índia em comparação ao mercado mundial porque as nações com pecuária de leite avançada subsidiam pesadamente a indústria leiteira. A Índia não subsidia, tampouco tem um sistema de garantia de compra de leite ou de preços mínimos, o que é característica dos Estados Unidos e da Europa. Se os subsídios e outras distorções de mercado forem removidas nas nações desenvolvidas, os preços de leite em pó e outros produtos lácteos da Índia ficarão entre os mais baixos do mundo.



A gigante neozelandesa Fonterra está operando na Índia ?

VK: Cerca de 1 ano atrás, a Fonterra e a empresa Britannia Industries Limited, da Índia, fizeram uma joint venture para alavancar suas participações no mercado de leite no país. A nova empresa deverá comercializar uma vasta gama de produtos, incluindo manteiga, queijo, ghee (alimento derivado da manteiga, usado amplamente como óleo de cozinha na Índia) e leite fluido. Acredito que uma condição importante imposta pelo governo indiano foi a imposição de que apenas leite fluido indiano fosse usado como matéria-prima para essa nova empresa, evitando o fluxo de leite importado. Isso pode ter atrapalhado planos da Fonterra de utilizar os canais de distribuição da Britannia para simplesmente vender na Índia produtos feitos na Nova Zelândia. Também, parece que pouca coisa aconteceu em relação à capacidade dessa joint venture de captar o leite no interior da Índia, processar e vender nas cidades. Mas estamos bem atentos a esse novo negócio. Mais importante do que isso, estamos prontos para competir e confiantes que podemos não apenas manter nossos mercados, mas expandi-los.



Qual é a qualidade do leite na Índia ? Existem normas ou restrições governamentais ? Quais são elas e quem controla a qualidade do leite ?

VK: Na Índia, o leite vendido aos consumidores deve estar em conformidade com as especificações definidas sob o Prevention of Food Adulteration Act, de 1954 (PFA). Evidentemente, o Bureau of India Standards (BIS) também define padrões de qualidade para o leite. Porém, este é um esquema opcional. O controle da qualidade do leite vendido aos consumidores é realizado de acordo com as regras do PFA, por agências especificamente designadas para esta finalidade.

Qual é a % do leite produzido e refrigerado nas fazendas ? Que % de fazendas possui uma sala de ordenha ?

VK: Atualmente, cerca de 1.000 (de um total de 100.000, ou seja, 1%) das cooperativas de leite das vilas possui tanques de resfriamento e, consequentemente, o volume de leite resfriado na fazenda em comparação ao total produzido é bastante baixo. Mas essa realidade deve mudar nos próximos anos.

Como um produtor típico normalmente possui entre 1 e 3 vacas de leite, não há necessidade de possuir ordenha mecânica. Claro, as melhores fazendas estão utilizando equipamentos de ordenha, mas são bem poucas e só se justificam economicamente em rebanhos grandes.

Como a Índia consegue exportar lácteos para mercados competitivos e de alta exigência de qualidade, como os Estados Unidos ?

VK: A Índia não exporta leite fluido, mas exporta diferentes produtos lácteos, incluindo leite em pó, ghee, sorvete e produtos típicos, como Shrikhand e Gulab jamun. Os produtos lácteos, exportados a diversos países, são produzidos sob rígido controle de qualidade em fábricas que são comparáveis em tecnologia e processos com aquelas encontradas em países de maior tradição na produção de leite.

Em sua opinião, qual é o futuro da indústria láctea na Índia ?

VK: A produção na Índia deverá progredir rapidamente em relação à qualidade e também em função de ser a atividade que emprega o maior número de pessoas na área rural, o que lhe confere grande relevância. Esse é um desafio e, ao mesmo tempo, uma ameaça, considerando que nessa nova era, que prevê a integração da economia mundial, as regras para o comércio internacional de leite e de produtos lácteos são escritas pelas nações desenvolvidas, que acreditam em "produção em massa" e não "produção pelas massas". Nós também temos de encontrar maneiras e formas de reverter a habilidade das nações desenvolvidas de subsidiar sua produção e suas exportações de leite, práticas que continuam a executar mesmo após terem se comprometido a fazê-lo de acordo com os acordos junto a OMC.



Através de um processo de colaboração com nossas cooperativas de leite, a NDDB definiu o plano futuro para as cooperativas, chamado "Perspectiva 2010". Este plano prevê o aumento na captação de leite pelas cooperativas para 33% do volume disponível para comercialização nas áreas cobertas pelo Operation Flood, isto é, 48,8 milhões de quilogramas por dia, ou 17,8 bilhões por ano, contra cerca de 6 bilhões atualmente. Por outro lado, o plano prevê o aumento das vendas de leite fluido para 36,5 milhões de quilogramas por dia, ou quase 14 bilhões anuais, atingindo mais de 60% de participação de mercado.

