Não é novidade que a cana-de-açúcar é um volumoso de destaque na alimentação de bovinos, em razão da pequena taxa de risco em sua utilização, do baixo custo por unidade de matéria seca produzida, da manutenção do valor nutritivo, da maior disponibilidade nos períodos de escassez de forragens nas pastagens e do melhor desempenho econômico em comparação a outras forrageiras, dependendo da categoria animal.
Existem limitações quanto ao consumo dessa forrageira por bovinos, particularmente os de raças leiteiras com níveis médio e alto de produções de leite, decorrentes, principalmente, da baixa digestibilidade da fibra, o que pode comprometer o consumo voluntário. Além disso, entre outras limitações, encontram-se o baixo teor de proteína, o alto teor de carboidratos solúveis, o pequeno aporte pós-ruminal de aminoácidos e de glicose, o aumento na quantidade de protozoários no rúmen e o desbalanço de minerais. Entretanto, alguns trabalhos recentes da pesquisa científica comprovam a possibilidade do uso de cana-de-açúcar como volumoso para vacas leiteiras de maior potencial de produção. Nesses estudos, os autores consideraram os índices produtivos e econômicos e apresentaram resultados interessantes e promissores quanto à utilização da cana-de-açúcar.
A principal limitação da cana-de-açúcar é a redução de consumo, ocasionada principalmente pela baixa digestibilidade da fibra, uma vez que seu teor médio em FDN é menor que o da silagem de milho (47 vs 60). No caso da cana-de-açúcar, a saída para sua utilização pode ser a redução de seu uso na dieta de acordo com o aumento da participação de concentrado. Estas mudanças podem proporcionar maior aporte de matéria orgânica digestível, o que levaria a um aumento da concentração de energia, diminuição da concentração de fibra de baixa digestibilidade e, conseqüentemente, ao maior consumo de matéria seca para atender às exigências energéticas do animal.
Por outro lado, excesso de concentrado na dieta pode provocar diversos distúrbios metabólicos, como conseqüência do rápido abaixamento do pH ruminal, que vão desde acidoses subclínicas até casos mais severos, levando à morte, principalmente porque a cana-de-açúcar apresenta alto teor de carboidratos prontamente fermentáveis. Além disso, como o custo do concentrado geralmente é alto, elevadas proporções na dieta podem não ser economicamente viáveis.
Assim, em virtude do grande potencial da cana-de-açúcar e da possibilidade de melhoria na sua utilização, realizou- se um trabalho para avaliar dietas com cana-de-açúcar, em diferentes proporções, e concentrado para vacas com potencial para produção média de 6.000 kg de leite por lactação, comparadas à dieta com silagem de milho como base volumosa.
Foram impostos quatro tratamentos. O tratamento 1 consistiu de silagem de milho como volumoso, na proporção de 60% da dieta. Nos tratamentos 2, 3 e 4, foi utilizada a cana-de-açúcar da variedade RB 739735 no seu primeiro corte (cana de ano) como volumoso, nas proporções de 60, 50 e 40%, respectivamente, com base na matéria seca. A todos os tratamentos com cana-de-açúcar, foi adicionado 1% da mistura de uréia+sulfato de amônio na proporção 9:1, com base na matéria natural. Foram utilizados na formulação das dietas, como alimento concentrado, fubá de milho, farelo de soja, farelo de algodão, farelo de trigo e matéria mineral, conforme apresentado na Tabela 1.
Tabela 1. Composição percentual dos ingredientes nas dietas, expressa na matéria seca.
Os consumos médios diários de matéria seca (MS), matéria orgânica (MO), proteína bruta (PB), extrato etéreo (EE), carboidratos totais (CHO), fibra em detergente neutro (FDN), carboidratos não-fibrosos (CNF) e nutrientes digestíveis totais (NDT) são apresentados na Tabela 2.
Tabela 2. Efeito das dietas sobre o consumo de nutrientes.
