Lá atrás, em 1964, a Colorado já produzia leite, com gado holandês PC e baixa produtividade, como era de se esperar na época (um parêntesis: vale a pena ver o vídeo institucional da fazenda ao final do texto, que remete a 1872, quando se tem notícia da produção de leite na então Fazenda Bom Jesus). O pioneirismo e o empreendorismo, porém, sempre fez parte da filosofia de vida de Lair Antônio de Souza, o “Seu” Lair, empresário do leite, suco de laranja, fertilizantes, plásticos e outras áreas, o proprietário da Colorado.
Antonio Carlos, Carlos Pasetti (Beto Xandô) e Sérgio Soriano
Em vários momentos da entrevista que fizemos com a equipe que gerencia a fazenda - o empresário Carlos Pasetti de Souza, filho de seu Lair, Antônio Carlos Sobreira, médico veterinário, diretor da empresa e que está com o grupo há 35 anos, e Sérgio Soriano (há 20 anos na Colorado), médico veterinário e gerente de pecuária, fica evidente a grande referência que é o seu Lair. “Ele sempre demonstrou muito entusiasmo e confiança, dizendo para fazermos a nossa parte bem feita que a dele, ele faria”, diz Sérgio.
Confira a entrevista em vídeo com a equipe da Colorado:
O pioneirismo de Lair e equipe pode ser exemplificado pelo fato de a fazenda ter sido a primeira a embalar leite tipo A nos saquinhos “barriga-mole”, em 1982; depois, foi a primeira a embalar o leite em garrafas plásticas. Hoje, é o primeiro projeto de rebanho leiteiro totalmente fechado em sistema de “cross ventilation” (leia mais aqui sobre esse sistema), permitindo criar uma diferença térmica de até 10 graus em relação ao meio externo (7 e 8 graus é a média). Se considerarmos que se trata de um projeto verticalizado, que embala o leite na fazenda, é um projeto único no mundo com tecnologia de ponta integrada.
As únicas vacas que vimos fora do barracão são essas da Cow Parade
A decisão pelo investimento de “fechar” as vacas veio após um amplo estudo que envolveu mais de 25 plantas até a versão definitiva, incluindo visitas aos Estados Unidos, que possui fazendas com essa instalação, bem como a vinda de um consultor de lá, o Dr. John Smith, da Universidade do Kansas. “Começamos olhando o que tinha na avicultura, por intermédio da Nutron”, diz Antônio Carlos. “A ideia era fazer a maternidade com esse sistema, mas o seu Lair não queria fazer pela metade: se fosse para fazer, que fizéssemos tudo bem feito” lembra ele.
Ao utilizar uma tecnologia que não era utilizada aqui, a fazenda teve que aprender e continua aprendendo com suas próprias experiências. Aprendeu que a placa evaporativa, o “radiador” sobre a qual corre a água que resfriará o ambiente interno, perdeu eficiência ao longo dos 3 anos de instalação, um tempo muito curto comparado com a experiência norte-americana. A razão é que a água utilizada tem teor de cálcio mais alto, calcificando a superfície. A água terá que ser tratada e a placa terá que ser trocada. Preço do pioneirismo.
Conforto das vacas no free stall
É evidente que um investimento desse porte, que envolve milhões de reais, exige acesso a muito capital. Segundo a fazenda, o projeto tem financiamento de bancos com 2 anos de carência, e se pagará com um aumento da média entre 3 e 4 kg/vaca/dia, bem como uma cria a mais durante a lactação da vaca. O projeto foi feito para se pagar em 5 ou 6 anos.
O retorno do investimento é mais rápido em função da fazenda agregar valor com o leite tipo A. Aliás, é interessante como a questão comercial afetou a decisão pelo investimento. A fazenda sofria com os altos e baixos da produção (queda nos meses mais quentes, problemas reprodutivos), na venda de leite. Os clientes reclamavam da inconstância e a fazenda precisava ter uma alternativa para não oscilar tanto a oferta de leite ao seu próprio laticínio. A solução foi a climatização completa, com as vacas permanecendo o tempo todo no galpão fechado. Na visita, brincamos que as únicas vacas com acesso ao pasto ou mesmo que vêem a luz do dia são as duas esculturas da cow parade na entrada do laticínio…
Mas Sérgio argumenta que a instalação na verdade tem muito de um free-stall comum, o que justificaria o investimento mesmo com valores mais baixos de venda do leite (claro que com retorno mais lento). Segundo ele, camas, corredores, cobertura, ventiladores, areia, concreto, canzil, limpeza de dejetos, tudo isso teria de ser investido em um free stall convencional, de forma que o acréscimo não é tão elevado quanto se imagina à primeira vista. ”Porém, é fundamental estar atento a cada detalhe”, diz Antônio Carlos. “Não dá para brincar em um projeto desse porte”.