Para atingir estas metas arrojadas, a NDDB identificou 4 áreas-chave: aumentar a produtividade dos rebanhos leiteiros, melhorar significativamente a qualidade do leite e dos derivados, montar um rede de informações que permita a aplicação de tecnologias modernas para aumentar a capacitação das cooperativas, e reforçar a logística estrutural além das vilas. Conseqüentemente, está claro que nossas pessoas e suas instituições na indústria leiteira cooperativada não estão apenas continuando a fazer um bom trabalho; há planos para garantir que este bom trabalho continue no futuro.
As exportações de produtos lácteos da Índia levam uma grande vantagem natural: todos os países que rodeiam a Índia são deficientes em leite e devem continuar assim por um bom tempo. Com isso, é natural que os excedentes indianos de leite em pó desidratado, manteiga e produtos com marca sejam exportados para essas regiões. Eu espero que o acordo da SAARC (South Asian Association for Regional Cooperation) estimule em um curto espaço de tempo o livre-comércio entre países membros. Tenho certeza de que será uma vantagem significativa para a indústria láctea da Índia.



O futuro da indústria láctea da Índia terá de ser construido em cima da qualidade. Hoje, há quase 50 fábricas processadoras de leite, de propriedade das cooperativas, que possuem certificação ISO 9002. A maior parte também possui certificação HACCP. A Kaira District Cooperative Milk Producers Union (União das Cooperativas de Produtores de Leite do Distrito de Kaira), onde trabalhei por um extenso período de minha carreira como Executivo-Chefe, obteve a certificação ISO 9001, talvez o primeiro laticínio a atingir esta distinção, não só na Índia, mas em todo o sul da Ásia. Isso foi possível porque a União dos Produtores de Kaira possui estruturas de pesquisa e desenvolvimento e realizou um trabalho pioneiro ao ser o primeiro laticínio a fabricar leite em pó e leite condensado provenientes de búfala. Há também cerca de uma dúzia de fábricas de ração para bovinos que obtiveram certificação ISO 9002.

Nossas cooperativas de leite estão começando a fazer três coisas. Elas estão se equipando com o que há de mais moderno em relação ao processamento de leite e à manufatura de produtos. Elas estão definindo os padrões necessários para se atingir e manter qualidade de classe mundial. E - mais importante - estão implementando sistemas que garantirão que esses altos padrões de qualidade sejam consistentemente atingidos.

Alguns dos melhores exemplos de cooperativas de leite podem ser observados nas nações desenvolvidas. Por volta 85% do leite captado nos EUA passa pelas cooperativas, ao passo que em países como a Nova Zelândia, Dinamarca e Holanda, este número beira os 100%. Evidentemente, o futuro do produtor da Índia estará assegurado apenas se desenvolvermos nossa agricultura a partir do sistema cooperativista.



Campanha de promoção do leite fluido da Amul




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NELSON FUJITA

LONDRINA - PARANÁ - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 02/08/2002

Esse projeto indiano de produção de leite em larga escala, com a participação de micro e pequenos produtores rurais, obteve sucesso porque utilizou-se do conhecido sistema de cooperativismo, na sua verdadeira essência, isto é, da Cooperativa como instrumento de agregar valores e otimizar a atividade rural em benefício dos cooperados e não de sua diretoria, como muitas vezes acontece em nosso país! Mostra por outro lado, que não se pode pensar em crescimento da atividade produtiva, sem antes pensar que mercado irá absorver esse acréscimo de produtividade! Ficou claro que sem uma política governamental bem definida para melhorar o consumo "per capita" de leite, até como forma de melhorar a distribuição de renda, é improvável seu sucesso, face aos subsídios internacionais aos produtos lácteos, em modelos de economia globalizada. Finalmente é uma lição aos arautos da ecnificação leiteira para a melhoria da atividade no Brasil, adotando modelos de produção e padrões de produtividade da "Bélgica", quando pelas nossas características culturais, nosso clima, nosso gado predominantememte zebuino e a renda da maioria da população estar nos padrões da "Índia".
FERNANDO ENRIQUE MADALENA

BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS - PESQUISA/ENSINO

EM 23/07/2002

Parabéns pela excelente entrevista e o resto do material sobre a
Índia. É uma lição positiva para todas as Belíndias. O Dr. Kurien, a quem
tive a honra de conhecer em Anand, foi o pilar desse trabalho. Homem de
lucidez notável, ele deixa bem claro que a base é a filosofia de colocar a
produção a serviço da sociedade, muito além do "mercado". Ele também
escreveu sobre a globalização de mão única -"você compra o meu produto que
eu não compro o teu". O que mais me impressionou na Amul foi que o leite era
pago na hora, todo dia, e que o produtor recebia 2/3 do preço pago pelo
consumidor.
RICARDO FREIRE

SÃO PAULO - SÃO PAULO - EMPRESÁRIO

EM 23/07/2002

Sensacional a entrevista e muito inspiradora. Pena que nenhum
dos candidatos a presidente a tenha lido.

Esse modelo, com as devidas adaptações, deveria ser implementado no Brasil
imediatamente.

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