O consumo de matéria seca (CMS) entre as dietas com cana-de-açúcar foi menor no nível de 60%, intermediário no de 50% e maior no de 40%, que foi semelhante ao CMS obtido com a dieta à base de silagem de milho na proporção de 60%. Em termos percentuais, o consumo observado para a dieta com 60% de cana foi 11,16 e 25,62% menor que nos tratamentos com 50 e 40%, respectivamente. O tratamento com 50% de cana proporcionou consumo 13,00% menor que aquele com 40% de cana.
Ao comparar os tratamentos com mesma relação volumoso:concentrado (V:C) 60:40, entre cana-de-açúcar e silagem de milho, o consumo foi 22,51% maior para a dieta contendo silagem de milho. Esses resultados estão de acordo com muitos outros valores encontrados na literatura nacional, que também observaram valores 15% superiores para as dietas à base de silagem de milho em relação ao tratamento exclusivamente com cana-de-açúcar e mesma
relação V:C.
O consumo de nutrientes seguiu a mesma tendência que os consumos de MS, com valores mais altos para as dietas com 60% de silagem de milho ou 40% de cana-de-açúcar, com exceção dos consumos de extrato etéreo, carboidratos não-fibrosos, fibra em detergente neutro e fibra em detergente neutro expressa em relação ao peso corporal.
O consumo de extrato etéreo (CEE) foi menor para as dietas à base de cana-de-açúcar, o que provavelmente resultou do baixo percentual de extrato etéreo na cana-de-açúcar.
Foi observado maior consumo de carboidratos não-fibrosos para o tratamento com 40% de cana-de-açúcar em relação às dietas à base de cana-de-açúcar e de silagem de milho, que não
diferiram, indicando também maior participação de alimento concentrado na dieta. A explicação é que o consumo de MS na dieta contendo silagem de milho foi maior, uma vez que os teores de FDN das dietas foram próximos, explicação válida quando se compara os tratamentos com silagem de milho e com cana-de-açúcar na proporção de 60%. Quando a comparação foi entre as dietas com cana-de-açúcar, não houve diferenças significativas porque o aumento de consumo de MS compensou a redução do teor de FDN das dietas à medida que houve aumento da participação de concentrado.
A variação de peso corporal foi de 0,287, -0,562, -0,01 e 0,312 kg/dia para as dietas à base de silagem de milho (60%) e com 60, 50 e 40% de cana-de-açúcar, respectivamente. É possível verificar a elevada variação negativa para a dieta com 60% de cana-de-açúcar, com possível mobilização das reservas corporais pelo animal, na tentativa de suprir as deficiências nutricionais ocasionadas pelo menor consumo da dieta de qualidade mais baixa. Esse comportamento também já foi relatado em outras pesquisas, onde essa variação negativa é provavelmente decorrente do menor CMS, uma vez que, neste trabalho a maior participação
de concentrado nas dietas à base de cana-de-açúcar ocasionou aumento do consumo de MS e diminuição ou ausência de variação de peso corporal.
As digestibilidades aparentes médias dos nutrientes são apresentadas na Tabela 3.
Tabela 3. Coeficientes médios de digestibilidade aparente dos nutrientes da dieta.
Não foram verificadas diferenças nas digestibilidades aparentes da MS, MO e CHO entre as dietas. O coeficiente de digestibilidade aparente da proteína foi maior para a dieta com silagem de milho foi maior que para as dietas com cana-de-açúcar. O maior digestibilidades aparentes da PB da dieta à base de silagem de milho pode ser atribuído à maior ingestão de proteína, uma vez que, apesar de as dietas terem sido formuladas para serem isoprotéicas de acordo com dados médios de literatura (com 14,5% de PB), após as análises bromatológicas, foi constatada que a dieta com silagem de milho apresentou maior teor de PB. Não houve diferença entre as dietas à base de cana-de-açúcar.
As dietas com cana-de-açúcar apresentaram coeficientes de digestibilidade do extrato etéreo semelhantes. As digestibilidades aparentes do EE para silagem de milho foi maior que nas dietas contendo 60 e 50% de cana-de-açúcar. Porém, não houve diferença na digestibilidade entre a dieta com silagem de milho e aquela com 40% de cana, provavelmente em razão da maior participação de concentrado e diminuição da participação da dieta com 40% de cana-de-açúcar, provocando aumento do teor de EE.
