"Diante do contexto de incertezas climáticas é fundamental estabelecer estratégias que promovam o aumento da resistência e resiliência dos sistemas de produção de leite à base de pasto"
Já dizia o provérbio dinamarquês: “É difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro", sintetizando a ideia de que é arriscado e incerto fazer previsões sobre o futuro.
Entretanto, nos últimos anos (2019-2021) a região Sul tem experimentado eventos climáticos adversos, grandes volumes de chuva concentrados em poucos dias, seguido por períodos de escassez hídrica. Nesse sentido, apesar de ser difícil prever com precisão a ocorrência de secas, o retrospecto dos últimos anos nos acende um alerta para os próximos, uma vez que este fenômeno parece rotineiramente rondar as propriedades da região.
Dentro deste contexto de incertezas climáticas, é fundamental estabelecer estratégias que promovam o aumento da resistência e resiliência dos sistemas de produção de leite à base de pasto. Dentre as estratégias ligadas a pastagem, a escolha de mais do que uma espécie forrageira é uma alternativa para dar flexibilidade ao sistema produtivo.
Pastagens anuais normalmente apresentam menor tolerância a seca em relação a pastagens perenes, entretanto, mesmo entre pastagens perenes, a tolerância é variável. Em função disso, a diversificação de espécies é interessante tanto na escala de piquete (várias espécies no piquete) quanto na escala de propriedade (piquetes com espécies diferentes).
Atualmente na área experimental de forragicultura da UDESC – Lages/SC há dois experimentos sendo conduzidos concomitantemente, um deles envolve o consórcio de capim-quicuiu, tifton 85, amendoim forrageiro, trevo branco e cornichão. Durante o período de verão as gramíneas correspondem a 90% da massa de forragem deste experimento, e apesar da diversidade de espécies promover resistência e resiliência ao sistema, as taxas de crescimento estão extremamente baixas (janeiro/2022) em virtude da falta de chuva (Figura 1).
A alguns metros da área da Figura 1 há um experimento com capim elefante cultivar BRS Kurumi, esta espécie também tem apresentado menores taxas de crescimento, entretanto, tem permitido uma frequência de pastejo superior a área de gramíneas perenes de crescimento prostrado e visualmente demonstra maior tolerância a falta de chuvas (Figura 2).
É importante salientar também que a área com capim elefante foi plantada a cerca de um ano (janeiro/2021), suportou o inverno rigoroso de 2021 (>75% de sobrevivência de touceiras) (Figura 3) e após uma roçada em meados de setembro, os primeiros pastejos foram realizados em cerca de 50 dias.
Os experimentos estão em fase de coleta de dados, mas as percepções iniciais nos permitem considerar que o capim elefante cultivar BRS Kurumi é uma alternativa para atenuar os efeitos da seca durante a estação quente no Sul do Brasil.
Por outro lado, a mistura de capim-quicuiu e tifton 85, além de performar muito bem quando há regularidade de chuvas, permite a sobre semeadura de espécies anuais de inverno, (ex.: aveia e azevém), o que é uma vantagem se comparada ao capim elefante, pois há produção de forragem na área em um período que a monocultura está em dormência.
Apesar disso, mesmo ao se considerar apenas as estações quentes do ano, as duas áreas utilizadas como exemplo entregam resultados e tolerâncias diferentes, logo, podem compor como opções forrageiras em conjunto para a mesma fazenda.
Para finalizar o raciocínio, utilizo uma frase do psicólogo americano Abraham Maslow: “Para quem só sabe usar martelo, todo problema é um prego”. Ao trazer a reflexão para o tema desta matéria, podemos interpretar da seguinte maneira, ter apenas um tipo de pasto na fazenda e ser especialista em manejá-lo pode funcionar muito bem em um determinado cenário, mas na indústria a céu aberto do campo, na qual o clima tem um papel determinante, é necessário ter mais espécies à disposição, é preciso carregar uma caixa de ferramentas, afinal, às vezes, o alicate pode ser mais útil.