Visão geral do barracão
As mais de 25 plantas dão uma mostra do perfeccionismo da equipe que lidera a fazenda, necessário para que o projeto rode como planejado. “Isso não é um hobby”, diz Carlos Pasetti. “Na realidade, o hobby aqui precisa dar dinheiro”. Sérgio explica que mais do que o perfeccionismo, o que a fazenda trabalha muito bem é a gestão de risco, daí a atenção aos mínimos detalhes e o projeto minucioso, incluindo geradores de energia.
A preocupação com os detalhes tem também episódios pitorescos. O gerente lembrou que, quando a ordenha carrossel foi instalada, as vacas estranharam. Seu Lair deixou um celular com cada ordenhador e, de seu escritório em São Paulo e munido de câmeras de vídeo que transmitiam a ordenha em tempo real, orientava cada um pelo telefone: “toque ela por aí, cuidado com aquela lá…”
Com efeito, a impressão que se tem ao se visitar a Colorado é que a gestão é meticulosa. Tudo é planejado, executado, conferido e corrigido, o que ajuda a explicar a média anual de 38 kg/vaca/dia em 3 ordenhas, sem dúvida a maior média do Brasil Tropical em se tratando de grandes rebanhos – a fazenda ordenha hoje 1680 vacas, estando próxima da maturação do projeto.
Gestão de dados e da equipe é a base do projeto
A valorização da gestão e da equipe é enfatizada por Carlos Alberto Pasetti. “Quem tira leite é o homem, não a vaca. E essa equipe bonita que eles (Antônio Carlos e Sérgio) montaram sabe realmente tirar leite”.
Para Sérgio, o foco na equipe sempre existiu, desde a época em que a Clínica do Leite, da ESALQ/USP, por intermédio do Prof. Paulo Machado, atuou na fazenda. “Queremos que as pessoas aqui embarquem no nosso sonho, que queiram atingir conosco as metas, e as valorizamos para que tenham esse sentimento”, explica, informando que todas as pessoas foram formadas na fazenda. “Procuramos identificar aonde a pessoa se encaixa melhor”, completa Antônio Carlos.
Outro ponto muito interessante colocado por Sérgio é o aprendizado diário, que faz com que as pessoas se sintam estimuladas. “Cada dia traz coisas novas, cada dia leva a gente para um lugar diferente”, reflete.
A Colorado está, como algumas outras, em um patamar de conhecimento da atividade e resultados técnicos que não deixa a desejar para fazendas de alto desempenho em qualquer lugar. Há, porém, áreas do conhecimento que precisam evoluir. Entre elas, Sérgio destaca a ambiência e o bem-estar animal; o manejo de dejetos; e a transformação de um grande volume de dados em informações que possam ajudar a fazenda a tomar decisões mais acertadas de manejo.
Ordenha carrossel de 72 posições
A preocupação com conforto e bem-estar é evidente, não só pela decisão de investir em um sistema climatizado, mas também por como tudo isso é monitorado na Colorado. A fazenda sabe, por exemplo, os pontos do barracão onde a temperatura é maior, de forma que animais de mais baixa produção são alocados para esses locais.
O sistema é gerenciado por um termostato que é acionado quando a temperatura atinge 20 graus, devendo ser esta a temperatura máxima dentro do barracão. Foi justamente o fato da temperatura se elevar para 27 graus que a fazenda começou a perceber que havia alguma coisa errada com a eficiência da placa que reveste a lateral do barracão. Isso só é possível quando se tem uma gestão nos mínimos detalhes.
Dentro do barracão, as vacas estão evidentemente confortáveis. “A melhor sensação térmica fica sobre as camas e não na pista de alimentação”, diz Sérgio. “Se as vacas estiverem confortáveis, vão comer bem e vão se deitar”. A visão da longa fileira de vacas confortavelmente deitadas nas camas, ruminando, não deixa espaço para questionamentos.
O maior desafio, no entanto, é o tratamento de dejetos. “Já estudamos muito a implantação de biodigestor, mas não vimos até agora nenhum projeto bem sucedido que utilize cama de areia”, explica Antônio Carlos. “É a área mais delicada da produção intensiva de leite”, sentencia Sérgio, dizendo que se fosse voltar à faculdade, seria isso que estudaria.
Os exaustores de 1,5 CV puxam o ar de dentro do barracão
Ao longo da visita, ficando evidente que a fazenda domina a atividade de produção de leite de alta produtividade, é inevitável perguntar: qual será o próximo passo?
Embora talvez seja possível elevar o número de vacas, talvez rodando a ordenha mais rapidamente, Sérgio é da opinião que a média pode subir ainda mais, fazendo com que a propriedade atinja os 70.000 litros diários. Porém, provoquei: e porque não iniciar um novo projeto de produção, já que a área da propriedade para produção de forragens já está totalmente otimizada?
A resposta não poderia ser outra: “nossa equipe está pronta e motivada para isso”, finalizou, deixando a bola com Carlos Alberto que, após poucos segundos, finaliza: “É, a gente gosta de crescer…r também estamos preparando a Xandô para isso”.
A placa evaporativa gera o gradiente de temperatura
Veja abaixo o vídeo institucional da fazenda.