Não houve diferença entre as dietas à base de cana-de-açúcar para o coeficiente de digestibilidade aparente da FDN. Era esperado maior valor de digestibilidades aparentes da FDN para a dieta com 40% de cana-de-açúcar, em virtude da menor participação da cana-de-açúcar na dieta. Entretanto, autores que trabalharam na avaliação de diferentes níveis de concentrado em dietas para bovinos, observaram efeito depressor na digestibilidade da fibra em elevadas quantidades de concentrados na dieta, embora os trabalhos tenham sido obtidos com novilhos e com volumoso diferente da cana-de-açúcar.
O coeficiente de digestibilidade aparente da FDN na dieta à base de silagem de milho foi superior ao das demais dietas. A digestibilidade da FDN para dietas à base de cana-de-açúcar poderia ser apontada como o principal responsável pela diminuição de consumo de matéria seca.
Entre as dietas com cana-de-açúcar, observou-se menor coeficiente de digestibilidade dos carboidratos não-fibrosos para a dieta com 40%, não havendo diferenças entre as demais. Isso resultou provavelmente do aumento da taxa de passagem, ocasionado pelo maior consumo de matéria seca na dieta com 40% de cana-de-açúcar. As digestibilidades aparentes dos CNF para silagem de milho foi menor do que os obtidos em todas as dietas à base de cana-de-açúcar, em razão do menor teor de CNF dessa dieta.
Os valores médios obtidos para produção de leite (PL), produção de leite corrigida para 3,5% de gordura (PLC) e os teores médios de gordura (GL), proteína bruta (PBL), lactose (LAC) e extrato seco total (EST) são apresentados na Tabela 4.
Tabela 4. Produção e composição do leite.
A produção de leite para os tratamentos à base de cana-de-açúcar foi menor quando utilizada na proporção de 60%, intermediário para a relação 50% e maior na relação 40%, que foi semelhante à dieta à base de silagem de milho na proporção de 60%.
A menor produção de leite para as dietas com maior participação de cana-de-açúcar pode ser explicada pelo menor CMS, o que resultou em menor consumo de nutrientes. Isso pode ser melhor evidenciado se comparados a produção de leite (PL) e o consumo de MS da dieta com 60% de silagem de milho e a dieta com 40% de cana-de-açúcar com as demais.
A produção de leite corrigida para gordura (PLC) apresentou tendência similar à da PL, exceto para as dietas com 60 e 50% de cana-de-açúcar, que foram semelhantes para PLC. Isso pode ter sido conseqüência do aumento do coeficiente de variação, em virtude do mais alto coeficiente do teor de gordura do leite. São unânimes as conclusões entre autores de que as menores produções de leite podem ser atribuídas ao menor consumo de MS, resultando em menor consumo de nutrientes para as dietas à base de cana-de-açúcar.
Não houve diferenças significativas para a composição do leite entre as dietas experimentais. Apesar de não ter havido diferenças significativas entre as dietas para o teor médio de gordura no leite, era esperado menor valor para a dieta com 40% de cana-de-açúcar. O aumento na participação de concentrado na dieta causa diminuição da relação acetato:propionato e, conseqüentemente, redução no teor de gordura do leite.
Contudo, na dieta contendo 60% de concentrado, foram adicionados tampões, o que pode ter influenciado a não-redução do teor de gordura do leite.
Considerações finais
Para vacas leiteiras com produção média de 20 kg/dia de leite, a utilização de cana-de-açúcar corrigida como volumoso exclusivo deve ser na proporção de 40% na dieta total.
A elevada participação de concentrado na dieta com 40% de cana-de-açúcar não deve ser vista como obstáculo à sua utilização, de modo que decisão sobre seu uso passa a ser de ordens agronômica e/ou econômica.
Fonte:
Adaptado de:
COSTA, M.G.; CAMPOS, J.M.S.; VALADARES FILHO, S.C. et al. Desempenho Produtivo de Vacas Leiteiras Alimentadas com Diferentes Proporções de Cana-de-Açúcar e Concentrado ou Silagem de Milho na Dieta. Revista Brasileira de Zootecnia, Viçosa, v. 34, n. 6, p. 2437-2445. 2005 (supl.)